Entenda o caso Bruno Henrique sob a ótica da nova legislação penal esportiva e como ele pode ser cobrado em concursos públicos após o precedente do STJ.
Professor Gustavo Cordeiro
O atacante do Flamengo Bruno Henrique tornou-se réu em um dos casos mais emblemáticos de manipulação esportiva no Brasil. Denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por fraude em competição esportiva e estelionato, o jogador pode pegar mais de 15 anos de prisão caso seja condenado por todos os crimes imputados. Este caso representa um marco na aplicação da legislação penal esportiva brasileira e certamente será objeto de questões em concursos públicos.

Contextualização do caso – Manipulação de resultados esportivos
A história começa em 1º de novembro de 2023, durante a partida entre Flamengo e Santos. Naquele dia, Bruno Henrique não estava apenas jogando futebol – estava executando um plano previamente combinado para beneficiar um grupo de apostadores. Segundo a denúncia, o atacante deliberadamente provocou sua expulsão mediante o recebimento de cartão amarelo seguido de vermelho, conduta que havia sido previamente comunicada ao seu irmão, Wander Nunes Pinto Júnior.
O esquema revelado pelas investigações da Polícia Federal demonstra uma engrenagem criminosa bem estruturada.

Bruno Henrique comunicou ao irmão sua intenção de receber cartão amarelo na partida. Wander, por sua vez, repassou a informação privilegiada para familiares e conhecidos, formando um verdadeiro núcleo de apostadores. O grupo então realizou apostas específicas no recebimento de cartão amarelo pelo atleta nas principais casas de apostas do país.
Durante a partida, Bruno Henrique cumpriu exatamente o que havia prometido: forçou uma situação para receber o cartão amarelo e, posteriormente, foi expulso após ofender o árbitro. O que poderia parecer um lance normal do jogo era, na verdade, o ápice de um esquema de manipulação esportiva cuidadosamente planejado.
As evidências coletadas pelos investigadores são impressionantes e revelam a dimensão do esquema.
- Na Betano, 98% das apostas no mercado de cartões foram direcionadas especificamente para Bruno Henrique receber punição.
- Na GaleraBet, o percentual foi de 95%, enquanto a KTO confirmou um direcionamento anômalo das apostas para o mesmo evento.
Além disso, a investigação identificou que as contas utilizadas para as apostas eram predominantemente recém-criadas ou apresentavam padrão de apostas completamente diferente do histórico dos usuários – um claro indício de que se tratava de operação coordenada.
A nova lei e a tipificação penal
Bruno Henrique foi denunciado por dois tipos de crime distintos, mas relacionados.
O primeiro e mais importante é a fraude em competição esportiva, tipificada no artigo 200 da Lei 14.597/2023, que estabelece pena de 2 a 6 anos de reclusão para quem “fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”.
Esta legislação é relativamente nova e representa a resposta do Poder Legislativo ao crescimento exponencial do mercado de apostas esportivas no Brasil. O bem jurídico protegido não é apenas a regularidade das competições, mas também a confiança pública depositada na autenticidade dos resultados esportivos e a integridade do mercado de apostas.
O segundo crime imputado é o estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal. Neste caso, as vítimas são as próprias casas de apostas (Betano, GaleraBet, KTO), que pagaram valores com base em um resultado fraudado. O meio fraudulento consistiu no uso de informação privilegiada sobre evento esportivo manipulado, caracterizando o prejuízo às empresas que operam no mercado regulamentado de apostas.
A denúncia aponta ainda que Bruno Henrique agiu em coautoria com seu irmão e em concurso material com os demais apostadores. Isso significa que, juridicamente, todos os envolvidos respondem pelo conjunto dos crimes praticados, não apenas por suas condutas individuais.
O julgamento do STJ no caso Igor Cárius
Para compreender completamente a gravidade da situação de Bruno Henrique, é fundamental conhecer o precedente estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça no caso do jogador Igor Cárius (HC 861121). Este julgamento consolidou um entendimento que ampliou significativamente o alcance da legislação penal esportiva.
O STJ decidiu que “fraudar o resultado de competição esportiva” não se restringe exclusivamente ao placar final da partida. O Ministro Sebastião Reis Junior, relator do caso, esclareceu que cartões amarelos e vermelhos podem influenciar critérios de desempate na classificação final, definição de campeões, rebaixamento de equipes e qualificação para competições internacionais.
Este entendimento foi revolucionário porque incluiu no tipo penal condutas que antes poderiam ser consideradas atípicas. O ministro exemplificou:
“Admitir que apenas a conduta que altera o placar de uma partida é tipificada implicaria deixar fora da norma penal incriminadora, por exemplo, a promessa de vantagem para cometimento de pênalti não convertido em gol”.
Com base nesse precedente, qualquer evento dentro da competição esportiva que possa influenciar resultados ou classificações pode ser objeto de manipulação criminosa.
No caso de Bruno Henrique, mesmo que o cartão amarelo não tenha alterado o placar da partida Flamengo x Santos, a conduta se enquadra perfeitamente no tipo penal.
O impacto no Direito Penal brasileiro
O caso Bruno Henrique insere-se no contexto mais amplo do Direito Penal Econômico, especificamente na tutela de mercados regulados. As casas de apostas operam sob rigorosa regulamentação da Lei 14.790/2023, e a manipulação de resultados compromete não apenas a integridade do mercado, mas também a confiança dos consumidores no sistema e a própria arrecadação tributária sobre as operações.
Este tipo de crime exige uma abordagem investigativa sofisticada, que envolve perícias em sistemas digitais para rastreamento de apostas em plataformas online, análise de padrões de comportamento de usuários, correlação temporal entre comunicações e apostas, e identificação de vínculos entre apostadores.
A prova técnica torna-se fundamental, uma vez que os elementos probatórios tradicionais (testemunhas, documentos físicos) são insuficientes para demonstrar a complexidade destes esquemas.
O aspecto mais preocupante revelado pelas investigações é a facilidade com que informações privilegiadas circulam no meio esportivo e são monetizadas através do mercado de apostas. O caso demonstra que atletas profissionais, pessoas com acesso direto aos eventos que determinam os resultados das apostas, podem facilmente manipular o sistema em benefício próprio ou de terceiros.
Reflexões sobre integridade esportiva
Além dos aspectos estritamente legais, o caso suscita reflexões importantes sobre a responsabilidade social dos atletas profissionais. Jogadores como Bruno Henrique exercem função social relevante, especialmente considerando sua influência sobre jovens torcedores, representatividade pública e responsabilidade com a integridade do esporte.
A criminalização dessas condutas busca não apenas punir os responsáveis, mas principalmente estabelecer um efeito dissuasório que proteja a credibilidade das competições esportivas. Casos de manipulação comprometem a confiança do público no esporte, reduzem o valor comercial das competições e prejudicam o desenvolvimento saudável do mercado de apostas legal.
A experiência internacional demonstra que outros países tratam condutas similares com extremo rigor. Na Inglaterra, a Football Association possui um tribunal específico para julgar manipulações. Na França, o Código do Esporte prevê sanções penais e administrativas severas. Nos Estados Unidos, a legislação federal criminaliza especificamente essas condutas através do Sports Bribery Act.
Como isso pode ser cobrado em concursos?
O tema da manipulação de resultados esportivos tem grande potencial para aparecer em concursos públicos, especialmente após o precedente consolidado pelo STJ. A questão que segue exemplifica como o assunto pode ser abordado:
João da Silva, jogador profissional de futebol, combina previamente com apostadores o recebimento de cartão amarelo durante partida oficial do Campeonato Brasileiro. Durante o jogo, João deliberadamente comete falta para receber a punição conforme combinado, permitindo que os apostadores ganhem dinheiro com apostas específicas neste evento. O cartão amarelo recebido por João não alterou o placar da partida nem influenciou diretamente seu resultado final. Com base no entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça e na legislação penal em vigor, a conduta de João configura:
a) Contravenção penal, uma vez que não houve alteração do resultado da partida.
b) Crime de fraude em competição esportiva, pois cartões podem influenciar critérios de desempate e classificações, mesmo sem alterar o placar.
c) Conduta atípica, tendo em vista que somente a alteração do placar final caracteriza manipulação de resultado esportivo.
d) Infração meramente disciplinar esportiva, sem relevância penal.
e) Crime de estelionato exclusivamente, não se aplicando a legislação específica sobre crimes esportivos.
Gabarito: Letra B
.
Fundamentação:
A resposta correta é a alternativa B, com base no precedente estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Habeas Corpus nº 861121 (caso Igor Cárius). O Ministro Sebastião Reis Junior, relator do caso, firmou entendimento de que a expressão “fraudar o resultado de competição esportiva” não se limita exclusivamente ao placar final da partida.
Segundo o STJ, cartões amarelos e vermelhos podem influenciar diversos aspectos da competição, como critérios de desempate na classificação final, definição de campeões, rebaixamento de equipes e qualificação para competições internacionais como a Copa Libertadores. O tribunal reconheceu que admitir apenas condutas que alteram o placar deixaria de fora da proteção penal outras manipulações relevantes, como “a promessa de vantagem para cometimento de pênalti não convertido em gol”.
Dessa forma, a conduta de João configura crime previsto no artigo 200 da Lei 14.597/2023, que estabelece pena de 2 a 6 anos de reclusão para quem “fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”. O precedente do STJ ampliou significativamente o alcance desta norma, incluindo qualquer evento dentro da competição que possa influenciar resultados ou classificações
Conclusão – Manipulação de resultados esportivos
O caso Bruno Henrique segue exatamente esta linha jurisprudencial, confirmando que a manipulação de eventos específicos dentro da partida (como cartões) constitui crime de fraude esportiva, independentemente de afetar ou não o placar final do jogo.
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