* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
A Colgate, famosa marca de creme dental, foi condenada pela Justiça e terá de pagar R$ 500 mil em danos morais coletivos por induzir consumidores ao erro com a promessa de eficácia absoluta de 12 horas.
A condenação se deu no bojo do processo 0034517-82.2007.8.19.0001, e decorreu de uma ação civil pública ajuizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
“Proteção completa por 12 horas, não importando que você beba ou coma nesse período”
A propaganda prometia “proteção completa por 12 horas, não importando que você beba ou coma nesse período”, e foi considerada abusiva pela 11ª câmara de Direito Privado do TJ/RJ.
O Tribunal do Rio de Janeiro considerou que a mensagem sugeria, indevidamente, que a escovação após refeições seria desnecessária.
Fundamentos da ação civil pública:
- Uso de produto nocivo (triclosan); e
- Propaganda enganosa (induzia o consumidor a acreditar que a escovação após as refeições seria desnecessária).
Defesa da Colgate:
- A Anvisa e autoridades sanitárias internacionais autorizavam a substância (triclosan) dentro da concentração utilizada e que não havia provas de danos à saúde; e
- Estudos comprovavam a eficácia do produto por 12 horas, inclusive após alimentação, e que não havia contradição em também recomendar a escovação regular.
Indenização
O juízo de 1º grau julgou a ação improcedente, com base em laudo pericial e nas informações da Anvisa, que atestaram a segurança do triclosan na concentração usada e a regularidade das informações do produto.
No Tribunal do Rio, tivemos:
- Quanto à nocividade do produto (triclosan), julgou-se a ação improcedente.
- Quanto à propaganda enganosa, julgou-se a ação procedente.
Portanto, o Tribunal de Justiça do Rio deu parcial provimento ao recurso de apelação da autora da ACP, fixando a indenização em R$ 500 mil, que se destinará ao fundo previsto no art. 13 da lei 7.347/85, ressaltando o caráter pedagógico da medida diante da expressiva presença do produto no mercado e do potencial de engano à coletividade.
Análise jurídica
Propaganda enganosa e propaganda abusiva
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37, proíbe a propaganda enganosa ou abusiva. Mas o que vem a ser propaganda enganosa ou abusiva? O próprio CDC nos responde. Vejamos.
Propaganda enganosa → Qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Propaganda abusiva → A publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Importante ressaltar que o art. 38, do CDC, impõe o ônus da prova para o patrocinador da propaganda quanto à veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária.
CDC
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

No caso concreto, os dizeres “Proteção completa por 12 horas, não importa o que você faça” e “Colgate Total 12 oferece proteção completa por 12 horas contra os principais problemas bucais, não importando que você beba ou coma durante esse período” foram considerados, além de exagerados, indutores de uma prática nociva à saúde (não escovação dos dentes).
Danos morais e coletivos
A publicidade da Colgate teria um alto potencial de levar os consumidores a pensar que, uma vez utilizada a pasta dental, por eficaz quanto seja, estariam eles dispensados da cautela de escovar os dentes após cada refeição, num longo intervalo de doze horas, o que poderia ser enquadrado como informação parcialmente falsa.
Para a Corte fluminense, a propaganda da Colgate se caracteriza como um verdadeiro desserviço à saúde pública, ao sugerir um efeito quase-mágico de dispensar a escovação após refeições posteriores ao seu uso.
E essa propaganda enquadrou-se na infeliz categoria das ilicitudes caracterizadoras do dano moral coletivo in re ipsa, justificando a condenação em danos morais coletivos.
Dano in re ipsa e responsabilidade objetiva
No direito brasileiro, a regra é que o ofendido comprove os danos para que se justifique o arbitramento judicial de indenização. Entretanto, em hipóteses excepcionais, são admitidos os chamados danos in re ipsa, nos quais o prejuízo, por ser presumido, independe de prova.
Dano in re ipsa: aquele que, por ser presumido, não depende de prova, ou seja, a mera existência do fato já caracteriza o dano.
A responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor é um dos pilares da proteção ao consumidor, dispensando a comprovação de culpa e focando na existência de dano e nexo causal entre o serviço defeituoso e o prejuízo sofrido.
Não há, portanto, necessidade de comprovação de culpa ou dolo por parte da empresa, já que se está diante de uma relação de consumo, o que atrai a responsabilidade objetiva. Dessa forma, garante-se a proteção dos direitos do consumidor de forma eficiente e rápida sem precisar provar a culpa do fornecedor.
A responsabilidade objetiva estabelecida pelo CDC se baseia na teoria do risco do empreendimento (ou teoria do risco da atividade), que preconiza que aquele que aufere os benefícios da atividade econômica deve suportar os ônus dela decorrente, facilitando assim o acesso à justiça e a reparação integral dos danos.

A condenação em danos morais coletivos tem natureza eminentemente sancionatória, com parcela pecuniária arbitrada em prol de um fundo, não se identificando com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento, abalo etc.), mas com a violação injusta e intolerável de valores fundamentais titularizados por determinado grupo, tendo a função essencial de proporcionar uma reparação indireta à lesão de um direito extrapatrimonial, sancionar o ofensor e inibir condutas ofensivas futuras a esses direitos transindividuais.
Ótimo tema para provas de direito do consumidor. Portanto, muita atenção!
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