Cancelamento automático de precatórios e RPVs
Cancelamento automático de precatórios e RPVs

Cancelamento automático de precatórios e RPVs

Cancelamento automático de precatórios e RPVs
Cancelamento automático de precatórios e RPVs

Neste artigo falaremos sobre o Cancelamento automático de precatórios e RPVs, destacando o entendimento tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relativo ao tema.

Desse modo, teceremos algumas considerações iniciais sobre a base constitucional envolvendo os precatórios e as RPVs (requisições de pequeno valor) – artigo 100 da Constituição Federal. 

Na sequência, falaremos especificamente sobre a Lei n. 13.463/2017, que versou sobre o cancelamento automático de precatórios ou RPVs. Assim, destacaremos tanto o conteúdo da Lei quanto a análise de sua constitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrida ADI 5.755/DF.

Por fim, abordaremos o que entendeu o Superior Tribunal de Justiça sobre a (im)possibilidade de cancelamento de precatórios ou RPV federais, no período em que produziu efeitos jurídicos o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.

Vamos ao que interessa!

Como se sabe, o artigo 100 da Constituição Federal é responsável por disciplinar os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária.

Nesse sentido, o pagamento não ocorre como normalmente é feito entre litigantes privados.

Estando-se diante de dinheiro público a ser utilizado como pagamento de uma dívida judicial em que a Fazenda Pública foi parte vencida, é necessário que haja uma previsibilidade do que será gasto do orçamento público.

É por isso que o pagamento ocorre na ordem cronológica (ressalvadas as exceções dos §§ 1º e 2º do artigo 100) de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.  

Já no que diz respeito às requisições de pequeno valor (RPVs), estas possuem regime diferenciado, na medida em que a elas não se aplica as disposições acima, vide § 3º do artigo 100 da CF.

Tanto é assim que o § 3º do artigo 535 do Código de Processo Civil claramente diferencia uma hipótese da outra.

Após essas considerações iniciais, vejamos a Lei n. 13.463/2017.

Nas palavras do próprio Supremo Tribunal Federal, a Lei n. 13.463/2017 criou verdadeira inovação ao disciplinar o pagamento de montantes por precatórios e requisições de pequeno valor por meio da determinação de um limite temporal para o exercício do direito de levantamento do importe do crédito depositado

Isso porque, em seu artigo 2º, assim constou:

Art. 2º Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.   

§ 1º O cancelamento de que trata o caput deste artigo será operacionalizado mensalmente pela instituição financeira oficial depositária, mediante a transferência dos valores depositados para a Conta Única do Tesouro Nacional.        

§ 2º Do montante cancelado:

I – pelo menos 20% (vinte por cento) deverá ser aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino;

II – pelo menos 5% (cinco por cento) será aplicado no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM).

§ 3º Será dada ciência do cancelamento de que trata o caput deste artigo ao Presidente do Tribunal respectivo.

§ 4º O Presidente do Tribunal, após a ciência de que trata o § 3º deste artigo, comunicará o fato ao juízo da execução, que notificará o credor.

Art. 3º Cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.

Parágrafo único. O novo precatório ou a nova RPV conservará a ordem cronológica do requisitório anterior e a remuneração correspondente a todo o período.

Como era de se esperar, o STF foi chamado a se pronunciar sobre o assunto, haja vista a proposição da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.755/DF.

Vamos ver o que o STF decidiu sobre o tema!

Para o STF, a transferência automática, pela instituição financeira depositária, dos valores depositados para a Conta Única do Tesouro Nacional sem prévia ciência do interessado ou formalização de contraditório (art. 5º, LV, CF) afronta o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) no que atine ao respeito ao contraditório e à ampla defesa

Isso porque a Lei referida desloca a prévia ciência e o exercício do contraditório para momento posterior ao cancelamento automático, procedimento que viola a Constituição Federal. 

Portanto, entendeu-se que a mera possibilidade de o credor realizar novo requerimento, nos termos do artigo 3º da Lei, não desfigura a inconstitucionalidade material em razão da não observância do contraditório e da ampla defesa. 

Além disso, o STF também levou em conta que já havia precedentes no sentido da impossibilidade de edição de medidas legislativas condicionar e restringir o levantamento dos valores a título de precatórios.

Isso porque esse movimento legislativo, além de violar a separação dos Poderes, não observa a garantia da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF) mediante a satisfação do crédito a conferir eficácia às decisões judiciais:

A lei impugnada transfere do Judiciário para a instituição financeira a averiguação unilateral do pagamento e autoriza, indevidamente, o cancelamento automático do depósito e a remessa dos valores à Conta Única do Tesouro Nacional. Configurada uma verdadeira burla aos freios e contrapesos indispensáveis ao bom funcionamento dos Poderes.

Em conclusão, o STF entendeu que a mora/inércia do credor em relação ao levantamento dos valores depositados na instituição financeira deve ser apurada no bojo do processo de execução, sem necessidade de cancelamento automático das requisições em ausência de prévia ciência ao interessado. 

Outras diretrizes constitucionais tidas como violadas foram:

  • Os incisos XXXV e XXXVI do art. 5º da CF;
  • O princípio da paridade de armas ou da igualdade entre a Fazenda Pública e os credores;
  • O direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF);
  • O princípio da proporcionalidade, uma vez que a atuação legislativa não foi pautada pela proporcionalidade em sua faceta de vedação do excesso.

O julgamento da ADI 5.755/DF pelo STF ocorreu em 30/06/2022 e a ata da sessão de julgamento foi publicada em 06/07/2022. Após isso, foram opostos dois recursos de embargos de declaração, que foram julgados, respectivamente, em 29/05/2023 e em 15/08/2023.

O primeiro recurso de embargos de declaração (ADI 5755 ED) foi acolhido em parte para modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Assim, determinou-se que o entendimento acima somente produziria efeitos a partir da publicação da ata de julgamento meritório (06.7.2022).

Já os demais recursos de embargos (ADI 5755 ED-ED) ou não foram conhecidos ou foram desprovidos.

Apesar do julgamento da ADI 5.755/DF e dos embargos de declaração a ela relacionados, ainda assim remanesceu dúvidas para alguns litigantes quanto à validade do ato jurídico de cancelamento automático de precatórios ou RPVs.

Desse modo, o STJ afetou ao regime dos recursos repetitivos (arts. 1.036 a 1.041 do CPC) os Recursos Especiais 2.045.191/DF, 2.045.193/DF, e 2.045.491/DF.

A questão submetida a julgamento foi (Tema Repetitivo STJ nº 1.217):

Possibilidade de cancelamento de precatórios ou Requisições de Pequeno Valor (RPV) federais, no período em que produziu efeitos jurídicos o art. 2º da Lei 13.463/2017, apenas em razão do decurso do prazo legal de dois anos do depósito dos valores devidos, independentemente de qualquer consideração acerca da existência ou inexistência de verdadeira inércia a cargo do titular do crédito.

A justificativa principal para afetação do Tema foi a de que, embora o STF, na apreciação dos embargos de declaração, em 29/05/2023, tenha atribuído efeitos meramente prospectivos (ex nunc) à declaração de inconstitucionalidade da norma, “a partir da publicação da ata de julgamento meritório (06.7.2022)”, as relações jurídicas ocorridas entre a data da publicação da Lei Federal 13.463 (06/07/2017) e a data da publicação da ata de julgamento da ADI 5.755/DF (06/07/2022) permanecerão regidas pelo dispositivo legal em comento. 

Dessa forma, o STJ entendeu que a interpretação que o STJ viesse a conferir à norma contida no preceito haveria de disciplinar todos os atos processuais de cancelamento de RPVs e precatórios que tenham sido requeridos, decididos e executados no interregno em que o art. 2º da Lei 13.463/2017 produziu efeitos jurídicos.

Sem maiores delongas, vamos ver a Tese fixada pela Corte Cidadã no julgamento do Tema 1.217:

Portanto, o STJ entendeu pela validade do ato jurídico de cancelamento no período em que o artigo 2º da Lei n. 13.463/2017 produziu seus efeitos.

As principais razões para esse entendimento ter sido fixado foram as que vamos enumerar abaixo:

  1. A jurisprudência do STJ de longa data já era no sentido de que o titular de uma pretensão somente deve ser penalizado com a sua perda se e quando caracterizada a sua inércia no exercício daquela, não podendo ser prejudicado, portanto, por eventual extrapolação de prazo legal de exercício da pretensão para a qual não tenha ele, o titular, dado causa.
  1. O STJ ponderou que, via de regra, uma norma inconstitucional não deve ser aplicada. Todavia, se aplicável por circunstâncias excepcionais, deve ser aplicada da maneira menos abrangente possível, a partir de uma interpretação restritiva da norma que conduza a uma mínima perturbação da ordem constitucional;
  1. Nesse sentido, entendeu-se que seria mais adequada a conclusão segundo a qual o preceito (inconstitucional) do art. 2º, caput, da Lei 13.463/2017 deve produzir efeitos jurídicos os mais limitados possíveis, circunscritos aos casos concretos em que efetivamente caracterizada a inércia do titular do crédito pelo prazo previsto na lei (dois anos), a partir do que, então, poderá ser considerado válido o ato jurídico de cancelamento automático do precatório ou RPV expedido.
  1. Por fim, dentre outras considerações relevantes, o STJ lembrou que, para esses casos em que a Legislação analisada continua válida, deve ser observado que nada impede que nova ordem de pagamento seja expedida a requerimento do interessado, na forma do art. 3º da Lei 13.463/2017. No entanto, deve-se respeitar o prazo prescricional, conforme o Tema 1.141/STJ.

Portanto, pessoal, esse foi nosso breve resumo sobre o Cancelamento automático de precatórios e RPVs, destacando o entendimento tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relativo ao tema.

Vimos que o STJ fixou entendimento de que é válido o ato jurídico de cancelamento automático de precatórios ou requisições federais de pequeno valor realizados entre 06/07/2017 (data da publicação da Lei 13.463/2017) e 06/07/2022 (data da publicação da ata da sessão de julgamento da ADI 5.755/DF), nos termos do art. 2º, caput, e § 1º, da Lei n. 13.463/2017, desde que caracterizada a inércia do credor em proceder ao levantamento do depósito pelo prazo legalmente estabelecido (dois anos). 

No entanto, é ilegal esse mesmo ato se circunstâncias alheias à vontade do credor impediam, ao tempo do cancelamento, o levantamento do valor depositado.

Até a próxima!

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