STJ barra assistente de acusação que tenta condenar réu por crime estranho à denúncia

STJ barra assistente de acusação que tenta condenar réu por crime estranho à denúncia

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade que assistentes de acusação não podem recorrer para buscar condenação por delito diferente daquele imputado pelo Ministério Público na denúncia original.

Vamos explicar a decisão aqui noticiada:

Assistente de acusação não pode recorrer para condenar o réu por crime estranho à denúncia

O julgamento de maio de 2025, relatado pelo ministro Ribeiro Dantas, nasceu de um caso do Ceará. Dois assistentes tentaram transformar crimes culposos de trânsito em homicídio doloso, forçando julgamento pelo júri popular.

Nessa linha, Antônio Anselmo Oliveira da Silva e Francisco Kauan Azevedo Florencio haviam conseguido no Tribunal de Justiça cearense a anulação de sentença condenatória. O argumento foi que o réu Brenno Clares de Albuquerque agiu com dolo eventual ao causar morte e lesões no trânsito sob efeito de álcool. Contudo, a denúncia ministerial limitava-se aos artigos 302, 303 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro, todos de natureza culposa.

Como o STJ interpreta as “balizas traçadas na denúncia”

De início, a decisão consolida entendimento de que “a jurisprudência desta Corte tem flexibilizado o rigor da regra prevista no art. 271 do CPP, reconhecendo a legitimidade do assistente de acusação para atuar supletivamente na busca pela justa sanção, desde que dentro das balizas traçadas na denúncia”.

Essa frase do próprio acórdão revela o cerne da questão: até onde pode ir a atuação do assistente?

Ora, para Ribeiro Dantas, existe diferença fundamental entre duas situações. Quando a sentença modifica a classificação jurídica dos fatos, o assistente pode reagir defendendo a tipificação original da denúncia. Porém, “se o réu for condenado pelo delito especificado na denúncia, o assistente de acusação não tem legitimidade para interpor recurso visando à condenação por um delito distinto daquele que foi imputado na denúncia”.

O precedente do HC 361.662/PR, também de relatoria de Ribeiro Dantas, já havia estabelecido que assistentes “não possuindo, portanto, legitimidade para recorrer pleiteando a desclassificação do crime para delito diverso daquele que o paciente foi denunciado e mantido pelo Parquet na condenação”.

Na ocasião, tratava-se de tentativa de desclassificar incêndio e estelionato para outros tipos penais além da imputação ministerial.

Por que o caso cearense ultrapassou os limites permitidos

No episódio analisado, a denúncia imputou três infrações em concurso material: condução de veículo com capacidade psicomotora alterada por álcool, homicídio culposo na direção sob influência de álcool e lesão corporal culposa na direção com capacidade alterada. A sentença condenou pelos três delitos, reconhecendo apenas concurso formal entre homicídio e lesão corporal.

Assistente de

Nessa linha, os assistentes apelaram requerendo “declínio de competência para a Vara do Júri e, de forma subsidiária o reconhecimento de fixação mínima para reparação de danos causados”. O Tribunal cearense acolheu integralmente o pedido, determinando “a remessa dos autos para processamento perante uma das Varas do Tribunal do Júri da Comarca de Fortaleza”.

Entretanto, o ministro foi categórico: “a apelação do assistente de acusação buscou a desclassificação das condutas para o tipo penal previsto no art. 121 do CP, de competência do Tribunal do Júri, o que ultrapassa o que fora requerido pelo titular da ação penal na denúncia”. Em outras palavras, tentar transformar homicídio culposo em doloso extrapola qualquer margem de flexibilização jurisprudencial.

Quando a jurisprudência permite e quando veda a atuação do assistente

A evolução jurisprudencial demonstra que o STJ permite atuação mais ampla do assistente desde que “quando já iniciada a persecução penal pelo seu órgão titular, atuar em seu auxílio e também supletivamente, na busca pela justa sanção, podendo apelar, opor embargos declaratórios e até interpor recurso extraordinário ou especial”. Essa possibilidade, contudo, encontra limite claro na correlação com a denúncia.

Por isso, no julgamento do AgRg no HC 539.346/PE, reconheceu-se a legitimidade para "recurso contra decisão de desclassificação de crime de competência do tribunal do júri". A diferença crucial estava no fato de que "a pretensão do assistente de acusação manteve-se dentro das balizas traçadas na denúncia, em nenhum momento ultrapassando o que fora requerido pelo titular da ação penal".

Da mesma forma, a decisão rejeitou argumentos sobre competência jurisdicional por configurarem inovação recursal. Como observou o relator, “a apresentação, no agravo regimental, da tese de incompetência do magistrado de primeiro grau para análise da culpa consciente e do dolo eventual configura indevida inovação recursal”. A preclusão consumativa vedou essa tese tardia, não trabalhada nas contrarrazões ao recurso especial.

Outros julgados sobre o assistente de acusação:

O pedido de fixação do valor mínimo indenizatório, na forma do art. 387, IV, do CPP, formulado pelo assistente de acusação não supre a necessidade de que a pretensão conste da denúncia.

No caso concreto, a assistente , muito embora a assistente de acusação tenha ingressado com pedido de habilitação como assistente de acusação, em que constou pleito expresso de reparação do dano no valor mínimo mencionado, o pleito não foi formulado na exordial acusatória.

STJ. 6ª Turma. AgRg nos EDcl no AREsp 1.797.301-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/3/2024 (Info 805).

Como o tema já caiu em provas

(CESPE, 2025) Durante o curso da ação penal, é permitido ao assistente de acusação propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público (MP) e até mesmo interpor recursos quando o MP se abstiver de fazê-lo.

Gabarito: Certo.

Mais observações:

STJ HC 137339 - 2010: A legitimidade do assistente de acusação para apelar, quando inexistente recurso do MP, é ampla, podendo impugnar tanto a sentença absolutória quanto a condenatória, visando ao aumento da pena imposta, já que a sua atuação justifica-se pelo desejo legítimo de buscar justiça, e não apenas eventual reparação cível.
STF Súmula 208: O assistente do MP NÃO pode impetrar RE de decisão concessiva de HC. (não pode manejar recursos que não guardem relação com as suas atribuições, que são estabelecidas de forma taxativa).
STF Súmula 210: O assistente do MP pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos artigos 584, § 1.º - impronúncia, e 598 do CPP - sentença absolutória + MP inerte. (A manifestação do promotor de justiça, em alegações finais, pela absolvição da Paciente e, em seu parecer, pelo não conhecimento do recurso não altera nem anula o direito da assistente de acusação recorrer da sentença absolutória.)
STJ  REsp 1.343.402 - 2014: O assistente da acusação tem direito à réplica, ainda que o MP tenha anuído à tese de legítima defesa do réu e declinado do direito de replicar. (interpretação sistemática ⇒ CPP diz que lhe é permitido "participar do debate oral", e, conforme o art. 473 do CPP, "o acusador poderá replicar".)
STJ - Informativo 675 - 2020: A OAB não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal. Isso porque, no processo penal, a assistência é apenas da acusação, não existindo a figura do assistente de defesa.

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