A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no REsp 2.194.523-CE, decidiu por unanimidade que o assistente de acusação não possui legitimidade para interpor recurso visando à condenação por delito diverso daquele imputado pelo Ministério Público na denúncia.
No caso, os assistentes de acusação tiveram seu pleito negado. O argumento foi de que sua pretensão extrapolava as “balizas traçadas na denúncia”, buscando desclassificação de crimes de trânsito para homicídio doloso de competência do Tribunal do Júri.
Diante deste embate entre a atuação supletiva do assistente e os limites da persecução penal, qual deve prevalecer: a ampliação irrestrita da legitimidade recursal ou a manutenção dos contornos estabelecidos pela acusação ministerial?
O caso concreto e sua relevância
Primeiramente, a controvérsia teve origem em agravo regimental interposto por Antonio Anselmo Oliveira da Silva e Francisco Kauan Azevedo Florencio contra decisão que reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Ceará.
Os agravantes, na qualidade de assistentes de acusação, haviam obtido provimento de sua apelação no tribunal estadual para anular sentença condenatória e determinar remessa dos autos ao Tribunal do Júri.

O réu Brenno Clares de Albuquerque fora inicialmente condenado por crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro – conduzir veículo com capacidade psicomotora alterada por álcool, homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo.
Ora, o cerne da discussão residia na interpretação do art. 271 do Código de Processo Penal, que delimita as hipóteses de atuação legítima do assistente de acusação no processo penal.
Princípio da correlação e vinculação à denúncia
De início, o STJ reafirmou que a jurisprudência desta Corte tem flexibilizado o rigor da regra prevista no art. 271 do CPP, reconhecendo legitimidade mais ampla do assistente de acusação para atuar supletivamente na busca pela justa sanção.
Nesse sentido, constatou-se que o assistente pode apelar, opor embargos declaratórios e até interpor recurso extraordinário ou especial, desde que sua atuação permaneça “dentro das balizas traçadas na denúncia“.
O acórdão afastou o entendimento de que o assistente poderia buscar condenação por delito inteiramente diverso daquele originalmente imputado pelo titular da ação penal.
Isto porque, o relator destacou que tal interpretação violaria o sistema acusatório brasileiro, no qual o Ministério Público detém a titularidade exclusiva da persecução penal.
"No caso em análise, a apelação do assistente de acusação buscou a desclassificação das condutas para o tipo penal previsto no art. 121 do CP, de competência do Tribunal do Júri, o que ultrapassa o que fora requerido pelo titular da ação penal na denúncia", consignou o Ministro Ribeiro Dantas em seu voto.
A delimitação das “balizas traçadas na denúncia”
Perceba, um dos aspectos mais relevantes do julgado está na definição precisa do que constitui atuação legítima do assistente de acusação. O STJ estabeleceu critério objetivo baseado na correlação entre o pedido recursal e o conteúdo da peça acusatória inicial:
- Se a sentença modificar a classificação jurídica para delito diverso daquele originalmente imputado, o assistente mantém legitimidade para recorrer visando ao restabelecimento da imputação original;
- Se o réu for condenado pelo delito especificado na denúncia, o assistente não pode buscar condenação por crime diverso através de recurso.
Dessa maneira, o STJ adotou interpretação sistêmica que preserva o equilíbrio entre os direitos das vítimas e as garantias do sistema acusatório.
Assim, a função auxiliar e supletiva do assistente foi ressaltada, reforçando o entendimento de que sua legitimidade "é restrita às hipóteses previstas no art. 271 do Código de Processo Penal, de forma que sua função é auxiliar o Ministério Público na ação penal pública, tendo aptidão para interferir no processo, e não para promover a ação penal".
Precedentes consolidados e inovação recursal
Lado outro, o acórdão também fez importante conexão com precedentes consolidados da Corte que já delimitavam os contornos da atuação do assistente de acusação. Citou, especialmente, o HC 361.662/PR, também de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas.
Dessa forma, invocando a jurisprudência sedimentada sobre o tema, o relator reforçou a necessidade de manutenção da coerência sistêmica nas decisões envolvendo legitimidade recursal do assistente.
O tribunal também enfrentou questão processual relevante ao caracterizar como inovação recursal vedada pela preclusão consumativa a argumentação dos agravantes sobre incompetência do magistrado de primeiro grau para análise entre culpa consciente e dolo eventual, matéria não devidamente trabalhada nas contrarrazões do recurso especial.
Decisão do STJ e tese fixada
Em síntese, a decisão do STJ mostra-se relevante em diversos aspectos:
- Reafirma os limites objetivos da atuação do assistente de acusação no processo penal brasileiro;
- Consolida a interpretação de que a legitimidade recursal do assistente deve respeitar as “balizas traçadas na denúncia” pelo Ministério Público;
- Reforça a vedação à inovação recursal e a importância da técnica processual adequada.
Assim, no entendimento do relator, o julgamento do AgRg no REsp 2.194.523-CE, ao estabelecer parâmetros claros para a atuação do assistente e preservar as prerrogativas ministeriais, cumpre relevante papel na manutenção do equilíbrio do sistema acusatório e na segurança jurídica dos processos penais.
Assim, eis a tese fixada – “O assistente de acusação não tem legitimidade para interpor recurso visando à condenação por delito diverso daquele imputado na denúncia. A inovação recursal é vedada pela preclusão consumativa”.
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