Justiça do Trabalho negou indenização a uma trabalhadora apelidada de “capivara” pelo empregador por considerar que o apelido não é ofensivo.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
O Juiz do Trabalho substituto José Aguiar Linhares Lima Neto, da 5ª vara do Trabalho de Campinas/SP, negou indenização a uma trabalhadora que alegou ter sido chamada de “capivara” pelo empregador.
Segundo o magistrado, o uso de nomes de animais pode ser ofensivo (como “burro”, “baleia” ou “cavalo”) ou elogioso (como “gato”, “peixinho” ou “tubarão”), e “capivara” não se enquadra em nenhum desses extremos, o que afastaria a conduta ilícita do empregador.
No que toca ao apelido de capivara, não apenas a prova da matéria restou dividida, pois as testemunhas ouvidas se limitaram a ratificar as teses daqueles que as conduziram a juízo, saliento que a referência a alguém como “capivara” não retrata conduta ilícita do empregador. (trecho da sentença)
A empregada afirmou, na reclamação trabalhista, ter sofrido assédio moral devido a cobranças excessivas de metas, ameaças de demissão e o uso do apelido “capivara”.
Porém, em relação aos demais argumentos da reclamante o magistrado registrou que não restaram demonstradas as ameaças e as cobranças excessivas.
Interessante que também se utiliza o termo “capivara” no meio criminal (puxar a capivara ou levantar a capivara), principalmente, para descrever o ato de investigar ou verificar os antecedentes de uma pessoa.
Assédio Moral1
No site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), define-se o assédio moral da seguinte forma: “toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repitam de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador”.
Ademais, é importante pontuar que, para a configuração do assédio moral, é necessária que a conduta seja reiterada e prolongada no tempo, com a intenção de desestabilizar emocionalmente a vítima. Episódios isolados podem até caracterizar dano moral, mas não necessariamente configuram assédio moral.
Exemplos de práticas que podem caracterizar assédio moral:
- Contestar ou criticar constantemente o trabalho da pessoa;
- Sobrecarregá-la com novas tarefas ou deixá-la propositalmente no ócio, provocando a sensação de inutilidade e incompetência;
- Ignorar deliberadamente a presença da vítima;
- Divulgar boatos ofensivos sobre a sua pessoa;
- Dirigir-se a ela aos gritos;
- Ameaçar sua integridade física.
Consequências que o assédio moral pode trazer:
- Diminuição da autoestima do trabalhador;
- Desmotivação;
- Produtividade reduzida;
- Rotatividade de pessoal;
- Aumento de erros e acidentes;
- Absenteísmo (falta de pontualidade e assiduidade do trabalhador);
- Licenças médicas frequentes;
- Exposição negativa do nome do órgão ou instituição.
Portanto, colocar o apelido de “capivara” em uma funcionária pode sim, em tese, se considerar como uma prática caracterizadora do assédio moral. E, em consequência, isso ainda pode gerar direito a indenização, principalmente se ela [a expressão “capivara”] tiver objetivo de humilhar, de diminuir e de ridicularizar essa trabalhadora.
Cultura baseada na ética
Apenas a título de exemplo, já pensou o que aconteceria se a empregada tivesse chamado seu chefe de “capivara” na frente da diretoria da empresa? Provavelmente ela receberia demissão por justa causa.
O aumento da confiança da sociedade nas instituições, como o próprio Estado, os Poderes da República, as universidades, ou mesmo em relação às empresas empregadoras, passa necessariamente pela promoção e incentivo de uma cultura de integridade, baseada na ética e no desenvolvimento de uma organização fundamentada em valores como respeito, honestidade e transparência.
Rescisão indireta
O assédio moral pode ser considerado justa causa para a rescisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, o trabalhador que sofre assédio moral no trabalho pode pedir demissão com direito a receber todas as verbas, como se estivesse recebido demissão, sem prejuízo da indenização pelo dano sofrido.
A vítima pode, por meio de reclamação trabalhista, buscar a rescisão indireta do contrato de trabalho, a indenização por danos morais e a indenização por danos materiais.
A indenização por danos morais é a reparação pelo sofrimento psicológico causado pela conduta abusiva do agressor. A indenização por danos materiais necessita de prova específica do gasto ou da perda financeira decorrentes do assédio.
O artigo 483, da CLT, enumera as faltas graves do empregador que podem motivar a rescisão indireta. Entre elas estão o descumprimento de obrigações contratuais, atos lesivos à honra do empregado e sua submissão a perigo manifesto de mal considerável.
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Portanto, apesar do magistrado, no caso analisado, não considerar ofensivo o apelido “capivara” dado à funcionária, isso não quer dizer que a prática será sempre considerada lícita ou em conformidade com a legislação. Tudo dependerá da prova dos autos e do entendimento do magistrado.
Outros casos
Inclusive esse caso pode se reverter nas instâncias superiores, haja vista que o Judiciário trabalhista não costuma validar práticas violadoras dos direitos dos trabalhadores.
Um exemplo disso é o caso em que uma empresa de varejo de Cuiabá foi condenada a pagar 10 mil reais de indenização por danos morais a uma ex-gerente chamada constantemente de “capivara” no ambiente de trabalho e em grupos de bate-papo pelo celular (TRT-23, Processo PJe 0001181-61.2017.5.23.0006).
Tema interessante, e que pode surgir em provas de direito do trabalho, em especial nos concursos para magistratura do trabalho, ministério público do trabalho e auditor do trabalho. Portanto, muita atenção!
- Disponível em: <https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/campanhas/integridade-publica/assedio-moral-e-sexual#:~:text=No%20site%20do%20Conselho%20Nacional,ou%20f%C3%ADsica%20de%20um%20trabalhador%E2%80%9D>. ↩︎
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