De início, vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento fundamental sobre os marcos temporais da Lei 14.230/2021, conhecida como nova Lei de Improbidade Administrativa.
Isto porque, em julgamento unânime da Primeira Seção, ocorrido em 11 de junho de 2025, a Corte fixou tese vinculante estabelecendo que a vedação ao reexame necessário não retroage para alcançar sentenças prolatadas antes da vigência da nova legislação:
“A vedação ao reexame necessário da sentença de improcedência ou de extinção do processo sem resolução do mérito prevista pelos artigos 17, parágrafo 19º, inciso IV, combinado com o artigo 17-C, parágrafo 3º da Lei de Improbidade Administrativa, com redação dada pela Lei 14.230/2021, não se aplica aos processos em curso quando a sentença for anterior à vigência da Lei 14.230/2021”.
REsp 2.117.355-MG, REsp 2.118.137-MG, REsp 2.120.300-MG Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 11/6/2025. (Tema 1284).
Ora, essa decisão resolve controvérsia que mantinha milhares de processos suspensos nos tribunais brasileiros, aguardando definição sobre a aplicabilidade das novas regras processuais.
Evolução jurisprudencial do reexame necessário – noções gerais sobre o reexame necessário
O chamado “reexame necessário” ou “duplo grau de jurisdição obrigatório” é um instituto previsto no art. 496 do CPC/2015 e em algumas leis esparsas:
Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.
§ 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1o, o tribunal julgará a remessa necessária.
Deixa eu explicar melhor:
– Se a sentença proferida pelo juiz de 1ª instância: a) for contra a Fazenda Pública; ou b) julgar procedentes os embargos do devedor na execução fiscal (o que também é uma sentença contra a Fazenda Pública);
– Essa sentença deverá ser, obrigatoriamente, reexaminada pelo Tribunal de 2º grau (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal);
– Mesmo que a Fazenda Pública não recorra;
– E, enquanto não se realizar o reexame necessário, não haverá trânsito em julgado.
Obs.: o reexame necessário não possui natureza jurídica de recurso. Desse modo, é tecnicamente incorreto denominar este instituto de “recurso ex officio”, “recurso de ofício” ou “recurso obrigatório”.
E é cabível reexame necessário na lei de improbidade?
• Antes da Lei nº 14.230/2021: SIM.
O STJ entendia que devia se realizar o reexame necessário nas ações de improbidade administrativa julgadas improcedentes ou extintas em razão da carência da ação:
A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência de ação de improbidade administrativa está sujeita ao reexame necessário, com base na aplicação subsidiária do CPC e por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65.
STJ. 1ª Seção. EREsp 1.220.667-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/5/2017 (Informativo 607).
• Depois da Lei nº 14.230/2021: NÃO.
O art. 17, § 19, IV; e o art. 17-C, § 3º, da LIA, inseridos pela Lei nº 14.230/2021, vedam o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução de mérito das ações de improbidade administrativa:
Art. 17 (...)
§ 19. Não se aplicam na ação de improbidade administrativa:
(...)
IV - o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução de mérito.
Art. 17 (...)
§ 3º Não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei.
Veja, para compreender adequadamente essa decisão, é preciso contextualizar a evolução histórica do tema.
Isto porque, a Lei 8.429/1992, em sua redação original, não trazia previsão expressa sobre o reexame necessário nas ações de improbidade administrativa.

Logo, em 2016, a Primeira Seção do STJ pacificou o entendimento de que o instituto era cabível nas ações de improbidade, fundamentando-se na aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Destarte, sentenças de improcedência ou extinção sem resolução de mérito passaram a ser obrigatoriamente remetidas aos tribunais superiores.
Por outro lado, a nova Lei de Improbidade Administrativa, vigente desde 25 de outubro de 2021, trouxe alterações procedimentais.
Isto porque, entre essas modificações, destaca-se a vedação expressa ao reexame necessário, estabelecida no artigo 17, parágrafo 19, inciso IV, combinado com o artigo 17-C, parágrafo 3º.
Perceba que essa alteração representou mudança substancial no processamento das ações, eliminando a obrigatoriedade de submeter determinadas sentenças ao crivo do tribunal superior.
E agora? Como faz para os processos pendentes? Aplicação do princípio tempus regit actum
Perceba, o cerne da decisão reside na aplicação rigorosa do princípio tempus regit actum, consagrado na Teoria do Isolamento dos Atos Processuais na visão do STJ.
Segundo essa orientação, prevista no art. 14 do Código de Processo Civil, os atos processuais devem ser regidos pela legislação vigente no momento de sua prática.
Como destacou o Ministro Teodoro Silva Santos, relator dos casos paradigmáticos, “a jurisprudência do STJ é iterativa no sentido de que se aplica, no ordenamento jurídico brasileiro, a Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, segundo a qual o juízo de regularidade do ato praticado deve ser efetivado em consonância com a lei vigente no momento da sua realização”.
Ademais, essa teoria protege contra aplicação retroativa indevida de normas processuais, garantindo que cada ato seja avaliado conforme as regras então vigentes. Trata-se de manifestação específica do conceito de ato jurídico processual perfeito.
Critério temporal estabelecido
Assim, a tese fixada estabelece critério objetivo para definir a aplicabilidade da vedação.
Segundo a decisão, a nova regra aplica-se apenas aos processos em que o ato processual de remessa ainda não tenha sido realizado até 26 de outubro de 2021, data de entrada em vigor da Lei 14.230/2021.
Ora, isso significa que sentenças proferidas antes dessa data continuam sujeitas ao reexame necessário, caso tenham resultado em improcedência ou extinção sem resolução de mérito.
Por outro lado, a regra geral permanece sendo a de que a remessa oficial se rege pela lei vigente à época da decisão recorrida.
Resumindo:
-Sentença antes de 26/10/2021: cabe remessa necessária.
-Sentença após 26/10/2021: não cabe remessa necessária.
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