Vítima de acidente furta carro do socorrista

Vítima de acidente furta carro do socorrista

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

Um fato inusitado chamou a atenção nos noticiários: um motorista teve o carro furtado após parar na rodovia BR-153, em São José do Rio Preto/SP, para prestar socorro às vítimas de um capotamento. O autor do furto foi justamente o condutor do veículo capotado, que fugiu com o carro da vítima ao recobrar a consciência.

A vítima do furto passava pela rodovia quando avistou um carro capotado e decidiu parar para ajudar. Três pessoas estavam no interior do veículo acidentado, sendo duas passageiras e o condutor, que estava desacordado no momento.

Enquanto a vítima do furto prestava socorro, o motorista do carro capotado recobrou a consciência e, ainda desorientado, tentou entrar em outros veículos que estavam parados no local. Após o impedirem de acessar um deles, conseguiu entrar no carro do homem que havia parado para socorrer e fugiu do local.

O carro furtado foi posteriormente localizado e apreendido. Ainda não foi possível identificar o suspeito. O caso ficou registrado como furto.

A Polícia Civil segue investigando para localizar o autor do crime.

Análise jurídica

Furto

O motorista que se acidentou, capotando o carro, e depois levou do carro de quem lhe ajudou, cometeu o crime de furto, previsto no artigo 155, do Código Penal.

CP

Furto

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Seria possível defender, ainda, a aplicação da qualificadora de abuso de confiança, prevista no artigo 155, §4º, II, do Código Penal, o que aumentaria a margem da pena-base para reclusão, de 2 a 8 anos, e multa, já que a vítima tinha motivos suficientes para confiar que aquele a quem ele estava socorrendo, salvando sua vida, jamais furtaria seu carro.

CP

Furto

Art. 155 ...

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

Circunstâncias judiciais

Além do mais, importante analisar a incidência das circunstâncias judiciais do artigo 59, do código penal.

As circunstâncias judiciais, elencadas no artigo 59 do Código Penal, são os fatores que o juiz considera para individualizar a pena, visando a sua justa aplicação e a prevenção do crime, em obediência ao contido no artigo 5º, XLVI, da CF/88.

São critérios subjetivos e objetivos que permitem ao juiz ponderar sobre a culpabilidade do agente, seus antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima.

Assim, como bem apontado por Cezar Roberto Bitencourt:

"As circunstâncias que não constituem nem qualificam o crime são conhecidas na doutrina como circunstâncias judiciais, circunstâncias legais e causas de aumento e de diminuição da pena. Os elementos constantes no art. 59 do CP são denominados circunstâncias judiciais, porque a lei não os define e deixa a cargo do julgador a função de identificá-los no bojo dos autos e mensurá-los concretamente. Não são efetivas ‘circunstâncias do crime’, mas critérios limitadores da discricionariedade judicial, que indicam o procedimento a ser adotado na tarefa individualizadora da pena-base."

(BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 298)

As circunstâncias judiciais fornecem ao julgador os critérios necessários à fixação de uma ‘pena base’ entre os limites da sanção fixada abstratamente na lei penal.

O dispositivo expõe os fins da pena, determinando que seja ela estabelecida conforme seja necessário e suficiente não só para a reprovação como também para a prevenção do crime, sendo a culpa do agente a base fundamental para a individualização da sanção a ser aplicada.

A jurisprudência brasileira submete a legalidade da pena-base ao fundamentado exame de todo esse conjunto de parâmetros indicados no artigo 59. Exame, esse, revelador de um exercício racional de fundamentação judicial, sem jamais perder de vista as peculiaridades do caso concreto.

Tudo de modo a favorecer a necessária proporcionalidade entre a pena-base aplicada e as condições judiciais valoradas pelo julgador. Proporcionalidade que se estabelece entre a quantidade de vetores judiciais desfavoráveis ao agente (entre os oito definidos no art. 59 do CP) e a majoração da pena mínima definida no tipo penal.

Dosimetria da pena

Circunstâncias judiciais

Para fixação da pena privativa de liberdade, o sistema adotado pelo Código Penal é o método de HUNGRIA, ou sistema trifásico, conforme previsto no artigo 68, do Código Penal.

Então vamos entender um pouco melhor como funciona esse sistema.

Método de Hungria

DOSIMETRIA DA PENA

1ª FASE: é estabelecida a pena-base, atendendo às circunstâncias judiciais trazidas pelo art. 59, CP, que se classificam em:

(a) circunstâncias subjetivas: tratam da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta, da personalidade e dos motivos do crime.

(b) circunstâncias objetivas: são as circunstâncias do crime, suas consequências e o comportamento da vítima.

2ª FASE: fixada a pena-base, sobre ela incidirão eventuais circunstâncias legais, conhecidas como agravantes e atenuantes (arts. 61, 62, 65 e 66, do CP);

3ª FASE: por fim, encerrando o quantum da reprimenda, serão consideradas as causas especiais de diminuição e aumento de pena previstas tanto na parte geral como na especial do Código Penal.

Para a pena de multa, adota-se o sistema bifásico (art. 49 a 52, do CP), avaliando as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP), seguida das agravantes e atenuantes, encerrando com as causas de aumento e diminuição de pena. Fixa inicialmente o número de dias multa, e, após, calcula-se o valor de cada dia-multa.

Conclusão

No chocante caso do acidentado que furtou o carro de quem lhe socorreu, o juiz deve aplicar uma pena-base alta, haja vista que as circunstâncias judiciais, tais como personalidade do agente, motivos, circunstâncias e comportamento da vítima não são favoráveis ao criminoso, que demonstrou uma total falta de empatia com aquele que acabara de ajudar a salvar sua vida.

Ótimo tema para provas de direito penal e processo penal.


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