Atividade político-partidária como causa de punição do magistrado pelo CNJ

Atividade político-partidária como causa de punição do magistrado pelo CNJ

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia. 

Entenda o caso 

Atividade político-partidária de magistrado

O CNJ, por unanimidade, decidiu por punir um desembargador do TRT da 15ª Região, em razão de postagens nas redes sociais com conteúdo discriminatório e de cunho político-partidário: ele comparou as eleitoras de Bolsonaro e de Lula e fez uma série de críticas à esquerda. A pena foi a de disponibilidade por 60 dias.

Com a aplicação da pena, o magistrado ficará afastado de suas funções, mantendo seus vencimentos. Isso é o que prevê a Lei Orgânica da Magistratura e nas resoluções do CNJ. 

A defesa do magistrado alegou que as postagens foram feitas por sua filha. Ela teria utilizado seu perfil nas redes sociais enquanto ele se recuperava de uma cirurgia. Porém, o plenário concluiu que ele tinha conhecimento das publicações e não tomou as devidas providências para removê-las, ainda que elas estivessem disponíveis por tempo suficiente para gerar repercussão. 

O magistrado ainda propôs a assinatura de um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta, mas os julgadores recusaram a proposta. Eles argumentaram que esse recurso deve ser utilizado antes da instauração do PAD, o que não ocorreu.

Somou-se a isso o fato de se considerar o conteúdo das publicações como de extrema gravidade, especialmente devido ao seu impacto sobre a imagem do Poder Judiciário. Isso porque as manifestações envolveram preconceito de gênero e posicionamento político explícito

Análise jurídica 

Como destacado pela relatora do PAD, Renata Gil, a Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, inciso III, e a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, fixaram diretrizes com o fim de compatibilizar a liberdade de expressão dos magistrados com as restrições próprias das suas atribuições, incluindo a mitigação da liberdade de manifestação política, dispondo textualmente que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária”.  

Nesse sentido, as postagens do desembargador teriam violado esse dever, comprometendo a neutralidade exigida pela função. 

CF/88 

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: 

... 

Parágrafo único. Aos juízes é vedado: 

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; 

II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; 

III - dedicar-se à atividade político-partidária. 

IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;          

V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

O art. 31, do Provimento CNJ nº 165/2024, é cristalino: “A liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser utilizada pela magistratura para afastar a proibição constitucional do exercício de atividade político-partidária”. 

O desembargador não se limitou a comparar as eleitoras de Lula e Bolsonaro, o que já é grave. Ele publicou uma série de postagens com conteúdo político, muitos deles com conteúdo ofensivo e desarrazoado. 

Algumas das postagens do magistrado

   “Vocês têm 37 dias para decidir se querem passear com seus cachorros ou se ‘alimentar’ deles. Bom dia!”  
    “Sujeito nojento”, acompanhada das frases: “Você acha normal ter relações sexuais com animais? O Lula acha!”  
  “Lula e PT usando religião e igreja para conturbar as eleições e enganar incautos. E ainda criticam Bolsonaro por frequentar missa, sendo católico, e visitar cultos, sendo casado com uma evangélica”  
  “Com pix hoje você transfere dinheiro e paga conta de graça. Quando você voltar a pagar 18.00 reais por transferência bancária e taxa por emissão de boleto faz um L”       
   “Intriga da oposição”  

Imparcialidade dos magistrados

A Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), no art. 26, I, c, consigna o impedimento do exercício da atividade político-partidária por parte dos magistrados. Já o Código de Ética da Magistratura, em seu art. 16, dispõe que o magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, sabendo que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições pessoais distintas dos cidadãos em geral

O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ao elaborar comentários sobre os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, registrou observações sobre a imparcialidade necessária aos magistrados no tocante a debates públicos e opiniões expressadas em público sobre o governo:

“Um juiz, como qualquer outro cidadão tem direito à liberdade de expressão, crença, associação e reunião de pessoas, mas ao exercer tais direitos, deve sempre conduzir-se de maneira tal que preserve a dignidade do ofício judicante e a independência do Judiciário…

Um juiz não deve envolver-se inapropriadamente em debates públicos. A razão é óbvia. A verdadeira essência de ser juiz é ser hábil para abordar os vários problemas que são objetos de disputas de maneira objetiva e judicial. É igualmente importante que o juiz deve ser visto pelo público como exibindo um tipo de abordagem desinteressada, imparcial, não-preconceituosa, de mente aberta e justa que é a marca distintiva de um juiz. Se um juiz entra na arena política, participa de debates públicos, expressa opiniões sobre assuntos controversos, entra em disputa com figuras públicas da comunidade ou critica publicamente o governo, ele não será visto como atuando judicialmente quando presidir como juiz em uma corte e decidir litígios a respeito dos quais tenha expressado opiniões em público ou talvez mais importante, quando as figuras públicas ou departamentos do governo que ele tenha criticado anteriormente sejam partes ou litigantes ou até mesmo testemunhas em casos sob sua atuação.

A vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária. Ela abrange também a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato(a) ou a partido político (artigo 31, §1º, do Provimento CNJ nº 165/2024). 

Portanto, aos juízes não é vedado apenas a filiação a partidos políticos e o engajamento em militâncias partidárias. Demonstrar apreço ou desapreço a candidatos, lideranças políticas e partidos políticos também são condutas vedadas. 

Conduta nas redes sociais

Ademais, especificamente em relação à conduta do magistrado nas redes sociais, a Resolução CNJ nº 305/2019, em seu artigo 4º, II e III, veda as seguintes condutas

II – Emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional); 
III – Emitir ou compartilhar opinião que caracterize discurso discriminatório ou de ódio, especialmente os que revelem racismo, LGBT-fobia, misoginia, antissemitismo, intolerância religiosa ou ideológica, entre outras manifestações de preconceitos concernentes a orientação sexual, condição física, de idade, de gênero, de origem, social ou cultural (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal; art. 20 da Lei nº 7.716/89).

Dever de sobriedade

A relatora arrematou, de forma brilhante: 

Nesse aspecto, é importante ressaltar que a conduta do magistrado, na condição de órgão do Poder Judiciário, não diz respeito apenas a si mesmo, mas se confunde com a do poder que representa. Portanto, o magistrado possui o dever de sobriedade. 

Mais além, é importante que o magistrado tenha em mente que seus comentários em público podem ser entendidos como representativos da opinião do Poder Judiciário. Por vezes, é desafiador para um juiz expressar uma opinião que se interprete como estritamente pessoal e não como uma posição do Judiciário em geral, o que exige discrição. 

Assim, com base em todas as normas aplicáveis ao caso e aos fatos apurados, o CNJ não teve outra opção a não ser reconhecer a quebra do dever funcional, e punir o desembargador. 

Tema muito interessante para provas da Magistratura e do Ministério Público.


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