Colaboração premiada e a divulgação da delação de Mauro Cid: fundamentos jurídicos

Colaboração premiada e a divulgação da delação de Mauro Cid: fundamentos jurídicos

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje quero tratar aqui no blog sobre a colaboração premiada de Mauro Cid, o que impactou diretamente na denúncia oferecida contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros envolvidos nos supostos atos de 08 de janeiro de 2023.

O tema possui bastante relevância e é bem provável que haja cobrança, de forma adaptada, na maioria dos concursos públicos para carreiras jurídicas.
Colaboração premiada

Recentemente houve a divulgação dos vídeos e áudios da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que é ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. Tais fatos tiveram grande repercussão nacional, e nos traz a necessidade de um aprofundamento teórico sobre o instituto da colaboração premiada.

Tudo isso se deu a partir do momento em que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, tornou públicos os depoimentos nos quais Cid revela detalhes sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado e outras condutas ilícitas ligadas ao governo Bolsonaro. A publicidade da colaboração premiada se deu, inclusive, porque a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República publiciza os atos investigatórios prévios.

A delação premiada, prevista, dentre outros diplomas normativos, na Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.950/13), tem se tornado um instrumento fundamental para investigações de crimes complexos.

Vale ressaltar, ademais, que a história do país aparentemente vem se repetindo em todos os polos políticos, na medida em que o levantamento da colaboração revela pontos que já foram objeto de questionamento em outros acordos que, inclusive, foram anulados em decisões posteriores.

Desse modo, a publicidade dos depoimentos e os desdobramentos do caso levantam questionamentos sobre a legalidade e a validade desse acordo, considerando os requisitos legais exigidos para sua efetividade e eventuais pressões preexistentes á sua celebração.

Fundamentos jurídicos da colaboração premiada

Com efeito, a colaboração premiada consiste em um acordo jurídico pré-processual (também um meio de prova) e é um instrumento jurídico que permite ao investigado ou réu cooperar com as autoridades em troca de benefícios legais que atingem diretamente as sanções aplicadas ou a serem fixadas.

No Brasil, esse mecanismo é regulamentado, dentre outras previsões, pela Lei nº 12.850/2013, que dispõe sobre as organizações criminosas e define os critérios para a concessão de prêmios a colaboradores.

Nos termos do art. 4º da Lei nº 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada pode resultar em benefícios como perdão judicial, redução da pena em até dois terços e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Porém, a concessão dos referidos benefícios depende da efetividade da colaboração, em especial na obtenção de um ou mais dos resultados previstos no referido dispositivo legal (art. 4º). Assim, para se considerar válida, a delação deve ensejar ao menos um dos seguintes resultados:

  • Identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa;
  • Revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
  • Prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
  • Recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais;
  • Localização de vítima com sua integridade física preservada.

Como já dito, a colaboração premiada é um meio de obtenção de prova, e não uma prova em si. Isso significa dizer que as informações prestadas pelo colaborador devem ser corroboradas por outros elementos de prova, de modo que a delação não pode ser usada isoladamente para fundamentar uma condenação.

Outro ponto relevante é a necessidade de voluntariedade do delator. Qualquer indício de coação ou violação de direitos fundamentais pode levar à anulação do acordo.

A delação de Mauro Cid no caso que envolve Bolsonaro

Especificamente no que se refere á colaboração premiada celebrada com Mauro Cid, percebe-se que o acordo teve como principal foco tentativa de golpe de Estado. Dentre os principais pontos existentes em seu depoimento (público e consultado por este professor), verifica-se que Cid afirmou, dentre outros pontos, que:

  • O ex-presidente Jair Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, a declarar a existência de fraudes nas urnas eletrônicas, mesmo sem qualquer prova;
  • Havia um plano para manter Bolsonaro no poder, independentemente do resultado das eleições, envolvendo militares e aliados políticos;
  • Cid recebia mensagens de apoiadores e militares próximos ao ex-presidente, cobrando ações para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

As referidas informações foram essenciais para a denúncia recentemente oferecida em face dos envolvidos (inclusive Bolsonaro). Isso porque elas fornecem detalhes internos sobre as tentativas de desestabilização da ordem democrática e manutenção de Bolsonaro no poder.

Da suposta nulidade do acordo (tese da defesa do ex-presidente)

Apesar da importância das revelações feitas por Mauro Cid, a defesa dos réus, em especial do ex-presidente, vem indicando que haverá questionamentos sobre a legalidade da divulgação dos vídeos e áudios de sua delação. Alguns pontos que podem levar à anulação do acordo incluem:

Das alegadas pressões ou coação ao colaborador

Um ponto que a defesa pode levantar, a fim de questionar a validade do acordo de colaboração premiada, é a voluntariedade do delator.

Se for comprovado que Mauro Cid foi coagido ou pressionado a colaborar, seu acordo pode sim ser anulado pelo próprio Supremo Tribunal Federal que já possui posicionamento consolidado nesse sentido.

Corroboração das provas por outros elementos

Vale destacar, também, que a delação de Mauro Cid, por si só, não pode servir como única base para eventuais condenações na ação penal que se inicia.

Ressalte-se, nesse ponto, que o artigo 4º, §16, da Lei nº 12.850/2013 determina que nenhuma sentença condenatória pode ser fundamentada exclusivamente em declarações do colaborador.

Se não houver provas independentes que corroborem as declarações de Cid, pode-se considerar os elementos apresentados em sua delação insuficientes para sustentar eventuais ações penais.

4. Considerações finais

A colaboração premiada, considerada um negócio jurídico processual e pré-processual consiste em um verdadeiro instrumento para investigações complexas. Contudo, sua aplicação deve respeitar rigorosamente os princípios constitucionais e as garantias legais. No caso de Mauro Cid, o referido acordo serviu como um dos principais meios de provas para embasar a denúncia proposta contra o ex-presidente Bolsonaro.

Verifica-se, no caso em questão, que a delação de Mauro Cid poderá ser um divisor de águas tanto na responsabilização dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 08 de janeiro de 2023, quanto em eventuais responsabilizações futuras. Seja como for, o desfecho da ação penal proposta certamente repercutirá nas vindouras eleições de 2026, acirrando ainda mais a polarização política em nosso país.


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