Sou o professor Rodolfo Penna, procurador do Estado de São Paulo e professor de Direito Administrativo do Estratégia Carreiras Jurídicas e trouxe um assunto recente para reflexão: Conselho Nacional de Justiça determina a remarcação de prova escrita para candidata gestante.
Em decisão inédita, o CNJ determinou a remarcação da prova escrita para uma candidata grávida em concurso público para outorga de delegações de notas e de registros de Alagoas. O STF apenas admitia a remarcação de prova para candidatas gestantes na fase de teste de aptidão física.
O caso concreto
A candidata grávida em estágio avançado (32ª semana de gestação) requereu a remarcação da prova escrita junto à comissão do concurso público para a outorga de delegações de notas e de registros de Alagoas para, no mínimo, 60 dias após o parto, tendo o seu pedido indeferido sob o argumento de violação da isonomia – naturalmente, a candidata seria submetida a uma prova diversa, sendo materialmente impossível que tenha o mesmo nível de dificuldade da primeira, além de ter a possibilidade de fazer a prova posteriormente.
Na data da instauração do processo de controle administrativo (PCA) junto ao CNJ, estava no curso da 38ª semana de gestação, estando impossibilitada de realizar viagens e afastada, por recomendação médica, de suas atividades profissionais.
Antes da tomada de decisão, a candidata apresentou petição juntando a declaração de nascido vivo e declaração de nascimento do filho.
O contexto jurídico da discussão
O art. 37, II, da Lei Maior estabeleceu o princípio do concurso público:
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
§ 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
A imposição de concurso público abrange toda a Administração direta e indireta, inclusive as empresas públicas e sociedades de economia mista e está fundada, especialmente, nos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência.
Concurso público é o processo administrativo por meio do qual a Administração seleciona os melhores candidatos para ocuparem os cargos ou empregos públicos, por meio da realização de provas ou de provas e títulos.
O STF possui entendimento pacífico no sentido da inconstitucionalidade de qualquer forma de provimento sem concurso público:
Súmula Vinculante 43: É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.
O Notário ou Tabelião e o Oficial de Registro ou Registrador são profissionais do direito dotados de fé pública a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
A forma de ingresso nestes cargos é por meio de aprovação em concurso público, sendo nula a investidura como titular de serviço de notas ou de registros sem prévia aprovação em concurso:
CF, Art. 236 (…)
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Da mesma maneira, a remoção de uma serventia extrajudicial para outra se dá mediante concurso público de provas e títulos.
Existem reiteradas decisões do STF no sentido de que a investidura ou remoção em serventias extrajudiciais sem concurso público de provas e títulos é nula.
As regras a que devem se submeter os candidatos devem estar expressamente previstas no edital, que, por sua vez, é denominado pela doutrina como a “lei daquele concurso público”. Podemos citar as seguintes regras.
Dentre essas regras previstas no edital estão as fases do concurso, que devem preservar o tratamento isonômico e objetivo dos candidatos, não cabendo qualquer tipo de tratamento privilegiado.
Não obstante, apesar de se impossível o tratamento privilegiado, algumas discriminações em concursos públicos são legítimas, especialmente quando buscam promover a igualdade material (tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade) ou promover outros valores constitucionalmente protegidos, como a tutela ao planejamento familiar, à criança e ao adolescente e a inclusão da mulher no mercado de trabalho.
Discriminações legítimas e ilegítimas em concursos públicos
Alguns dos princípios fundamentais do concurso público são a isonomia e a impessoalidade, de forma a proporcionar condições iguais para os candidatos. Não obstante, é possível o estabelecimento de tratamento diferenciado por meio de lei, desde que fundamentados em critérios constitucionais, proporcionais e razoáveis.
Mudança de datas e etapas de concursos públicos
Existem discriminações previstas em leis e editais consideradas legítimas pelo STF de forma pacífica, como a previsão de reserva de vagas para pessoa com deficiência (PcD), para candidatos negros, pardos e indígenas, dentre outras hipóteses de diferenciações reputadas como harmônicas com a CRFB.
No entanto, inexistindo lei sobre o tema, a mudança de datas e etapas de concursos públicos em razão de condições especiais dos candidatos ainda é tema polêmico na jurisprudência, que vem tateando para encontrar as soluções mais adequadas diante da Constituição.
Em primeiro lugar, já admitiu a realização de etapas de concursos em datas e horários distintos para candidatos que invocam escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que preenchidos certos requisitos:
Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada (Tema 386). ADPF 747 MC-Ref/DF; ADPF 748 MC-Ref/DF; ADPF 749 MC-Ref/DF.
Na mesma linha, o STF entendeu, recentemente, que há direito subjetivo dos candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos:
(i) É inconstitucional a interpretação que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos; (ii) É inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública. ADI 6476/DF, relator Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 3.9.2021
Nos casos de testes de adaptação física, as Cortes de Sobreposição se manifestaram por diversas vezes.
Em primeiro lugar, definindo que é vedada a realização de novo teste de aptidão física em concurso público no caso de incapacidade temporária, salvo previsão expressa no edital (AgRg no RMS 043913/BA). Do entendimento decorre que somente seria possível a remarcação da etapa de teste de aptidão física por incapacidade temporária pessoal do candidato se houvesse previsão expressa no edital admitindo a referida remarcação.
Entretanto, a Corte Suprema definiu que deve haver a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público (STF).
A Corte afirmou, como fundamento de decidir, que a CF/88 protege a maternidade, a família e o planejamento familiar, de forma que a condição de gestante goza de proteção constitucional reforçada. Além disso, as mulheres têm dificuldade em se inserir no mercado de trabalho e enfrentam obstáculos para alcançar postos profissionais de maior prestígio e remuneração. Por consequência, acirra-se a desigualdade econômica, que por si só é motivo de exclusão social (RE 630733/DF).
Desta maneira, é imprescindível a tutela dos valores relacionados à maternidade, à família e à inclusão da mulher no mercado de trabalho pelo Poder Público, de maneira que não pode negar a remarcação do TAF para candidatas gestantes. O mesmo entendimento se aplica às candidatas lactantes.
Candidatas grávidas e remarcação de fase escrita e fase oral
No caso analisado, o CNJ cita, como pano de fundo, a Resolução CNJ n. 492/2023, que determinou a diretriz de adoção da “Perspectiva de Gênero nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário”, cujo objetivo principal é a superação dos obstáculos que impossibilitam a concretização de uma igual dignidade entre mulheres e homens, em todos os cenários da vida pública e privada.
Além disso, apresenta como fundamento a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada internamente por meio do Decreto n. 4.377/2002, que determina, dentre outras, a proteção à maternidade.
Reafirmou a necessidade de proteção à gestante, de proteção da família e à liberdade reprodutiva, que são direitos de cunho fundamental, incorporados constitucionalmente ao patrimônio jurídico das mulheres, bem como da própria sociedade indiretamente.
Com esse entendimento determinou a remarcação da prova escrita da candidata, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos, observado o prazo mínimo de 45 dias corridos entre o dia do parto e a nova data de realização da prova, a ser estabelecida pela comissão.
Vale destacar que, em outro caso semelhante, o CNJ já havia reconhecido o direito de candidata gestante à remarcação de prova oral em concurso público da magistratura, determinando que a prova fosse realizada em outra data e de forma presencial, de maneira a garantir a isonomia entre os candidatos.
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