CNJ aplica punição a desembargador acusado de manter funcionário fantasma: entenda o caso e as implicações jurídicas.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu funcionário fantasma
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ puniu um desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais por ter nomeado servidores fantasmas. A pena foi a de disponibilidade de 60 dias (Processo Administrativo Disciplinar 0007765-80.2022.2.00.0000).
O desembargador foi acusado de solicitar cargos comissionados para dois parentes no Legislativo mineiro em troca de influência na escolha de lista tríplice para o cargo de desembargador do tribunal.
A decisão do CNJ não foi unanime, haja vista que o conselheiro Bandeira de Mello divergiu, alegando prescrição do PAD.
O entendimento que prevaleceu, entretanto, foi no sentido de que o prazo prescricional é contado da data em que o órgão disciplinar tomou ciência do fato, e não do conhecimento no STJ.
De acordo com o Ministério Público Federal, os parentes do desembargador eram “servidores fantasmas“, ou seja, recebiam os salários sem exercer as funções dos respectivos cargos.
A relatora no CNJ, a conselheira Daniela Madeira, afirmou que:
Análise Jurídica
A Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, e a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, fixaram diretrizes para a atuação do magistrado.
O Código de Ética da Magistratura Nacional prevê, em seus artigos 15 a 19, o dever de integridade pessoal e profissional, que deve ser observado pelo magistrado. Rezam os artigos 15 e 16:
Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura. Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
Já o Estatuto da Magistratura (LC nº 35/79), em seu artigo 35, VIII, traz como dever do magistrado “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
As penas disciplinares decorrentes da quebra dos deveres da magistratura estão arroladas no artigo 42, do Estatuto da Magistratura. Vejamos:
Art. 42 - São penas disciplinares: I - advertência; II - censura; III - remoção compulsória; IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; VI - demissão.
Mas, afinal, o que é funcionário fantasma?
A expressão “funcionário fantasma” é usada, no âmbito do serviço público, para se referir, geralmente, ao servidor que foi nomeado para um cargo em comissão (cargo de confiança), recebendo o salário, mas sem comparecer ao serviço
Importante ressaltar que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a figura do ‘funcionário fantasma’ não é matéria para o direito penal. Portanto, não é crime.
O Ministério Público tem denunciado funcionários fantasmas pelo crime de peculato-desvio, previsto no artigo 312, do código penal, mas o STJ tem absolvido os réus.
Código Penal- Crime de Peculato: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
O STJ entende que a hipótese do ‘funcionário fantasma’ pode gerar repercussões disciplinares ou mesmo no âmbito da improbidade administrativa, mas não se ajusta ao delito de peculato, porque seus vencimentos efetivamente lhe pertenciam. Falta, portanto, tipicidade.
No julgamento do EDcl no AgRg no Recurso em HC 163.537, o relator, ministro Messod Azulay Neto, foi direto: “No que tange ao crime de peculato, esta Corte Superior sedimentou que é penalmente atípica a conduta praticada pelo funcionário público que se apropria da remuneração inerente ao cargo, sem a devida contraprestação funcional à Administração, mesmo caracterizando o que se convencionou chamar de ‘funcionário fantasma’.”
ATENÇÃO: Mas o caso do ‘funcionário fantasma’ não se confunde com a famosa ‘rachadinha’.
Rachadinha: É a prática na qual há desvio de dinheiro público, através da cooptação do servidor público, que é coagido a repassar uma parte de seu salário para o político responsável por sua nomeação.
Em relação à prática da rachadinha, a doutrina e a jurisprudência se dividem. Parte considera apenas um ato de improbidade administrativa (conduta que causa danos a administração), e parte considera crime de corrupção (haja vista que, para estes, o agente obtém vantagens econômicas particulares através de um cargo público), concussão (exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida) ou peculato-desvio.
O STJ, julgando a APn n. 825/DF (DJe 26/4/2019), condenou um Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará por exigir a devolução de metade do salário de servidores comissionados durante um período de quatro anos.
A Corte entendeu, nesse julgamento, que, para a caracterização do crime de concussão, não é necessário que haja constrangimento físico contra as vítimas. A simples condição de repasse de parte dos vencimentos como uma imposição velada, acompanhada da ameaça de exoneração, é suficiente para configurar o delito.
No julgamento do REsp nº 1.244.377/PR, o STJ reconheceu a prática da rachadinha como peculato-desvio.
Mas tudo indica que o Superior Tribunal de Justiça tem caminhado para considerar a rachadinha como crime de concussão, como pode ser verificado em julgamento recente (AgRg no AREsp n. 2.497.045/PR, DJe de 21/6/2024).
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCUSSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 316 DO CÓDIGO PENAL - CP. EXIGÊNCIA NARRADA NA DENÚNCIA. "RACHADINHA". FATO TÍPICO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A denúncia contém a descrição de fato típico da concussão, qual seja, o fato da agravante em concurso de pessoas ter ao menos para a contratação da vítima exigido para outrem vantagem indevida a ser paga mensalmente quando do recebimento do vencimento. 2. Por seu turno, a condenação encontra-se congruente com a denúncia, pois as instâncias ordinárias constataram que a agravante foi responsável por apresentar para a vítima a condição essencial referente aos repasses salariais para contratação e manutenção do cargo. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.497.045/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.)
Tanto a existência de ‘funcionários fantasmas’ quanto a prática da ‘rachadinha’ são prejudiciais à sociedade, e devem ser combatidas e punidas. Mas para fins de concursos públicos, é essencial saber que, de forma majoritária:
Funcionário fantasma: NÃO É ENQUADRADO como CRIME, envolvendo apenas a seara disciplinar ou mesmo de improbidade administrativa.
Rachadinha: TEM SIDO ENQUADRADA pelo STJ, como CRIME de concussão.
Ótimo tema para provas de direito penal, processo penal ou até mesmo eleitoral. Portanto, muita atenção!
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