Fique por dentro da recente decisão do STF no RE 1.468.558 e a visão do STJ, que validou as buscas pessoais e domiciliares pelas guardas municipais.
As Guardas Municipais têm previsão constitucional e são regulamentadas pela Lei nº 13.022/2014, também conhecida como o Estatuto Geral das Guardas Municipais, que estabelece suas competências e limites de atuação. Elas são mencionadas no artigo 144, §8º da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a segurança pública no Brasil.
De acordo com a Constituição, as Guardas Municipais são responsáveis por proteger os bens, serviços e instalações dos municípios. Embora não façam parte diretamente das forças policiais estaduais ou federais, elas têm atribuições de colaboração com a segurança pública, sendo consideradas órgãos de segurança pública municipal.
Entretanto, a definição precisa das atribuições das Guardas Municipais no âmbito da segurança pública tem suscitado debates intensos e controversos.
Recentemente, uma decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 1.468.558 reacendeu essa discussão ao validar buscas pessoais e domiciliares realizadas por guardas municipais, desde que devidamente justificadas.
Por outro lado, esta decisão, no entanto, parece colidir frontalmente com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, gerando uma aparente antinomia jurisprudencial que merece uma análise minuciosa e criteriosa.
Em síntese, a questão central deste debate reside na interpretação do artigo 144, § 8º, da Constituição Federal, que estabelece que:
A controvérsia gira em torno da extensão dessa proteção e se ela abrange ou não atividades típicas de policiamento ostensivo e investigativo.
Caso concreto e a decisão do STF
O caso que originou a decisão do STF envolveu uma situação ocorrida em Embu-Guaçu, São Paulo.
Guardas municipais realizavam patrulhamento de rotina quando avistaram um indivíduo que, ao perceber a presença dos agentes, demonstrou nervosismo e dispensou uma sacola contendo drogas fracionadas.
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva pela vara de Embu-Guaçu/SP. A defesa apresentou Habeas Corpus no TJ/SP, alegando ilegalidade na abordagem da Guarda Municipal, mas não obteve sucesso.
No entanto, a 5ª Turma do STJ acolheu recurso e determinou o trancamento do processo por suposto “desvio de função dos Guardas Municipais”.
O Ministério Público de São Paulo recorreu ao STF.
(buscas guardas municipais)
E o que decidiu o STF? (buscas guardas municipais)
De início, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, argumentou que a conduta da Guarda Municipal não envolveu diligência ostensiva ou investigativa, mas sim um caso de flagrante delito e sequência de flagrante permanente, sendo, portanto, válida.
Ademais, ele ressaltou que, em 2023, o STF, ao julgar a ADPF 995, já havia incluído as guardas municipais entre os órgãos de segurança pública, o que, em sua visão, corroborava a legitimidade da atuação nesse caso específico.
O STF, no julgamento da ADPF 995, decidiu que:
STF. Plenário. ADPF 995/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 29/08/2023.
Em outro trecho, Moraes enfatizou que o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado em 2018, incorporou as guardas civis metropolitanas ou municipais ao sistema de segurança.
Ele destacou o expressivo contingente de aproximadamente 550 mil homens nas guardas civis em todo o Brasil, argumentando que esse efetivo não pode ser desprezado para fins de segurança, especialmente considerando a atual situação de insegurança pública.
Além disso, o ministro também fez uma distinção crucial entre a atuação da Guarda Municipal neste caso e as atividades de investigação.
Nessa linha, esta decisão da 1ª Turma do STF, seguindo o voto do relator, foi acompanhada pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino, formando maioria.
Apenas o ministro Cristiano Zanin apresentou voto divergente, entendendo pela ilegalidade da conduta da guarda ao realizar busca pessoal e residencial.
- Em contraponto, Zanin considera que as guardas não têm atribuição para realizar buscas, sejam pessoais ou domiciliares. E destacou que, no caso analisado, em um primeiro momento, a guarda municipal teria apenas presenciado a dispensa da sacola contendo drogas. “Não há descrição de quantidade, nem a droga que teria sido dispensada.”
- A partir dessa situação, a guarda promoveu uma diligência que, na visão do ministro, é ilegítima, indo à casa da pessoa, onde encontra grande quantidade de drogas e objetos que indicam traficância. Devia, por sua vez, ter convocado a polícia para tal.
Entendimento do STJ – (buscas guardas municipais)
Em contraposição à decisão do STF, o Superior Tribunal de Justiça tem mantido um entendimento mais restritivo quanto às atribuições das Guardas Municipais.
Em decisão recente (HC 830.530-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/9/2023), a 3ª Seção do STJ reafirmou que, embora as guardas municipais exerçam atividade de segurança pública e integrem o Sistema Único de Segurança Pública, isso não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias:
O fato de as guardas municipais não haverem sido incluídas nos incisos do art. 144, caput, da CF não afasta a constatação de que elas exercem atividade de segurança pública e integram o Sistema Único de Segurança Pública. Isso, todavia, não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias.
STJ. 3ª Seção.HC 830.530-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/9/2023 (Info 791).
Isto é, o STJ tem consistentemente decidido que a função das guardas municipais, conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, é restrita à proteção de bens, serviços e instalações municipais, não lhes sendo permitido realizar atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil.
Em outro caso recente (AgRg no HC 833.985-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2024), a 6ª Turma do STJ reiterou esse entendimento, reconhecendo a ilicitude de provas obtidas por guardas municipais em atividades ostensivas de repressão à criminalidade urbana:
O STJ argumenta que, mesmo após a decisão do STF na ADPF 995, que reconheceu as guardas municipais como parte do Sistema Único de Segurança Pública, isso não implica na ampliação de suas atribuições para além do que está expressamente previsto na Constituição.
Além disso, o STJ expressa preocupação com a possível usurpação de funções das polícias civil e militar, que têm atribuições constitucionais específicas no âmbito da segurança pública.
Isto porque, o STJ argumenta que permitir que as guardas municipais realizem atividades típicas de polícia poderia levar a um cenário de insegurança jurídica e potencial abuso de poder, uma vez que as guardas municipais não estão sujeitas ao mesmo nível de controle externo que as polícias estaduais.
(buscas guardas municipais)
As guardas municipais podem realizar a fiscalização de trânsito?
SIM. As guardas municipais, desde que autorizadas por lei municipal, têm competência para fiscalizar o trânsito, lavrar auto de infração de trânsito e impor multas. O STF definiu a tese de que é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício do poder de polícia de trânsito, inclusive para a imposição de sanções administrativas legalmente previstas (ex: multas de trânsito).
STF. Plenário. RE 658570/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 6/8/2015 (Info 793).
Síntese da divergência entre STF e STJ
Aspecto | Entendimento do STF | Entendimento do STJ |
Atribuições das Guardas Municipais | Podem realizar buscas pessoais e domiciliares em casos de flagrante delito | Restritas à proteção de bens, serviços e instalações municipais |
Interpretação do art. 144, § 8º, CF | Interpretação expansiva, considerando a inclusão no SUSP | Interpretação restritiva, limitada ao texto constitucional |
Atuação em flagrante delito | Permitida, inclusive com buscas pessoais | Limitada, devendo acionar as polícias competentes |
Impacto da ADPF 995 | Amplia as atribuições das Guardas Municipais | Reconhece a inclusão no SUSP, mas não amplia atribuições |
Patrulhamento ostensivo | Pode ser realizado, desde que justificado | Não é atribuição das Guardas Municipais |
Controle externo | Não foi abordado diretamente na decisão | Preocupação com a falta de controle externo similar ao das polícias |
Risco de usurpação de funções policiais | Não considerado como impedimento, mas sim complemento | Considerado como risco significativo |
Logo, a decisão do STF, ao validar buscas realizadas por guardas municipais em situações de flagrante delito, parece abrir caminho para uma atuação mais ampla dessas corporações na segurança pública local.
Nessa linha, isso poderia resultar em um policiamento mais ostensivo por parte das Guardas Municipais, potencialmente aumentando sua eficácia no combate à criminalidade urbana.
Por outro lado, a posição mais conservadora do STJ, que limita a atuação das Guardas Municipais à proteção do patrimônio municipal e à segurança em instalações públicas do município, busca manter uma separação clara entre as atribuições das diferentes forças de segurança como os Delegados de Polícia, evitando a sobreposição de funções e possíveis conflitos de competência.
Como o tema já caiu em concursos:
Prova: MPE-GO – 2016 – MPE-GO – Promotor de Justiça Substituto
No que se refere às funções constitucionalmente conferidas às guardas municipais, indique a assertiva que encontra arrimo na jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal:
Alternativas
A)Configura flagrante inconstitucionalidade a previsão, em lei infraconstitucional, de atribuição da guarda municipal para exercer a fiscalização e o controle do trânsito, em qualquer hipótese. A guarda municipal, segundo expressa disposição constitucional, volta-se para a proteção de bens, serviços e equipamentos municipais, não podendo, em razão disso, ter suas atribuições alargadas para questões de trânsito, por absoluta falta de previsão na Constituição Federal.
B)É constitucional a lei local que confira às guardas municipais o exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive com a imposição de sanções administrativas legalmente previstas, observada, sempre, a esfera de atuação do Município, delimitada pelo Código de Trânsito Brasileiro.
C)Pode a lei local atribuir às aguardas municipais funções de fiscalização do trânsito. O Supremo Tribunal Federal assentou que fiscalizar trânsito constitui atividade nitidamente voltada para a segurança pública, e a sua realização somente poderia ser concretizada pela guarda municipal desde que observada a finalidade constitucional da instituição de proteger bens, serviços e equipamentos municipais.
D)Por se tratar de matéria de competência legislativa da União, não poderá a lei local conferir às guardas municipais funções de fiscalização do trânsito, ainda que essa atribuição esteja restrita à proteção de bens, serviços e equipamentos municipais.
Gabarito: B
(buscas guardas municipais)
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