Casal disputa guarda de bebê reborn

Casal disputa guarda de bebê reborn

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

A febre pelos bebês reborn parece que não conhece limites. A advogada Suzana Ferreira afirmou ter sido procurada por uma mulher que pretendia disputar judicialmente a guarda da boneca, alegando ser sua mãe.

A advogada recusou a ação por considerar a ação de guarda de uma bebê reborn juridicamente impossível, e por isso a acusaram de “intolerância materna”.

“A intolerância materna refere-se à recusa em aceitar ou compreender as diferentes escolhas e realidades maternais, podendo levar ao preconceito contra a mãe, numa espécie de discriminação de gênero” .

“A mãe ficou bem nervosa e me acusou de 'intolerância materna' por eu não ter aceitado o caso em relação à guarda”.

O ex-companheiro da mulher também reivindicava a posse da boneca, alegando forte apego emocional.

A mãe da bebê reborn queria que houvesse a regulamentação da guarda, pois a boneca fazia parte da estrutura familiar que eles haviam formado.

Mas o interesse não era somente na bebê reborn. A conta da boneca no Instagram estava causando um engajamento relevante, gerando receita por meio de monetização e publicidade, e ambos os ex-companheiros desejavam manter o controle administrativo do perfil.

A mãe da boneca pretendia, em síntese:

  • A guarda compartilhada da boneca;
  • A divisão proporcional dos custos com a boneca e o enxoval;
  • O controle da rede social da bebê reborn.

Bebê reborn

Bebê reborn
Bebê reborn

Durante o processo de fabricação, camadas de tintas especiais são aplicadas para recriar a textura e o tom de pele, reproduzindo, inclusive, detalhes como veias, manchas e rugas. Isso torna o produto final extremamente parecido com um bebê de carne e osso.

O termo reborn vem do inglês e significa “renascido“. A origem do brinquedo remontaria à Segunda Guerra Mundial, entre 1939 a 1945, quando, naquele momento, era muito difícil encontrar brinquedos, levando parte da população a “repaginar” as bonecas para que as crianças pudessem brincar.

Com o passar do tempo, o encantamento com os bebês reborn chegou também aos adultos.

As pessoas que criam as bebês reborn são conhecidas como “Cegonhas”, e o processo é bem artesanal. Cada boneca pode custar entre R$ 1 mil e R$ 15 mil.

Polêmicas envolvendo bebês reborn

Além do pedido de compartilhamento da guarda da boneca, outras polêmicas estão envolvendo bebês reborn estão pipocando por todo lado.

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou um projeto que institui o “Dia da Cegonha Reborn“, a se comemorar em 4 de setembro. A proposta aguarda sanção do prefeito Eduardo Paes. No projeto de lei, vereadores destacam o papel simbólico e afetivo das bonecas.

Em Minas Gerais, uma adolescente levou seu bebê reborn a um hospital público e exibiu nas redes sociais o acesso ao atendimento preferencial, o que fez com que o deputado estadual Cristiano Caporezzo protocolasse um projeto de lei para proibir que os donos de bebês reborn levem as bonecas para receber atendimento em hospitais ou postos de saúde.

O deputado federal Dr. Zacharias Calil protocolou, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que visa multar em R$ 30 mil quem utilizar uma bebê reborn para conseguir benefícios assegurados a pessoas com crianças pequenas, como prioridade em fila, atendimento em hospitais ou assentos destinados a mães com criança de colo.

Ainda de acordo com a proposta, os valores arrecadados das multas devem ter como destino os Fundos Nacional, estaduais, distrital ou municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, para financiamento de ações voltadas à primeira infância.

Análise jurídica

Seara criminal

 Do ponto de vista do direito penal, um bebê reborn pode ser utilizado para:

  • Fraudes em pedidos de benefícios sociais, como Bolsa Família, auxílio-maternidade ou isenção de tarifas;
  • Simulações enganosas em redes sociais com finalidades de arrecadação de dinheiro sob pretexto de adoção, luto ou tratamento de “filhos” que não existem;
  • Confecção de documentos falsos, como supostas certidões de nascimento ou carteiras de vacinação, podendo configurar falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal).

Como bem explicou a advogada Suéllen Paulino, cada pessoa, com base na liberdade individual e na autonomia da vontade, é livre para lidar com suas emoções e afetos da maneira que entender mais adequada, inclusive com uso simbólico de objetos, como bonecas.

Entretanto, o uso dos bebês reborn não pode se transformar em um escudo para o cometimento de fraudes, desperdício de recursos públicos ou dissimulações capazes de comprometer a integridade do sistema legal e social.

E a legislação brasileira ainda não regula, de forma adequada, o uso desses objetos, o que demanda do legislador uma adaptação rápida e efetiva.

Seara cível

Do ponto de vista do direito civil, os direitos reais conferem poderes diretos sobre coisas, como a propriedade (art. 1.228, CC) e a posse (art. 1.196, CC), e o bebê reborn se enquadraria na categoria de bem móvel, integrando o patrimônio do casal, podendo, portanto, ser partilhado segundo o regime de bens:

  • Comunhão universal: todos os bens, incluindo o bebê reborn adquirido antes ou durante o casamento, são divididos igualmente (art. 1.668, CC).
  • Comunhão parcial: apenas o reborn comprado onerosamente na constância do casamento entram na partilha (art. 1.658, CC).
  • Separação total: cada cônjuge mantém os bens registrados em seu nome (art. 1.687, CC).

O fator dificultador na partilha do bebê reborn encontra-se no valor sentimental nele depositado. O ideal é que haja acordo entre as partes na partilha e na posse da boneca.

A Constituição Federal consagra, em seu artigo 1º, III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o que inclui o respeito às escolhas individuais, como o apego a um bebê reborn.

CF

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;         

V - o pluralismo político.

Para aqueles que enxergam os bebês reborn como algo maior que um simples brinquedo, negar esse direito equivaleria a violar a autonomia e a individualidade necessárias para a concretização da dignidade da pessoa humana.

Para estes, portanto, o ordenamento jurídico deve regular as relações envolvendo os bebês reborn encarando-os não como um mero objeto, mas como um símbolo que agrega afeto, sentimento e apego.

Ótimo tema para provas de direito civil e constitucional.


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