* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.
Entenda o caso
Em virtude de disputas políticas, um grupo de deputados federais ocupou o plenário da Câmara dos Deputados como forma de protesto para obstrução dos trabalhos na Casa Legislativa.
Dentre os políticos, uma deputada federal levou sua filha de quatro meses, permanecendo com sua filha no colo sob seus cuidados. Então, aduzindo risco a segurança e integridade da criança, um deputado, presidente da Comissão de Direitos, acionou o Conselho Tutelar para providências[1].
Conselho Tutelar
Conforme entendimento doutrinário, “o Conselho Tutelar é um órgão que concretiza a doutrina da proteção integral, criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, permanente, autônomo e não jurisdicional, que tem como objetivo zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”[2].
O próprio texto legal (art. 131, ECA) dispõe que o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Estamos diante de um órgão municipal autônomo, que não pertence a estrutura do Poder Judiciário. Por isso, o art. 132, ECA trabalha o Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local. Conforme a doutrina,
“ser permanente significa que não pode ser encerrado, nem ter suas atividades descontinuadas. É autônomo porque o Conselho tem autonomia para agir de acordo com as convicções de seu colegiado, respondendo obviamente por eventual abuso ou omissão no exercício de sua atividade. Nem o juiz nem o prefeito mandam no Conselho. Os legisladores municipais não podem ampliar ou restringir atribuições do órgão, que são definidas, em rol taxativo, no ECA, lei Federal.
O juiz, de forma genérica, senão por meio de decisão proferida em devido processo legal, não pode impor ao Conselheiro determinada forma de proceder, nem pode rever de ofício as decisões do órgão. Uma observação é muito importante: conselheiro tutelar não se confunde com comissário de menores[3]. O Ministério Público pode, no máximo, emitir recomendações ao órgão, não tendo o poder de “dar ordens” (art. 201, § 5º, c, do ECA). A revisão judicial das decisões do Conselho não pode ser feita de ofício, senão a pedido de quem tenha legítimo interesse (art. 137 do ECA). É um órgão não jurisdicional, pois a criação do Conselho Tutelar no ECA é um dos principais exemplos da tendência de desjudicialização do atendimento que inspirou a lei”[4].

Importante notar que estamos utilizando, na interpretação da atuação do Conselho Tutelar, a doutrina da proteção integral. Por isso, o art. 131, ECA dispõe que a atribuição do Conselho Tutelar é zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.
São inúmeras as atribuições do Conselho Tutelar. Porém, merecem destaques para os próximos concursos de carreiras jurídicas aquelas atribuições incluídas pela Lei Henry Borel. Destacam-se os seguintes incisos incluídos pela Lei n. nº 14.344, de 2022:
XIII - adotar, na esfera de sua competência, ações articuladas e efetivas direcionadas à identificação da agressão, à agilidade no atendimento da criança e do adolescente vítima de violência doméstica e familiar e à responsabilização do agressor;
XIV - atender à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, ou submetido a tratamento cruel ou degradante ou a formas violentas de educação, correção ou disciplina, a seus familiares e a testemunhas, de forma a prover orientação e aconselhamento acerca de seus direitos e dos encaminhamentos necessários;
XV - representar à autoridade judicial ou policial para requerer o afastamento do agressor do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente;
XVI - representar à autoridade judicial para requerer a concessão de medida protetiva de urgência à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, bem como a revisão daquelas já concedidas;
XVII - representar ao Ministério Público para requerer a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
XVIII - tomar as providências cabíveis, na esfera de sua competência, ao receber comunicação da ocorrência de ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente;
XIX - receber e encaminhar, quando for o caso, as informações reveladas por noticiantes ou denunciantes relativas à prática de violência, ao uso de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra a criança e o adolescente; (Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência
XX - representar à autoridade judicial ou ao Ministério Público para requerer a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionada à eficácia da proteção de noticiante ou denunciante de informações de crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente.
Nota-se grande preocupação da referida legislação com agressões e violências praticadas em face de crianças e adolescentes, almejando garantir celeridade e efetividade na identificação, na comunicação, no atendimento e na responsabilização do agressor.
Polêmica instaurada
Por um lado, há quem sustente que:
a) existia risco à integridade e à segurança da criança;
b) estávamos diante de um ambiente de instabilidade, risco físico e tensão institucional;
c) a criança foi utilizada como “escudo para a prática de ilícitos”.
Por outro lado, defendendo a atitude da parlamentar, destacamos os seguintes argumentos:
a) não existe qualquer vedação para que parlamentar esteja com seu filho pequeno no plenário;
b) não existiria qualquer dolo da mãe expondo seu filho ao abandono ou maus-tratos, motivo pelo qual inexiste crime;
c) não houve relatos de tumulto ou agressões diretas, sendo certo que a criança estava sob a proteção da genitora;
d) trata-se de denunciação caluniosa e violência política contra a mulher;
e) o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente ampara o direito a amamentação, aduzindo que “o poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade” (art. 9º).
Agosto Dourado
De fato, o tem é polêmico e ainda poderá ter muitos desdobramentos. Porém, lembramos a campanha denominada Agosto Dourado, que se refere a uma campanha anual de apoio e conscientização realizada durante o mês de agosto no Brasil para promover e incentivar o aleitamento materno. A cor dourada foi escolhida representando o “padrão ouro” do leite materno, tratando-se de um alimento completíssimo e essencial para a saúde e desenvolvimento do bebê.
[1] Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pt-aciona-conselho-tutelar-contra-julia-zanatta-o-que-dizem-advogados/. Acesso em 13 de agosto de 2025.
[2] SEABRA, Gustavo Cives. Manual de Direito da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: Editora CEI, 2020, página 214.
[3] A atividade comissário não foi regulamentada no ECA, mas também não foi banida formalmente. As corregedorias dos tribunais de justiça regulamentam de forma diversa a atividade dos tais comissários, que em alguns contextos são chamados de “voluntários credenciados” ou de “agentes de proteção” ou “comissário de vigilância”. A única referência existente no ECA em relação a tais profissionais está no art. 194, arrolando o voluntário credenciado como uma das autoridades com poder de lavrar auto de infração administrativa às normas de proteção da criança e do adolescente. Assim, de uma forma geral, já que inexiste consenso, as atividades de tais profissionais, onde ainda existem, restringem-se a fiscalizar o cumprimento das portarias judiciais, nos casos onde ainda são necessárias. Não é função do Conselho, assim, realizar tal fiscalização, fazendo blitz em locais onde não deveriam estar crianças e adolescentes.
[4] GOMES, Marcos Vinícius Manso Lopes; ZAPATA, Fabiana Botelho; FRASSETO, Flávio Américo. Direitos da Criança e do Adolescente. Coleção Ponto a Ponto. São Paulo, Saraiva, 2016, página 108.
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