No dia 13 de novembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi surpreendido por um episódio que remete implicitamente aos ataques de 8 de janeiro de 2023, obviamente, guardada as devidas proporções:
Isto é, duas explosões atingiram a área da Praça dos Três Poderes em Brasília, resultando em uma morte e diversos danos materiais, com a tentativa de entrar no STF com explosivos.
De acordo com o que foi divulgado, o autor, identificado como Francisco Wanderley Luiz, ex-candidato a vereador pelo PL em Rio do Sul (SC), havia premeditado o ataque e feito ameaças em redes sociais (grupos de Facebook e WhatsApp):
Ademais, o caso ganhou ainda mais relevância ao se descobrir que o autor havia visitado o STF em agosto de 2024, chegando a publicar em suas redes sociais que “deixaram a raposa entrar no galinheiro”. Ou seja, paira dúvidas sobre a premeditação e se há outros envolvidos.
Além disso, mensagens publicadas antes do atentado indicavam possíveis outros alvos e um prazo de “72 horas para desarmar bombas“, sugerindo um plano mais amplo que demanda investigação aprofundada das autoridades:
Inclusive, “antes da explosão em frente ao STF, o homem tentou entrar no prédio. Ele jogou um explosivo embaixo da marquise do edifício, mostrou que tinha artefatos presos ao corpo a um vigilante, deitou-se no chão e acionou um segundo explosivo na nuca”.
Diante disso, questiona-se: quais as possíveis implicações criminais se houver indícios de participação de terceiros nesse atentado?
É possível considerar o ataque como terrorismo?
Sim. A Lei 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo) pode enquadrar o caso como terrorismo, com pena de reclusão de 12 a 30 anos.
Qual seria a base de raciocínio?
No caso, há o uso intencional de explosivos em área pública (agravante específica que pode aumentar a pena em 1/3 até metade);
Além disso, tem-se o ataque direcionado a instituição democrática – no caso – o STF. Nas notícias, consta que o homem tentou ingressar no STF.
Soma-se a isso que há postagens prévias demonstrando premeditação. Isso dependerá, claro, de investigação para saber se há terceiros envolvidos que consequentemente podem ter influenciado no plano.
Por outro lado, cumpre frisar que a doutrina penal brasileira, analisada por autores como Greco (2019) e Bitencourt (2020), enfatiza que o terrorismo deve ser interpretado de maneira restritiva, dada a gravidade das penas aplicadas e o impacto social que a tipificação traz.
Nesse sentido, há um consenso entre penalistas de que a prova de intenção específica de causar terror social e de atingir o Estado é fundamental para configurar o crime de terrorismo, diferenciando-o de outros tipos de crimes violentos. Em outras palavras, até então, o entendimento da jurisprudência é bastante limitado e cuidadoso, que exige que as características de ameaça à ordem pública estejam claramente evidenciadas:
HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE TERRORISMO. ART. 5º, C/C O ART. 2º, § 1º, I E V, DA LEI N. 13.260/2016. ELEMENTARES DO TIPO. MOTIVAÇÃO POR RAZÕES DE XENOFOBIA, DISCRIMINAÇÃO OU PRECONCEITO DE RAÇA, COR, ETNIA E RELIGIÃO NÃO CARACTERIZADA. TIPO PENAL DO ART. 5º SUBSIDIÁRIO EM RELAÇÃO AO ART. 2º DA LEI ANTITERRORISMO. O tipo penal exerce uma imprescindível função de garantia.
Decorrente do princípio da legalidade, a estrutura semântica da lei incriminadora deve ser rigorosamente observada e suas elementares devem encontrar adequação fática para que o comando secundário seja aplicado.(…)
(HC n. 537.118/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 11/12/2019.)
Quais outros crimes poderiam ser configurados?
A investigação precisará analisar a possível configuração de diversos crimes introduzidos pela Lei 14.197/2021, caso haja mais pessoas envolvidas no ataque. Isto porque, obviamente, a pessoa que se suicidou não pode sofrer punição na esfera penal.
Tá, ok, mas qual seria a base de raciocínio para configuração de outros delitos se houver mais pessoas envolvidas?
Tentativa de impedir ou perturbar o funcionamento dos Poderes da União (Art. 359-L):
Pena prevista: reclusão de 2 a 6 anos
Aqui, seria necessário comprovar se o intuito era paralisar as atividades do STF, bem como investigar se havia plano para atingir outros Poderes, e também ter uma compreensão pretendida da perturbação. Nessa linha, a ação de tentar entrar no STF com explosivos e de causar uma explosão nas suas proximidades pode ser vista como uma tentativa de paralisar temporariamente ou de perturbar o funcionamento da instituição, caracterizando, portanto, o crime do Art. 359-L.
Vale ressaltar que, embora ainda não haja uma vasta jurisprudência consolidada, os tribunais monocraticamente têm interpretado esse tipo de crime com rigor, principalmente em casos que envolvem violência ou ameaças contra as instituições democráticas.
Em suma, o entendimento é que a proteção dos poderes é essencial para a preservação do Estado Democrático, o que justifica a aplicação de penas mais severas quando há tentativa de impedir seu funcionamento. Nessa linha, a observação pode ser comprovada dos atos atentórios do dia 08 de Janeiro de 2023 e as penas já divulgadas.
Se o crime era de perturbar a ordem ou atentar contra a vida de uma autoridade, tudo muda completamente.
Atentado contra autoridade (Art. 359-M):
Pena prevista: reclusão de 3 a 8 anos
No caso, a investigação deverá apurar se havia alvo específico, bem como analisar ameaças se houve previamente às autoridades. A partir dos grupos de WhatsApp e Facebook será possível compreender se o crime seria contra a Instituição ou contra um alvo específico dentro do STF.
Perceba, se as investigações identificarem que o autor do atentado tinha como objetivo específico atacar membros do STF ou alguma autoridade em particular (como ministros), isso poderia configurar o crime de atentado contra a autoridade.
É possível a caracterização de associação criminosa?
Sim. O Art. 288 do Código Penal tipifica a associação criminosa:
Pena base: reclusão de 1 a 3 anos
Aqui talvez será a grande celeuma para a investigação de terceiros: descobrir se essas pessoas participavam ativamente, ou apenas eram informadas por única e exclusiva vontade do autor dos delitos.
É importante ressaltar que há necessidade de três ou mais pessoas estarem envolvidas, bem como, que haja finalidade específica de cometer crimes conforme entendimento dos Tribunais Superiores.
Inclusive, seria cabível a decretação de prisão preventiva caso seja constatado que haja uma organização criminosa em funcionamento, como entende o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO.
- (…)
- Conforme magistério jurisprudencial do Pretório Excelso, “a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva” (STF, Primeira Turma, HC n. 95.024/SP, relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 20/2/2009).
- Outrossim, “esta Corte Superior de Justiça tem entendimento no sentido de que a manutenção da segregação cautelar, quando da sentença condenatória, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente a afirmação de que subsistem os motivos que ensejaram a manutenção da prisão cautelar, desde que aquela anterior decisão esteja, de fato, fundamentada, como ocorreu na espécie. A ‘orientação pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu preso durante a persecução criminal, se persistem os motivos para a segregação preventiva’ (AgRg no RHC 123.351/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 4/8/2020, DJe 25/8/2020). Na mesma linha: AgRg no HC 563.447/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/4/2020, DJe 4/5/2020; e RHC 119.645/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 4/2/2020, DJe 12/2/2020” (AgRg no HC n. 789.167/PE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023).
- Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 195.047/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024.)
O que esperar do STF?
Além disso, pode-se esperar que a competência para julgamento de eventuais delitos e participações tramite no próprio STF, já que há crimes contra a própria instituição, atraindo o art. 102 da CF.
Referências bibliográficas:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial – Crimes Contra o Estado Democrático de Direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
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