* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça, através de sua 2ª Turma, decidiu que o decreto que declara o interesse estatal na desapropriação de imóveis destinados à unidade de conservação ambiental não está sujeito à perda de sua eficácia jurídica em razão da simples passagem do tempo – instituto conhecido como caducidade.

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceram que o desatendimento do prazo para efetivação do procedimento administrativo expropriatório gera perda de eficácia do ato e deve-se aplicá-lo às desapropriações decorrentes da criação de unidades de conservação de domínio público (no caso, era uma reserva extrativista).
Houve recurso para o Superior Tribunal de Justiça. A Corte afastou o entendimento das instâncias ordinárias, entendendo que o instituto da caducidade não se aplica para unidades de conservação ambiental de domínio público.
Especialidade e superveniência
Para o STJ, é a lei que cria a unidade de conservação, e só ela pode declarar a sua extinção ou a limitação da área protegida, devendo prevalecer, nessas situações, a legislação ambiental específica, e não as normas administrativas gerais sobre a desapropriação (Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 4.132/1962).
A caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação (Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 4.132/1962) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei n. 9.985/2000).
A especialidade e superveniência da Lei 9.985/2000 afasta as normas gerais de desapropriação por interesse social e utilidade pública no que são com ela incompatíveis, prevalecendo a autonomia do ramo do Direito Ambiental sobre as normas gerais do Direito Administrativo em sentido estrito.
A lei do SNUC (Lei n. 9.985/2000) é taxativa ao impor o domínio público, com consequente afetação ao erário, dos imóveis alcançados por unidades de conservação desse gênero:
- Estação ecológica (art. 9º, § 1º);
- Reserva biológica (art. 10, § 1º);
- Parque nacional (art. 11, § 1º);
- Floresta nacional (art. 17, § 1º);
- Reserva extrativista (art. 18, § 1º);
- Reserva da fauna (art. 19, § 1º); e
- Reserva de desenvolvimento sustentável (art. 20, § 2º).
Interesse estatal
Tanto as restrições ambientais quanto o interesse expropriatório do Estado sobre os imóveis afetados pelas unidades de conservação de domínio público decorrem da própria lei que regula essas unidades.
O interesse do estado na desapropriação dos imóveis privados afetados por unidades de conservação de domínio público decorre diretamente da criação dessas unidades, e perdura enquanto elas existirem.
O interesse expropriatório de caráter ambiental não se confunde integralmente com o interesse social ou a utilidade pública. Ele é regido pelas suas normas específicas, quando incompatíveis com as leis que regem as desapropriações administrativas em geral.
Podemos concluir, portanto, que não se pode reverter a criação de unidade de conservação pelo simples decurso do prazo para ajuizamento das ações de desapropriação dos imóveis particulares afetados.
Somente lei, em sentido estrito, pode desafetar ou reduzir a área de unidade de conservação, conforme art. 225, §1º, III, CF c/c artigo 22, §7º, Lei 9.985/2000.
Deve-se enxergar a desapropriação não como requisito para a criação de uma unidade de conservação de domínio público, mas sim como uma consequência necessária.
O desatendimento do prazo para efetivação do procedimento administrativo expropriatório enseja eventual ação indenizatória do particular por desapropriação indireta ou limitação administrativa, observados os respectivos prazos prescricionais, mas jamais a reversão automática das restrições ambientais ou do domínio público resultantes diretamente, por força de lei, da criação da unidade de conservação.
Declarado o interesse ambiental do Estado na área, pelo ato de criação da unidade de conservação, não é o decurso de tempo da omissão estatal no cumprimento de seus deveres associados a esse ato que lhe retira suas características especiais de tutela do meio ambiente ou mitiga sua existência.
Unidades de conservação
O Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza – SNUC é o conjunto de diretrizes e procedimentos que permite à Administração Pública federal, estadual e municipal, além da iniciativa privada, a criação, implantação e gestão de espaços protegidos denominados Unidades de Conservação – UC, com vista a uma proteção ambiental mais eficiente.
O SNUC objetiva criar uma rede integrada de Unidades de Conservação. Nela, leva-se em conta as peculiaridades de cada espaço, de forma a garantir a diversidade biológica, a pesquisa científica, o desenvolvimento sustentável e a proteção das populações tradicionais.
A Lei do SNUC (Lei nº 9.985/2000) conceitua a unidade de conservação como sendo o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
Ademais, a Lei que instituiu o SNUC traz 5 características básicas que devem estar presentes em qualquer Unidade de conservação:
1ª) Relevância Ecológica: sua importância na manutenção do equilíbrio ecológico;
2ª) Oficialidade: a criação, alteração ou extinção de uma UC se dará sempre por meio de atos oficiais, que também servirão para instituir o regime jurídico aplicável;
3ª) Delimitação territorial: os limites territoriais de todas as UC deverão estar devidamente delimitados, possibilitando assim o acompanhamento das metas e dos objetivos propostos naquele espaço.
4º) Escopo de proteger o meio ambiente: todas as Unidades de Conservação possuem como objetivo principal a garantia do ecossistema equilibrado (com exceção das UCs denominadas Monumento Natural que venham a ser criadas pela sua beleza cênica, pois aqui o objetivo principal é de natureza antropológica).
5ª) Regime jurídico especial e afetação: todas as UCs estão sob a influência de um regime jurídico especial de proteção, em que haverá restrições específicas, a depender de cada tipo de unidade. Além do mais, referidos espaços, a partir de sua constituição como Unidade de Conservação, estarão afetadas ao interesse público em decorrência da proteção ambiental.
Conforme o art. 22 da Lei do SNUC, a criação das unidades de conservação se dá por ato do Poder Público (lei, decreto, medida provisória). Estudos técnicos e de consulta pública devem preceder essa criação para que se permita identificar sua localização, dimensões e limites mais adequados (para a Estação Ecológica e para a Reserva Biológica dispensa-se a consulta pública, pois há uma presunção legal de interesse público).
A ampliação da unidade de conservação pode ser feita por instrumento normativo de mesmo nível hierárquico do que criou a unidade. Contudo, a desafetação (extinção) ou redução de unidade de conservação só pode ser feito por meio de lei. A ideia é dificultar ao máximo a diminuição da proteção ambiental garantida pelas unidades de conservação.
Conclusão
Em resumo, podemos indicar como entendimento do Superior Tribunal de Justiça o que segue:
a) No âmbito das unidades de conservação de domínio público, o próprio ato de criação da unidade corresponde à fase declaratória da etapa administrativa da ação de desapropriação, que afirma o interesse estatal nas áreas privadas afetadas;
b) Esse interesse é de caráter ambiental, distinto das declarações de utilidade pública ou de interesse social;
c) O interesse público ambiental na área objeto de unidade de conservação de domínio público dura enquanto a própria unidade de conservação não for extinta, por lei em sentido estrito, não estando sujeito à caducidade pela simples passagem de tempo.
Ótimo tema para provas de direito administrativo e direito ambiental.
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