TJPE condena empresa de energia a embutir fiação elétrica no Sítio Histórico de Olinda-PE

TJPE condena empresa de energia a embutir fiação elétrica no Sítio Histórico de Olinda-PE

Em decisão paradigmática para a tutela do patrimônio histórico-cultural brasileiro, a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Olinda julgou procedente a ação civil proposta pelo Município contra a Neoenergia Pernambuco (autos nº 0015852-72.2020.8.17.2990)

A Vara condenou a concessionária de energia elétrica ao embutimento completo da fiação aérea no Sítio Histórico de Olinda. Essa área é tombada e reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela UNESCO desde 1982:

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A sentença, exarada pela Juíza em 07/04/2025, põe fim a uma controvérsia que se arrastava há mais de quatro anos, após inúmeras tentativas frustradas de conciliação administrativa.

O Município autor buscava compelir a concessionária a mitigar os danos urbanísticos, paisagísticos e ambientais causados pela fiação aérea exposta, que além de evidente poluição visual, representava risco concreto à integridade do patrimônio histórico e à segurança dos munícipes, como demonstrou o incêndio ocorrido em julho de 2020 na Rua 15 de Novembro, área tombada, causado por curto-circuito na rede elétrica.

A decisão judicial, fundamentada em normas constitucionais, leis federais e municipais, reconheceu a competência do Município para legislar sobre o ordenamento territorial e a proteção do patrimônio histórico local.

Assim, decidiu-se por impor à Neoenergia o dever de adequar suas instalações às exigências urbanísticas e ambientais do sítio tombado. A concessionária deveria realizar o embutimento subterrâneo da fiação em um prazo de 45 dias, com custos arcados integralmente pela concessionária, sem possibilidade de repasse aos consumidores.

Contexto fático e processual

Ab initio, imperioso contextualizar que o processo em epígrafe (nº 0015852-72.2020.8.17.2990) foi distribuído em 23/10/2020, após exaurimento das vias administrativas para solução do conflito.

No caso, o ente municipal, na qualidade de polo ativo da demanda, buscava compelir a concessionária à mitigação dos danos urbanísticos, paisagísticos e ambientais causados pela fiação aérea exposta na área tombada, a qual, além de evidente poluição visual, representa risco potencial e concreto à segurança dos munícipes e visitantes, bem como compromete a integridade do patrimônio histórico tutelado.

Concessionária
Extrai-se da narrativa processual que o Município autor empreendeu, por período superior a 14 meses, tentativas infrutíferas de solução consensual através da Câmara de Conciliação, com a participação da concessionária ré, empresas de telecomunicações, IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e Procuradoria Municipal.

Além disso, não obstante algumas intervenções pontuais realizadas pela Neoenergia, tais como reajustes de fiação em vias específicas (21 vias, conforme relatório técnico de dezembro/2019) e compactação em pontos estratégicos, tais medidas foram reputadas insuficientes pelo juízo a quo diante da magnitude do problema e da necessidade de proteção integral da área tombada.

Ademais, restou comprovado nos autos a ocorrência de sinistro em 31/07/2020 na Rua 15 de Novembro, localidade do Varadouro, área tombada do município. Ocorreu um curto-circuito na fiação elétrica, fato que sobrelevou a urgência e relevância da pretensão deduzida em juízo pelo ente municipal.

Fundamentação jurídica

Da competência municipal para legislar sobre a matéria sub examine

De início, a douta magistrada rechaçou a preliminar suscitada pela concessionária ré quanto à suposta incompetência do município para legislar sobre a matéria. Outrossim, rejeitou o pedido de formação de litisconsórcio passivo necessário com as agências reguladoras ANEEL, ANATEL e ANP, consoante item 14 da sentença.

No mérito, a decisão consignou expressamente que os normativos municipais não vulneram a competência exclusiva da União para legislar sobre energia elétrica, como sustentava a parte demandada.

Com esteio no art. 23, incisos III e IV da Carta Magna, reconheceu a competência comum dos entes federativos para salvaguardar bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como para obstar sua destruição e descaracterização.

Outrossim, a decisum enfatizou a competência constitucional dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, inciso I, CF/88), mormente quando afetos à proteção do patrimônio histórico situado em seu território, consoante se depreende do excerto: "promovida pelo Município de Olinda a disposição urbanística do solo, já que é na sua espacialidade territorial, é indubitável que as normas urbanísticas municipal predominam em importância, pois é o legitimado básico dessa temática".

Do arcabouço normativo municipal aplicável à espécie

A decisão judicial encontra-se lastreada em sólido arcabouço normativo municipal que disciplina o uso e ocupação do solo em Olinda:

  1. Lei Municipal nº 5.321/02 (art. 5º), que expressamente veda a instalação de Estação Rádio-base (ERB) de telefonia celular, microcelulas para reprodução de sinal e equipamentos afins em áreas de praças, parques urbanos, centros culturais, sítios históricos e no entorno de equipamentos de interesse sócio-cultural paisagístico, conforme item 22 da sentença;
  2. Lei Municipal nº 4849/92 (art. 1º), que regulamenta o uso e ocupação do Sítio Histórico de Olinda com vistas a minimizar os impactos decorrentes do processo de urbanização através de Zonas Especiais de Proteção Cultural e Paisagística (ZEPC-1) e Zonas de Entorno do Sítio Histórico. O objetivo é a melhoria da qualidade de vida dos moradores e preservação e valorização dos bens culturais, arquitetônicos e naturais ;
  3. Lei Municipal nº 5.342/2002 (arts. 1º, 3º e 5º), que disciplina o uso das vias e logradouros públicos, inclusive o subsolo, espaço aéreo e obras de engenharia, de arte e de arquitetura do Município de Olinda. Aqui, impõe-se a obediência aos critérios administrativos determinados em regulamento e demais atos normativos mediante Termo de Utilização.
Ademais, destaca-se o disposto no art. 116 da Lei municipal nº 4849/92, segundo o qual a instalação de iluminação pública e de telefonia, bem como serviços de infraestrutura em redes de energia elétrica, devem ser precedidas de análise especial pela Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda (FCPSHO), requisito este que foi devidamente observado pelo ente municipal.

Da responsabilidade da concessionária e afastamento da tese de desequilíbrio econômico-financeiro

O aspecto nuclear da decisão foi o reconhecimento de que a Resolução nº 1000/2021 da ANEEL, norma regulamentadora do serviço público de Distribuição de Energia Elétrica, estabelece à distribuidora o dever de executar e custear o deslocamento ou a remoção de postes e rede, após solicitação, quando inobservadas as regras da autoridade competente (art. 110, §3, I), consoante item 29 da sentença.

A magistrada, com a devida acuidade, rejeitou a tese defensiva da concessionária de que a responsabilidade seria imputável a terceiros (empresas de telecomunicações) ou ao poder concedente, bem como afastou o argumento de potencial desequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, asseverando que "trata-se de obrigação inerente ao serviço prestado, razão pela qual não há majoração de custos ou alteração do equilíbrio contratual, especialmente diante do lucro consolidado em mais de quatro dezenas de bilhões no último ano, proveniente da monopolista prestação dos serviços de energia elétrica".

Da sentença e tutela de urgência

No dispositivo da sentença, a juíza julgou procedente o pedido autoral para condenar a concessionária ré nas seguintes obrigações de fazer:

  1. Providenciar, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, o plano e a execução do embutimento da fiação em toda a área do Sítio Histórico de Olinda. Deve-se cumprir todas as formas de minoração do dano histórico, paisagístico e ambiental, delimitando-se as repercussões da fiação e posteamento na referida área tombada;
  2. Proceder, no prazo de 10 (dez) dias, à revisão e reparação dos danos detectados em toda a fiação e posteamento na área do sítio histórico (tutela de urgência concedida incidenter tantum, em modificação ao entendimento anterior que indeferira a liminar – item 33.2), sob pena de aplicação de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial;
  3. Comunicar ao juízo, no mesmo prazo decenal, as providências comprovadamente adotadas para o cumprimento da determinação judicial.

Implicações jurídicas

Da harmonização entre os princípios da continuidade do serviço público e da proteção ao patrimônio histórico-cultural

In concreto, a decisão realiza sofisticada ponderação entre dois valores constitucionais fundamentais: o princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais (art. 175, CF/88) e o dever estatal de proteção ao patrimônio histórico-cultural (art. 216, §1º, CF/88).

Ao determinar o embutimento da fiação, o comando judicial não obsta a distribuição de energia elétrica. No entanto, estabelece-se parâmetros específicos para que o serviço seja prestado em conformidade com as peculiaridades e necessidades intrínsecas a uma área de proteção especial.

A decisão, portanto, concretiza o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão:

  • adequação (o embutimento da fiação é medida apta a alcançar a proteção visual do patrimônio),
  • necessidade (não há meio menos gravoso para atingir o objetivo perseguido) e
  • proporcionalidade em sentido estrito (a restrição imposta à concessionária não é desproporcional ao benefício obtido em termos de proteção ao patrimônio histórico).

Vale salientar que tal entendimento coaduna-se com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Isso no sentido de que o município detém competência para disciplinar o uso e a ocupação do solo urbano, em matéria de interesse local (RE 607.940/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, j. 29/10/2015).

Da responsabilidade objetiva por danos ao patrimônio histórico-cultural enquanto bem ambiental

In casu, a decisão reafirma o instituto da responsabilidade civil objetiva por danos ao patrimônio histórico e cultural, considerados bens ambientais em sentido lato, conforme interpretação sistemática dos arts. 225 e 216 da Constituição Federal.

A sentença menciona expressamente a “reparação integral da lesão causada ao meio ambiente“, que admite a cumulação de obrigações de fazer, não fazer e indenizar (item 32), alinhando-se ao entendimento cristalizado no REsp 1.269.494/MG (Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 24/09/2013).

O êxito do Município de Olinda evidencia a relevância de uma atuação processual tecnicamente robusta e persistente, com a devida instrução probatória mediante pareceres especializados oriundos de órgãos técnicos como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e estudos multidisciplinares, elementos estes que se revelaram cruciais para o convencimento judicial.

Por derradeiro, destaca-se que, conforme disposto no art. 496, inciso I, do Código de Processo Civil, a sentença em comento estará sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (remessa necessária). Logo, não produzirá efeitos senão depois de confirmada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Outrossim, caberá recurso de apelação no prazo de 15 (quinze) dias úteis, conforme art. 1.003, §5º, do CPC. Assim, faculta-se à parte vencida requerer efeito suspensivo, nos termos do art. 1.012, §3º, inciso I, do mesmo diploma processual.


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