Explicação do caso
A cozinheira Susan de Sousa Sena foi vítima de injúria racial ao receber um e-mail do Magazine Luiza contendo a saudação “Olá, macaca”.
O episódio ocorreu após Susan atualizar seus dados no aplicativo da loja para concluir a compra de uma máquina de lavar. O cadastro, originalmente realizado em 2011, continha o termo ofensivo no campo “apelido”, supostamente inserido por terceiros.
Após o ocorrido, uma funcionária do setor de diversidade da empresa entrou em contato com Susan, pedindo desculpas pelo episódio e explicando que o cadastro havia sido alterado.
A empresa divulgou nota lamentando o ocorrido, detalhando medidas adotadas para prevenir situações semelhantes, como a exclusão do campo “apelido” nos cadastros e o bloqueio de termos ofensivos.
Aspectos jurídicos relevantes
Injúria racial: conceito e penalidade
Atualmente, o artigo 2º-A, da Lei 7.716/89 (com redação dada pela Lei 14.532/23) tipifica a injúria racial, configurando-se quando se utiliza uma ofensa com conteúdo discriminatório ou preconceituoso, dirigida à honra de alguém em razão de raça, cor, etnia, ou procedência nacional.
A pena prevista é de reclusão de 2 a 5 anos e multa, podendo ser agravada caso o crime tenha sido cometido mediante concurso de 2 ou mais pessoas. O artigo 20-A, da Lei 7.716/89, dispõe que pode haver aumento da pena de 1/3 até a metade, quando o crime tiver ocorrido em contexto ou com o intuito de descontração, diversão ou recreação.
Atenção: embora a pena mínima abstratamente cominada à infração penal seja inferior a 4 anos, não é cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal, conforme decisão proferida pelo STF no RHC 222.599.
Observação: À época dos fatos (2011), a conduta era tipificada no artigo 140, §3º, do CP, sendo a ela cominada uma pena de 1 a 3 anos de reclusão. Se as investigações concluírem que, de fato, a inclusão do apelido aconteceu nesta época, a conduta será regida pelo artigo 140, §3º, do CP, em virtude da irretroatividade da lei mais gravosa.
No caso de Susan, o uso do termo “macaca” constitui uma ofensa racista direta, com intuito de desqualificar sua identidade. A ofensa, mesmo que inserida por terceiros, reflete a persistência de práticas racistas que violam a dignidade humana, prevista no art. 1º, III, da Constituição Federal, e contradizem o princípio da igualdade do art. 5º, caput.
Responsabilidade Civil da Empresa
O Magazine Luiza, como controlador das informações de seus clientes, possui responsabilidade objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), por falhas na prestação do serviço que causem danos aos consumidores.
Mesmo que o cadastro tenha sido realizado por terceiros, a manutenção de um campo passível de abuso, como o “apelido”, configura omissão da empresa na proteção dos dados e na prevenção de discriminações.
Adicionalmente, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) reforça o dever de transparência e segurança no tratamento de dados pessoais, princípios que aparentemente foram negligenciados no episódio.
No caso em questão, a atuação da empresa ao excluir o campo “apelido” e implementar filtros contra termos ofensivos demonstra diligência pós-evento, mas não exime sua responsabilidade prévia pela falha no sistema que permitiu o uso de termos racistas.
Consequências
Consequências para a vítima
Susan sofreu violação de sua honra e dignidade, tendo seu direito fundamental à igualdade comprometido. A reparação nesse caso pode envolver uma indenização por danos morais, considerando o sofrimento emocional e a exposição decorrentes do episódio da injúria.
Implicações para a Empresa
A empresa pode enfrentar ação judicial buscando a reparação pelos danos morais sofridos pela vítima.
Implicações na esfera criminal
Na hipótese, inexiste responsabilidade penal da pessoa jurídica. Contudo a direção das investigações será no sentido de apurar quem foi o responsável pela inclusão do termo injurioso no cadastro da vítima.
Identificada a autoria delitiva, deverá haver apuração da responsabilidade criminal do infrator, observados os contornos acima mencionados.
Observação: como a conduta foi praticada antes da entrada em vigor da Lei 14.532/23 (que alterou a Lei 7.716/89), o fato será regido pelo artigo 140, §3º, do CP, que tipificava a aludida conduta, cominando a ela uma pena de 1 a 3 anos. Lembrando que a Lei 14.532 é novatio legis in pejus, não retroagindo para atingir fatos ocorridos antes de sua vigência.
Reflexões sobre a persistência do Racismo
O caso de Susan evidencia como o racismo estrutural está enraizado na sociedade, manifestando-se até em situações cotidianas, como a atualização de um cadastro. Episódios como este reforçam a necessidade de conscientização contínua sobre o impacto das palavras e a importância de sistemas que previnam discriminações.
Conclusão
Portanto, o episódio envolvendo Susan de Sousa Sena é mais um alerta sobre a importância de se combater o racismo em todas as esferas.
No aspecto jurídico, ele reforça a necessidade de responsabilização das empresas pela proteção de dados e pela promoção de um ambiente inclusivo. No plano social, destaca a urgência de políticas educacionais que enfrentem preconceitos e construam uma sociedade mais igualitária.
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