Caso Cíntia Chagas e a (in) eficácia das medidas protetivas de urgência

Caso Cíntia Chagas e a (in) eficácia das medidas protetivas de urgência

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje vamos tratar de um assunto que vem dando o que falar nas páginas de notícias e que, no aspecto jurídico, poderá ser importante para os estudos de vocês. É o caso da suposta violência doméstica vivenciada pela influenciadora Cíntia Chagas e o seu ex-marido, o deputado estadual Lucas Bove. Vamos lá?

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Segundo noticiado nas mídias e páginas de notícias, a influenciadora Cíntia Chagas denunciou seu ex-marido Lucas Bove por agressões físicas e psicológicas que ocorreram durante o breve casamento.

Entre as alegações, constam episódios de violência física, como o arremesso de uma faca em sua direção e uma garrafa d’água. Tais fatos, caso comprovados, evidentemente envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangidos pela denominada Lei Maria da Penha (Lei nº 11.343/06). Vale destacar que até mesmo as supostas violências psicológicas estão no espectro normativo da referida legislação.

Da suposta violência doméstica

A denominada Lei Maria da Penha, conforme já mencionado, protege a mulher de todas as formas de violência, reconhecendo que a violência pode ocorrer em várias formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (art. 7º).

Os fatos narrados pela influenciadora aparentemente envolvem a violência física e psicológica. Segundo consta, Lucas Bove teria praticado atos de controle emocional e agressões físicas. Dentre tais ataques, estão apertar os braços de Cíntia, arremessar objetos contra ela, além de ameaças verbais.

Diante da gravidade das acusações, a Justiça concedeu a Cíntia medidas protetivas de urgência, previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha, que impõem ao agressor o afastamento da vítima, proibição de qualquer tipo de contato e a ordem de manter uma distância mínima de 300 metros.

Do descumprimento das medidas protetivas e do pedido de prisão, pela vítima

A violação das medidas protetivas configura uma das situações que permitem a decretação da prisão preventiva do agressor.

Além disso, trata-se de fato típico, previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/06.

O descumprimento das ordens judiciais de proteção, como a aproximação ou o contato não autorizado, demonstra um comportamento de desrespeito às autoridades e coloca a vítima em situação de vulnerabilidade.

De sua vez, o Código de Processo Penal prevê expressamente a possibilidade de prisão preventiva em caso de descumprimento das medidas protetivas, conforme o art. 313, inciso III.

Pode-se decretar a prisão como forma de evitar a continuidade ou o agravamento da violência, proteger a vítima e garantir a ordem pública.

Nesse sentido, o pedido de prisão formulado por Cíntia Chagas é juridicamente cabível. Isso se deve ao fato de que, ao violar as medidas impostas, Lucas Bove teria demonstrado desprezo às determinações judiciais.

Note-se que, apesar de não constar expressamente que a vítima esteja habilitada como assistente de acusação em eventual ação penal em andamento (persecução tramita em segredo de justiça), é plenamente possível o seu pedido nos termos do art. 311 do Código de Processo Penal.

A decretação da prisão preventiva não exige a ocorrência de um novo crime, bastando o desrespeito às medidas protetivas.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento de que o simples descumprimento de uma medida judicial protetiva é suficiente para autorizar a prisão preventiva. Isso porque o agressor coloca em risco a integridade da vítima e desacata a autoridade judicial. Esse entendimento é reforçado pelo art. 20 da Lei Maria da Penha, que prevê a prisão preventiva como forma de coação para que o agressor cesse sua conduta violenta.

Prerrogativas de Função e Limites de Atuação

Lucas Bove é deputado estadual, o que traz à análise jurídica do caso uma particularidade: eventual competência privativa por prerrogativa de função e eventual imunidade parlamentar.

Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 53, garante aos deputados e senadores imunidade parlamentar, o que os protege contra processos penais por opiniões, palavras e votos no exercício da função.

No entanto, essa imunidade não se estende a crimes comuns como o de violência doméstica.

Além disso, o fato de Bove possuir foro privilegiado não o exime de cumprir as medidas protetivas ou ser responsabilizado por eventuais crimes cometidos fora de suas atividades parlamentares.

Vale dizer, inclusive, que no julgamento da AP 937, o Supremo Tribunal Federal decidiu, inclusive, que a prerrogativa de função somente se aplica a deputados quando os crimes forem praticados no exercício, ou em razão do cargo, o que poderá, inclusive, ensejar a competência para a justiça de primeiro grau.  

Da presunção de vulnerabilidade

É importante ressaltar, inclusive, que para a jurisprudência pátria a vulnerabilidade da mulher é presumida. Ou seja, mesmo a vítima sendo uma pessoa conhecida, renomada em sua área de atuação e de elevado poder aquisitivo, tais condições não a excluem do âmbito de proteção da Lei Maria da Penha.

Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

A orientação mais condizente com o espírito da Lei nº 11.340/2006 é no sentido de que a vulnerabilidade e a hipossuficiência da mulher são presumidas, sendo desnecessária a demonstração da motivação de gênero para que incida o sistema protetivo da Lei Maria da Penha e a competência da vara especializada. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 2.080.317-GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 4/3/2024 (Info 803).

A concessão das medidas protetivas tem sido uma importante ferramenta para proteger mulheres em situação de violência. A Lei Maria da Penha trouxe avanços significativos na proteção das vítimas, mas os índices de violência doméstica no Brasil continuam alarmantes, o que evidencia a necessidade de uma atuação mais eficaz por parte das autoridades.

Segundo estatísticas divulgadas recentemente, a cada 24 horas, ao menos 8 mulheres morrem de feminicídio no nosso país. Tais dados são alarmantes e devem ser sopesados por ocasião das escolhas políticas do nosso país.

O assunto é de extrema importância nas provas de carreiras jurídicas, tanto no aspecto crítico, quanto no aspecto normativo, conforme acima citado.

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