Entenda a condenação da Gol por atraso de 20 horas: análise dos direitos do consumidor, responsabilidades da aviação civil e os aspectos jurídicos envolvidos no caso.
Explicação do caso – Condenação da Gol
A Gol Linhas Aéreas foi condenada a indenizar um casal em R$6 mil por danos morais em razão de um atraso de quase 20 horas no voo entre Recife e Salvador, que ocasionou a perda de uma conexão para Brasília.
O caso foi julgado pela juíza Andreza Alves de Souza, do 2º Juizado Especial Cível (JEC) de Águas Claras, no Distrito Federal: foram identificadas falhas graves na prestação do serviço, incluindo informações contraditórias e assistência material insuficiente, o que agravou a situação, principalmente porque o casal estava acompanhado de uma criança de cinco anos.
A empresa tentou justificar o ocorrido alegando impedimentos operacionais caracterizados como caso fortuito, mas o argumento foi rejeitado pela magistrada, que entendeu que tais fatores não eximiam a companhia de sua responsabilidade.
Aspectos jurídicos relevantes
A decisão da juíza está amplamente fundamentada no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que regula a relação entre empresas de transporte aéreo e passageiros.
De acordo com o artigo 14, as empresas prestadoras de serviços são objetivamente responsáveis pelos danos causados por defeitos relativos à prestação de seus serviços, independentemente da existência de culpa.
No caso em questão, o atraso excessivo e a perda de conexão caracterizam um vício no serviço, agravado pela falta de assistência material adequada, conforme previsto na Resolução nº 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Essa resolução determina que, em casos de atrasos superiores a 4 horas, as companhias aéreas são obrigadas a oferecer alternativas como reacomodação em outro voo, reembolso ou assistência material adequada (alimentos, hospedagem e transporte).
Obrigações de assistência material ao passageiro
Aliás, você sabia que a mencionada Resolução da ANAC estabelece obrigações de assistência material ao passageiro em decorrência de: atraso do voo, cancelamento do voo, interrupção de serviço e preterição de passageiro?
Essa assistência compreende a satisfação das necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com as portas abertas. Ela varia de acordo com o tempo de atraso:
- Superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação;
- Superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; e
- Superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta.
Direito à informação
- Código de Defesa do Consumidor
Além disso, o artigo 6º do CDC assegura aos consumidores o direito à informação clara e precisa, algo que também foi negligenciado pela empresa, segundo os autos do processo.
- Resolução 400
A Resolução 400 diz que o transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis: que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida; e sobre eventual cancelamento do voo ou interrupção do serviço. Além disso, deve manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 (trinta) minutos quanto à previsão do novo horário de partida do voo nos casos de atraso; bem assim informar sobre o motivo do atraso, do cancelamento, da interrupção do serviço e da preterição, sempre que solicitada pelo passageiro.
Caso fortuito ou força maior
Outro ponto jurídico importante é a tentativa de a Gol alegar caso fortuito ou força maior para se eximir de responsabilidade: Embora situações imprevisíveis possam, em tese, afastar a obrigação de indenizar, a jurisprudência brasileira tem sido rigorosa ao exigir que as companhias aéreas demonstrem de forma clara e robusta a existência de fatores externos que justifiquem o atraso, o que não ocorreu no presente caso.
Fortuito interno: O fortuito interno é um acontecimento imprevisível e inevitável, mas relacionado à própria atividade do fornecedor, e que, por essa razão, não o exime de responsabilidade.
As falhas operacionais se incluem no conceito de fortuito interno.
Fortuito externo: É um acontecimento que não guarda qualquer relação com a atividade do fornecedor, isentando-o de responsabilidade na forma do artigo 14, §3º, II (culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro). A
Sobre o tema, vejam como já decidiu o TJDFT:
A necessidade de manutenção não programada na aeronave, em decorrência de defeito, por si só, não caracteriza motivo de força maior capaz de afastar a responsabilidade da recorrente, pois a cia aérea é a responsável pela existência de problemas técnicos, que resultem no cancelamento de voo, uma vez que inserido no conceito de "fortuito interno", relacionado à organização do serviço e o risco da atividade. Acórdão 1792965, 07129913220238070020, Relatora: SILVANA DA SILVA CHAVES, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 1/12/2023, publicado no DJe: 13/12/2023.
De fato, atrasos em decorrência de reparos necessários após a constatação de problemas causados por danos na aeronave são tidos como caso fortuito interno, pois a manutenção não programada da aeronave insere-se nos riscos próprios da atividade empresarial desenvolvida pela Recorrida, de forma que o ocorrido não exclui a responsabilidade da companhia aérea, sendo inaplicável o artigo 14, §3º, II, CDC (culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro). Acórdão 1756284, 07108768920238070003, Relatora: LEONOR AGUENA, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 11/9/2023, publicado no DJe: 20/9/2023.
Em interessante julgado, o STJ decidiu que até mesmo a demora na imigração (que leva à perda de conexão) constitui fortuito interno:
“A imigração é um mecanismo de segurança que tem a finalidade de fiscalizar a entrada e a saída de passageiros de territórios internacionais. Cuida-se de procedimento corriqueiro em voos internacionais, de modo que está atrelado à atividade de prestação de serviços de transporte aéreo. Embora a companhia aérea não tenha ingerência na forma de realização desse mecanismo, que fica a cargo dos agentes de segurança, ela tem a obrigação de se manter informada acerca dos eventos capazes de influenciar no fluxo de passageiros no aeroporto e, consequentemente, no tempo necessário à realização da imigração, a fim de adotar as medidas necessárias para impedir ou amenizar as consequências oriundas de eventual lentidão. Assim, a demora no procedimento de imigração qualifica-se como fortuito interno e, consequentemente, não exclui a responsabilidade da companhia”. (REsp n. 2.043.687/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023.)
Consequências – Condenação da Gol
A condenação reforça a importância de proteger os direitos dos consumidores no setor de aviação civil.
A decisão também serve como um alerta para as companhias aéreas sobre a necessidade de cumprir as normas estabelecidas pela ANAC e pelo CDC. Além de garantir um serviço eficiente, as empresas devem assegurar a assistência material em situações de atraso ou cancelamento e manter uma comunicação clara com os passageiros.
Do ponto de vista do consumidor, o caso destaca a importância de conhecer seus direitos e buscar a reparação em situações semelhantes. O acesso ao Juizado Especial Cível, que dispensa a contratação de advogado em causas de menor complexidade, facilita o exercício desse direito, contribuindo para um mercado mais equilibrado e justo.
Por fim, a decisão judicial não apenas reconhece o prejuízo emocional e material causado pelo atraso de 20 horas, mas também reforça a necessidade de responsabilizar as empresas por sua conduta, promovendo maior eficiência e respeito ao consumidor.
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