CNJ regulamenta a nomeação de advogados dativos, gerando questionamentos sobre o fortalecimento da Defensoria Pública como forma mais eficiente de garantir a defesa dos vulneráveis. Entenda os pontos em debate.
* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas
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Modelo de Defensoria Pública:
Primeiramente, o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal prevê um serviço público de assistência jurídica integral e gratuita. A própria Carta Maior, em seu artigo 134, define a Instituição responsável por prestar esse serviço: a Defensoria Pública.
Vejamos:
Art. 5º, LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
Atualmente, o modelo adotado pela Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 134 e do e do art. 4º, § 5º, da LC n. 80/94, é o modelo público de Defensoria Pública.
É importante que isso fique claro aos nossos leitores: ainda que em alguns estados existam convênios com a OAB (advocacia dativa), o nosso modelo é público de Defensoria Pública.
Necessidade de Fortalecimento da Instituição:
A Emenda Constitucional n. 80 estabeleceu que
“No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo”.
Infelizmente, o prazo estipulado pelo Poder Constituinte Derivado para a consolidação da Defensoria Pública em todas as comarcas já venceu e o objetivo constitucional não foi alcançado. Não por outro motivo, diversos doutrinadores chegam a falar em um estado de coisas inconstitucionais no que tange a estruturação das Defensorias pelo país.
Dessa forma, sublinha-se o que defendemos em nossas aulas:
A elaboração de políticas públicas (gerir, legislar, formatar e implementar) é atividade prioritária dos Poderes Legislativo e Executivo.
Configurada omissão ou inadequação, irá ser atraída a cláusula da inafastabilidade do Poder Judiciário, devendo a Defensoria Pública atuar no sentido de buscar restabelecer a constitucionalidade, almejando a concretização da força normativa da Constituição.
Portanto, acreditamos que, caso não seja observado um esforço na consolidação da Defensoria Pública, estaremos praticando uma grave e permanente violação de um direito fundamental (direitos humanos), em virtude de comprovada omissão do Poder Público, necessitando de soluções plurais para o problema (orçamentária, jurídica, legislativa e política), o que configuraria um estado de coisas inconstitucional. Seguindo essa linha de raciocínio, eventualmente, poderemos até mesmo falar em judicialização de políticas públicas, com o escopo de concretizar o comando constitucional.
CNJ e regulamentação de advogados dativo:
Inicialmente, destacamos que, consoante as diretrizes constitucionais e nos termos da LC n. 80/94, “a assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública” (art. 4º, §5º).
Assim, em que pese as diretrizes constitucionais e legais, o CNJ aprovou ato normativo com diretrizes para nomeação de advogados dativos pelos Tribunais (Poder Judiciário) em locais/comarcas que não possuem atuação de defensores públicos.
Conforme noticiado,
“Ao apresentar seu voto, o conselheiro Pablo Coutinho esclareceu que o modelo de advocacia dativa somente existe no Brasil, em razão do caráter precário das defensorias públicas em todo o país, mesmo após 34 anos de sua criação na Constituição Federal de 1988”.
A fala possui um erro e um acerto.
Enquanto o erro consiste em afirmar a existência de um modelo de advocacia dativa. O acerto, por outro lado, refere-se à falta de vontade política para a concretização da Defensoria Pública no país. Em que pese a falta de capilaridade da Defensoria Pública no país, isso não faz com que exista um modelo de advocacia dativa – que aliás seria inconstitucional.
O ato normativo estabelece que os Tribunais brasileiros fixarão as regras para o cadastro de advogados e advogadas dativos, bem como os valores atribuídos aos honorários advocatícios desses profissionais.
Dessa forma, os Tribunais poderão, de forma exemplificativa, realizar convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil para aproveitamento de cadastro.
O regulamento do CNJ possui legalidade e constitucionalidade duvidosa. Sem dúvidas, a solução adequada, legal e constitucional seria a devida estruturação da Defensoria Pública, observando-se a Constituição Federal, que deve ter força normativa capaz de conformar a realidade. Assim, a primeira medida do Conselho Nacional de Justiça deveria ser envidar esforços políticos e jurídicos para a consolidação da Defensoria Pública no cenário nacional.
Em São Paulo, por exemplo, minimizando-se o referido problema, a Defensoria Pública paulista possui convênio com a OAB/SP, realizando a gestão e nomeação dos advogados – tudo com a devida transparência.
Aliás, a gestão realizada pela DPESP é extremamente séria, transparente e busca tornar o serviço eficiente, inclusive buscando minimizar as despesas com o serviço prestado. Ou seja, a atividade supletiva da advocacia dativa, notadamente por meio de convênios com a OAB, deve ser realizada por meio da Defensoria Pública e não de Tribunais de Justiça.
Nesse sentido, entendemos que a Defensoria Pública, com fulcro na sua autonomia constitucional, possui competência exclusiva para a realização dos referidos convênios.
O ato poderá eventualmente ser judicializado.
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Desse modo, finalizamos com alguns julgados do Supremo Tribunal Federal favoráveis ao fortalecimento do modelo público adotado pela Constituição Federal, sendo certo que recomendamos aos nossos alunos a leitura integral dos votos dos ministros:
- (ADI 3.892/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 14-3-2012; ADI 4.270/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 14-3-2012 – Implementação da Defensoria Pública – Importante julgado demonstrando que o modelo público adotado pela Constituição possui força normativa, não podendo ser substituído por advogados cadastrados pela OAB);
- (ADI 4.163/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, 29-2-2012 – Defensoria pública paulista e convênio obrigatório com a OAB-SP: inadmissibilidade. O julgado reforça a autonomia da Defensoria Pública);
- (ADI 4.246/PA, Rel. Min. Ayres Britto, 26-5-2011 – Contratação precária de advogado. Julgado muito importante na concretização do modelo público de assistência jurídica).
Conclusão – nomeação de advogados dativos
Por fim, levantamos algumas dúvidas: por que não fortalecer a Defensoria Pública no cenário nacional, concretizando-se o comando constitucional em prol dos vulneráveis? Parafraseando a célebre pergunta sobre a instituição, questiona-se: a quem interessa enfraquecer a Defensoria Pública?
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