Canabidiol domiciliar: quando planos de saúde podem negar cobertura sem configurar abuso

Canabidiol domiciliar: quando planos de saúde podem negar cobertura sem configurar abuso

De início, uma questão delicada vinha dividindo magistrados país afora: podem operadoras de planos de saúde negar cobertura de medicamentos à base de canabidiol prescritos para uso domiciliar?

Ora, isto porque, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente em julgamento unânime concluído no dia 17 de junho de 2025.

Veja, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, o colegiado estabeleceu que tal negativa não configura abusividade, mesmo quando se prescreve o fármaco para pacientes com transtorno do espectro autista.

A decisão, mantida em regime de segredo de justiça, esclarece interpretação controversa sobre limites da cobertura obrigatória em medicamentos canabinoides.

Vamos a tese divulgada no informativo 851 do STJ:

É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.

Fundamentação normativa da exclusão domiciliar

Nessa linha, a fundamentação da Corte Superior parte de análise sistemática da Lei 9.656/98, especificamente do art. 10, inciso VI, que exclui expressamente medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória.

Ora, conforme destacou a relatora, “é clara a intenção do legislador, desde a redação originária da Lei 9.656/1998, de excluir os medicamentos de uso domiciliar da cobertura obrigatória imposta às operadoras de planos de saúde”.

Assim, essa exclusão não representa lacuna legislativa, mas deliberação consciente do legislador que, posteriormente, criou exceções pontuais através de alterações específicas.

Canabidiol

Isto porque, a interpretação sistêmica ganha relevância quando confrontada com o parágrafo 13 do mesmo art. 10, que obriga cobertura de procedimentos não listados no rol da ANS quando preenchidos requisitos específicos.

Vale ressaltar que, a Terceira Turma rechaçou argumentação de que esse dispositivo prevaleceria sobre a exclusão expressa dos medicamentos domiciliares.

Como ponderou o acórdão, “admitir que há obrigação de cobertura de medicamentos de uso domiciliar quando preenchidos os requisitos do § 13 do art. 10 da Lei 9.656/1998 é, na prática, fazer daquela regra uma exceção”.

Nessa toada hermenêutica, o tribunal aplicou técnica interpretativa que reconhece complementaridade entre as normas.

Destarte, “essas duas normas, portanto, conforme entendimento doutrinário, devem ser interpretadas como partes de um só todo, destinadas a complementarem-se mutuamente”. Tal abordagem evita que a exceção do parágrafo 13 neutralize completamente a exclusão expressa do inciso VI.

Recusa abusiva para tratamento do TEA

Por outro lado, não confunda com essa decisão do STJ:

É abusiva a recusa de cobertura, por plano de saúde, de sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA), inclusive quando se trata de práticas como musicoterapia, equoterapia e hidroterapia, desde que recomendadas por profissional habilitado.

A musicoterapia, por integrar a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, é de cobertura obrigatória quando indicada no tratamento multidisciplinar por profissional especializado.

A equoterapia, reconhecida pela Lei 13.830/2019 como método de reabilitação voltado ao desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência, é de cobertura obrigatória quando indicada por equipe multidisciplinar e aprovada em avaliações médicas e psicológicas.

A hidroterapia também integra o tratamento multidisciplinar do atraso global do desenvolvimento e deve ser coberta pelo plano de saúde.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.161.153-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/2/2025 (Informativo 845).

Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde – ANS, a Segunda Seção do STJ concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o Tratamento de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Vale ressaltar, ainda, que, em 24/06/2022, publicou-se a Resolução Normativa 539/2022 da ANS, que tornou obrigatória a cobertura, pelas operadoras de planos de saúde de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e outros transtornos globais do desenvolvimento, mediante atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente (art. 6º, § 4º, da Resolução Normativa 465/2021).

Contexto jurisprudencial e precedentes conflitantes

Ora, vale ressaltar que a questão dos medicamentos canabinoides vinha gerando oscilação jurisprudencial dentro do próprio STJ.

Decisões anteriores da Terceira Turma haviam determinado cobertura obrigatória em casos específicos, conforme registrado nos AgInt no REsp 2.107.501/SP e AgInt nos EDcl no REsp 2.107.741/SP, julgados respectivamente em outubro e agosto de 2024. Semelhante orientação prevaleceu nos REsp 2.128.977/SP e 2.130.379/SP, demonstrando que a questão não estava pacificada.

Contudo, a presente decisão representa guinada interpretativa significativa ao privilegiar análise formal sobre considerações materiais da terapêutica.

O precedente do REsp 2.071.955/RS, julgado em março de 2024, já sinalizava essa mudança de entendimento ao concluir que “a regra que impõe a obrigação de cobertura de tratamento ou procedimento não listado no rol da ANS (§ 13) não alcança as exceções previstas nos incisos do caput do art. 10 da Lei 9.656/1998”.

Na verdade, a distinção crucial estabelecida pela jurisprudência reside na forma de administração do medicamento.

Enquanto decisões anteriores focavam na natureza específica do canabidiol e sua necessidade terapêutica, o entendimento atual prioriza classificação técnica baseada no local de administração.

Essa mudança metodológica representa evolução dogmática importante na interpretação dos contratos de plano de saúde…

Aspectos procedimentais e critérios distintivos

Nessa linha, o julgamento estabeleceu critérios objetivos para distinguir situações onde cobertura permanece obrigatória daquelas onde legitimamente é possível negá-la.

Primeiramente, a cobertura será exigível quando medicamento domiciliar for “administrado durante a internação domiciliar substitutiva da hospitalar, nos termos do que estabelece o art. 12, II, d, da Lei 9.656/1998, e o art. 13 da Resolução ANS 465/2021”.

Outrossim, mantém-se obrigação de cobertura quando o medicamento, “ainda que administrado em ambiente externo ao de unidade de saúde, como em domicílio, será obrigatória a sua cobertura se exigir a intervenção ou supervisão direta de profissional de saúde habilitado”.

Assim, essa distinção, já estabelecida no REsp 1.927.566/RS, reconhece que determinados medicamentos domiciliares demandam acompanhamento técnico especializado.

A Terceira Turma rejeitou expressamente argumentação de que “os medicamentos à base de canabidiol, embora sejam de uso domiciliar, não devem ser equiparados àqueles adquiridos diretamente pelos consumidores em farmácias comuns”.

Para o tribunal, “o que caracteriza o medicamento como de uso domiciliar é a sua forma de administração – em ambiente externo ao de unidade de saúde”, independentemente da complexidade farmacológica ou especificidade terapêutica.

Logo, a decisão produz efeitos imediatos para milhares de pacientes que dependem de medicamentos à base de canabidiol, especialmente portadores de transtorno do espectro autista e epilepsia refratária.

Isto porque, famílias que vinham obtendo cobertura judicial para medicamentos como pasta de canabidiol deverão buscar alternativas, seja através do Sistema Único de Saúde seja mediante custeio particular.

Assim, a decisivo da Terceira Turma estabelece interpretação restritiva mas tecnicamente consistente da legislação vigente, privilegiando literalidade normativa sobre considerações de política sanitária.

Vamos aguardar o que vem por aí.

Como o tema já foi cobrado em provas sobre plano de saúde

Prova: VUNESP - 2019 - Prefeitura de Birigui - SP – Advogado

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. (Certo)

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também