Saiba sobre posição do STF sobre a presença de aterros sanitários em áreas de preservação permanente e as implicações legais para a proteção ambiental no Brasil.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Importância das Áreas de Preservação Permanente
O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2018, julgando a ADC nº 42 e as ADI’s 4901, 4902, 4903 e 4937, todas versando sobre a validade do Código Florestal (Lei 12.651/2012), decidiu, dentre outras questões, declarar inconstitucional a expressão “gestão de resíduos”, prevista no artigo 3º, VIII, b, do Código Florestal.
Mas o que isso significa? É o que vamos ver a partir de agora.
O código florestal prevê, como espaço protegido, a área de preservação permanente – APP.
O artigo 3º, II, do CFlo, assim conceitua APP:
“Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”
Portanto, a APP é uma área que, em decorrência de sua importância ecológica, recebe uma proteção especial, consistente na incidência de um regime jurídico diferenciado, com uma série de restrições voltadas à proteção do meio ambiente.
Em regra, nessas áreas (APP’s) é vedada a intervenção ou a supressão de vegetação nativa, salvo em casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental (artigo 8º).
Aqui é onde entra a gestão de resíduos (leia-se: aterro sanitário).
O artigo 3º, VIII, b, do CFLo, classifica “gestão de resíduos” como sendo hipótese de utilidade pública, o que autoriza sua presença nas áreas de preservação permanente.
EM RESUMO: O código florestal permite a existência de aterros sanitários em APP’s.
Mas a Suprema Corte decidiu que os aterros sanitários (empreendimentos de gestão de resíduos) não devem ser considerados como utilidade pública, ou seja, não pode haver mais aterros sanitários em áreas de preservação permanente.
O STF foi incisivo:
“Ademais, não há justificativa razoável para se permitir intervenção em APPs para fins de gestão de resíduos…
A permissão para realização de empreendimentos de gestão de resíduos sólidos em APP esvazia o valor da proteção de espaços territoriais especiais para atendimento de valor de semelhante status, o desenvolvimento sustentável. Ambos encontram-se resguardados pelo artigo 225 da Constituição, que introjetou em nossa moralidade político-institucional uma série de valores ambientais com substância e campo de irradiação normativa específicos…”
Para o STF, a previsão de aterros sanitários em APP’s, apesar da tentativa de aliar o manejo sustentável do lixo com a proteção de áreas ambientais relevantes, acabou por provocar uma desnecessária superposição do primeiro valor sobre o segundo, ensejando o esvaziamento desse último.
Inclusive o artigo 3º, VII, da Lei n. 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), reconhece que a gestão de resíduos sólidos jamais terá impacto ambiental zero:
“VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos”
A presença de aterros sanitários em áreas protegidas aumenta significativamente os riscos de contaminação do solo, do lençol freático e de cursos d’água, e isso porque há o uso de contaminantes biológicos e químicos que são inerentes à instalação e ao funcionamento desses aterros.
Nesse sentido, o Tribunal entendeu que a possibilidade de aterros sanitários em áreas de preservação permanente acaba por violar o direito ao meio ambiente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal.
Mas, querendo ou não, o Supremo acabou criando um enorme problema com essa decisão.
Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), em torno de 80% dos aterros sanitários em nosso país estão, em certa medida, localizados em APP’s. O Ministério do Meio Ambiente estimou em R$49 bilhões o custo para desativar esses aterros sanitários.
Além do alto custo, não há condição material para retirar todos os aterros sanitários das áreas de preservação permanente de forma instantânea.
Portanto, a suspensão imediata dos empreendimentos, que passam por processo de licenciamento e fiscalização de órgãos ambientais, representaria o retorno a práticas ilegais e lesivas ao meio ambiente, como os lixões.
Como criar centenas e centenas de novos aterros legalizados em áreas que não sejam de preservação permanente do dia para a noite? É humanamente impossível.
Foi pensando nisso que a AGU apresentou embargos de declaração na ADC 42, pedindo a modulação da declaração de inconstitucionalidade da expressão “gestão de resíduos”, a fim de possibilitar uma gradual compatibilização da realidade fática com a proteção do meio ambiente.
Pois bem. Agora, o STF deu provimento aos embargos da AGU para modular os efeitos da decisão, e resolver esse problema que foi criado. A solução foi a seguinte:
Foram atribuídos efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade da expressão “gestão de resíduos”, de modo a possibilitar que os aterros sanitários já instalados, ou em vias de instalação ou ampliação, possam operar regularmente dentro de sua vida útil. Além do mais, não será necessário retirar, após o fechamento da unidade, o material depositado, observadas todas as normas ambientais aplicáveis.
Ou seja, a proibição de aterros sanitários em APP’s não alcança sequer os aterros que estejam em vias de instalação ou ampliação, o que gerou críticas por parte de ambientalistas.
No voto, o ministro Luiz Fux, relator das ações, considerou que a continuidade do funcionamento dos aterros nessas áreas é necessária para a sua desativação progressiva e a implementação de um sistema de tratamento de resíduos sólidos compatível com a preservação ambiental.
Importante frisar que o ministro Edson Fachin e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (aposentada, mas que havia apresentado voto em sessão virtual) ficaram vencidos apenas em relação ao prazo, já que defendiam um prazo máximo de 36 meses para o encerramento das atividades das unidades em APP’s.
Tema muito interessante, e que, com certeza, será cobrado em provas de direito ambiental. Portanto, muita atenção!
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