STF decide que entes públicos podem contratar serviços jurídicos sem licitação
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STF decide que entes públicos podem contratar serviços jurídicos sem licitação

O Supremo Tribunal Federal decidiu que entes públicos podem contratar serviços jurídicos especializados sem licitação em casos de notória especialização, reforçando a segurança jurídica e a autonomia administrativa.

*João Paulo Lawall Valle é Advogado da União (AGU) e professor de direito administrativo, financeiro e econômico do Estratégia carreira jurídica.

sem licitação

Entenda o caso – Contratação de serviços jurídicos

O Supremo Tribunal Federal enfrentou nos recursos extraordinários nº 656.558/SP e 610.523/SP alguns temas relevantes para o direito administrativo, sendo destaque para este texto a definição acerca da constitucionalidade de regra prevista na então Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993) acerca da possibilidade de contratação de serviços de advocacia de forma direta, por dispensa de licitação.

Os recursos extraordinários julgados pelo STF foram interpostos pelo Ministério Público do Estado de São Paulo questionando a contratação realizada pelo município de Itatiba (SP) de um escritório de advocacia para a defesa dos interesses do ente municipal.

O julgamento em questão foi referente a aplicação de dispositivos da Lei nº 8.666/1993 que dispensam a licitação quando houver inviabilidade de competição e para a contratação de serviços técnicos, como o patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas.

Além disso, discutiu-se e decidiu-se, nos recursos extraordinários, se tais contratações configuram ato de improbidade administrativa.

Ponto definidos pelo Supremo

Após longa tramitação na Corte Suprema, o Supremo Tribunal Federal definiu os seguintes pontos:

  1. O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária.
  2. São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.

Assim, os recursos extraordinários nº 656.558/SP e 610.523/SP foram desprovidos e reconhecida a possibilidade de contratação direta de serviços de advocacia, por município, mediante inexigibilidade de licitação. 

Análise JurídicaContratação de serviços jurídicos

A análise do tema em estudo impõe, de saída, uma leitura comparativa entre a revogada Lei nº 8.666/1993 (antiga lei de licitações) e a Lei n° 14.133/2021 (atual lei de licitações), no que toca às hipóteses de inexigibilidade do certame concorrencial.

Dessa forma, vejamos as previsões legais, focados no que importa para este estudo (serviço de advocacia):

Lei 14.133/2021Lei 8.666/1993
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:(…)e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:(…)II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:(…)V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
Contratação de serviços jurídicos

Contudo, apesar das leis transcritas se valerem de técnicas legislativas diversas, a previsão é exatamente a mesma e podemos resumir da seguinte forma:

Dessa forma, as conclusões do STF sobre a constitucionalidade do (revogado) artigo 25, II c/c artigo 13 da Lei 8.666/1993, para a contratação de serviço de advocacia, aplica-se à previsão atual do artigo 74, III, e da Lei 14.133/2021.

A exigência de licitação para as contratações tem previsão no artigo 37, §4º da Constituição Federal de 1988:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O texto constitucional traz como regra geral que as contratações realizadas pelo Estado devem ser precedidas do processo de licitação pública, com a ressalva de casos especificados na legislação.

O pressuposto lógico do processo licitatório é a existência de pluralidade de objetos e de fornecedores ou prestadores de serviços. A licitação demanda competição entre interessados que ofertem seus bens e serviços. 

Diante disso, a inexigibilidade de licitação pública ocorre em hipóteses nas quais mostra-se inviável a competição, o que, por sua vez, pode-se manifestar por maneiras distintas.

Assim, não se pode perder de vista que a impossibilidade de competição ocorrerá quando estivermos diante de serviços técnicos profissionais especializados de natureza singular. Ou seja, atividades cuja prestação demande primor técnico diferenciado, detido por pequena ou individualizada parcela de pessoas, as quais imprimem neles características diferenciadas e pessoais. Em suma, são serviços cuja especialização requer aporte subjetivo, o denominado “toque do especialista”.

Serviços singulares

A doutrina discute profundamente os limites do conceito de serviços singulares, fazendo da seguinte forma:

Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente – por equipe – sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida. Neste quadro cabem os mais variados serviços; uma monografia escrita por experiente jurista; uma intervenção cirúrgica realizada por qualificado cirurgião; uma pesquisa sociológica empreendida por uma equipe de planejamento urbano; um ciclo de conferências efetuado por professores; uma exibição de orquestra sinfônica; uma perícia técnica sobre o estado de coisas ou das causas que o geraram. Todos esses serviços se singularizam por um estilo ou uma orientação pessoal. Note-se que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam necessariamente únicos.
(Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 2002. p. 482)

De acordo com o Ministro DIAS TOFFOLI, relator dos Recursos Extraordinários nº 656.558/SP e 610.523/SP os serviços de advocacia tem características próprias que tornam latente a dificuldade de se proceder ao procedimento licitatório para a contratação desses serviços.

Para a completa análise do caso, além da constitucionalidade da norma que previa (e da atual norma, que prevê) a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviço de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, a contratação somente será possível se preenchidos os requisitos da lei e desde que não haja impedimento específico para a contratação desses serviços.

Segundo o voto do Ministro Relator:

a propósito dos serviços advocatícios, não se vislumbra, na Constituição Federal, primo ictu oculi, a obrigatoriedade de que, em todo município, seja criada uma procuradoria municipal para a representação judicial, extrajudicial, ou para a atividade de consultoria jurídica, embora tal desiderato fosse o ideal.

Não obstante a inexistência de obrigação constitucional para existência de procuradoria municipal, não há impedimento para que determinada municipalidade, vislumbrando a existência de procuradores municipais aptos para o pleno exercício da representação do município, de seus órgãos ou dos entes da administração direta, ou até mesmo indireta, e para o cumprimento, com eficiência, das atividades de consultoria, possa editar norma a impedir a contratação de advogados privados para o exercício dessas atividades. Nesse caso, haveria norma local expressamente proibindo a contratação da prestação de serviço de advocacia para representação do ente municipal.

Por outro lado, ausente impedimento específico, a simples existência de procuradores municipais concursados não impede, por si só, para a contratação de advogados qualificados sob o manto da inexigibilidade de licitação, quando houver real necessidade e preenchidos os requisitos sobre as quais já me referi.

Por fim, com estes fundamentos, segundo o Ministro Relator, a contratação de serviços advocatícios, com inexigibilidade de prévia licitação é possível, e só terá validade se não houver norma impeditiva – no caso, municipal.

Tema nº 309 – Contratação de serviços jurídicos

Foi proposta a seguinte tese de repercussão geral (Tema nº 309):

São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.

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