Ex-ministro Barroso antecipa seu voto sobre o aborto: qual é a sua opinião?

Ex-ministro Barroso antecipa seu voto sobre o aborto: qual é a sua opinião?

* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.

Direito a vida

A doutrina propõe um duplo sentido do direito a vida, abrangendo não somente o direito de viver (não morrer), bem como o direito de viver dignamente (notadamente garantindo-se o mínimo existencial).

Importante destacar que nem mesmo o direito a vida possui caráter absoluto. Apenas de forma exemplificativa, podemos citar a ponderação do direito a vida nos casos de pena de morte em caso de guerra declarada, nos termos do art. 5º, XLVII, da Constituição Federal. Além disso, frise-se a flexibilização em casos de legítima defesa, estado de necessidade e em algumas situações envolvendo o aborto, tema que será analisado no presente artigo.

O tema inerente ao aborto está intimamente relacionado ao direito à vida. Vejamos a disciplina existente no Código Penal:

Legislação de apoio:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena – detenção, de um a três anos.

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Argumentos

A seguir, destacaremos alguns dos principais argumentos contrários e favoráveis acerca da criminalização do aborto. Vejamos:

Argumentos Contrários
Proibição da insuficiência de proteção, pois a vida humana começaria a partir da concepção.
O direito à vida possui um peso muito forte na colisão com outros direitos, uma vez que os demais direitos fundamentais pressupõe esse direito.
Na realidade, o que se faz necessário são políticas públicas adequadas para proteger a genitora e o feto.
Argumentos Favoráveis
Direitos fundamentais da gestante, tal como a autonomia e o direito ao próprio corpo.
Diminuição da taxa de mortalidade materna. Como consequência, temos o argumento abaixo.
A proibição do aborto leva as gestantes para um mundo clandestino, colocando em risco a sua vida e saúde (o aborto deveria ser analisado como uma questão de saúde pública).

Sobre o tema imprescindível destacar que, no HC n. 124.306 (Primeira Turma), considerou-se atípica a interrupção voluntária da gravidez efetivada no primeiro trimestre. Trata-se de um caso individual, sem efeito erga omnes. Como se trata de ação individual, buscou-se o efeito erga omnes por meio de uma ação de controle concentrado de constitucionalidade.

Assim, posteriormente, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou a ADPF n. 442, solicitando que a Corte declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela Constituição Federal, fundamentando, em especial, na afronta aos direitos fundamentais das mulheres – à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à igualdade de gênero, à autonomia, à saúde e ao planejamento familiar.

Votos

aborto

Recentemente, a ex-ministra Rosa Weber, antes de sua aposentadoria, em tintas de 129 páginas, votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 semanas de gestação.

Agora, o ex-ministro Luís Roberto Barroso antecipou seu voto1, em sessão virtual extraordinária, em virtude de sua aposentadoria, também votando pela vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação.

Assim, imprescindível tecer algumas considerações sobre o voto de 08 páginas do jurista Luiz Roberto Barroso. O ex-ministro ressaltou que seu posicionamento sobre o tema já é conhecido por meio de artigos doutrinários e por meio do seu voto no Habeas Corpus nº 124.306, motivo pelo qual buscou sintetizar de maneira objetiva e simples a sua visão sobre o tema. Porém, desde já, destacamos que o voto simples e objetivo realizado vem sendo objeto de críticas, notadamente por não enfrentar e aprofundar juridicamente questões importantes, a exemplo da proteção ao feto e a insuficiência de proteção da vida humana no ventre materno.  

Inicialmente, Barroso destacou que “ninguém é a favor do aborto em si”. Por isso, o Estado deveria evitar que o aborto aconteça, promovendo políticas públicas que envolvam educação sexual, distribuindo contraceptivos e amparando a mulher que deseje ter o filho e esteja em circunstâncias adversas.

Por isso, a discussão, conforme o ex-ministro, funda-se em definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa.

Saúde pública

Barroso destacou que o tema deve ser analisado sob um viés de saúde pública e não de Direito Penal. Demonstrou pesquisas endossadas pela Organização Mundial da Saúde, as quais atestam que a criminalização não diminui o número de abortos, tão somente impedindo que ele seja feito de forma segura, muitas vezes levando as mulheres para um mundo clandestino, culminando em risco para sua vida e saúde, penalizando sobremaneira as mulheres pobres e vulneráveis.  

O ex-ministro realizou destaque aos direitos das mulheres à liberdade e à igualdade. Ressaltou questões inerentes aos direitos reprodutivos das mulheres e da autodeterminação. No ponto, concluiu o ex-ministro:

“As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais. Em suma: têm o direito fundamental à sua liberdade sexual e reprodutiva. Direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas. Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo”.

Por fim, levando em considerações questões religiosas, o ministro destacou que  é legítimo ter posição contrária ao aborto, a exemplo da tradição judaico-cristã que condena o aborto. Mas, realiza alguns questionamentos e conclui que  é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização. Vejamos trecho de seu voto:

“A tradição judaico-cristã condena o aborto. Deve-se ter profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas. É, portanto, plenamente legítimo ter posição contrária ao aborto, não o praticar e pregar contra a sua prática. Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições – tratar o próximo como desejaria ser tratado –, é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, entendo que não. Portanto, sem renunciar a qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”.

A íntegra do voto está disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/ministro-barroso-vota-pela-descriminalizacao-do-aborto-ate-12-semanas-de-gestacao/. Importante ressaltar que, após o voto do Ministro Barroso, houve pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes suspendendo o julgamento, o qual será levado para o plenário físico. Em que pese a continuidade do julgamento ainda não ter data definida, o assunto ainda levantará inúmeros debates, notadamente diante da sensibilidade do tema.


  1. Notícia disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/ministro-barroso-vota-pela-descriminalizacao-do-aborto-ate-12-semanas-de-gestacao/. Acesso em 18 de outubro de 2025. ↩︎

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