Entenda o caso de Ana Castela, acusada de um golpe milionário, e os contornos do vício de vontade nos contratos, abordando implicações legais e possíveis fraudes.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
A cantora Ana Castela está sendo acusada pelo seu investidor de dar um golpe que pode ultrapassar os 150 milhões de reais.
Agesner Monteiro, empresário que detém, por contrato, 20% de participação na carreira da artista, afirma que Ana Castela estaria afastando-o, ilegalmente, das participações e dos lucros, privando-o de ganhos de shows, royalties e contratos publicitários.
Segundo o empresário, desde a explosão da Boiadeira (como Ana Castela é conhecida), em outubro de 2022, ele vem sendo preterido na participação de lucros da cantora, mesmo tendo contrato válido até abril de 2027.
Monteiro afirma ter feito aportes financeiros relevantes que foram essenciais para o boom na carreira da cantora, e mesmo assim ela, junto com seus pais, e outros empresários, acabaram por afastá-lo de shows de forma unilateral, atitude classificada pelo empresário como “desonesta, criminosa, injusta, imoral e ilegal”.
O investidor continua afirmando que tentou, por várias vezes, tentar chegar a um acordo, mas as conversas teriam sido encerradas de forma abrupta pelos pais da sertaneja.
Agesner ajuizou ação de prestação de contas, mas não parou por aí. Ele denunciou Ana Castela, seus pais e alguns empresários ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC-SP), que serão investigados pelos crimes de lavagem de dinheiro, estelionato, apropriação indébita, furto qualificado e organização criminosa. Segundo a denúncia, diversas empresas foram criadas para desviar os recursos de forma ilícita.
O empresário também acusou Castela de ter contratado, como advogado de defesa, o irmão do juiz inicialmente responsável pelo caso na 7ª Vara Cível de Londrina/PR.
Reação da Cantora Ana Castela
A Boiadeira não deixou barato. Ela se manifestou no processo judicial, alegando que o contrato com o empresário foi encerrado em 2022, e que assinou o contrato antes de atingir a maioridade.
A cantora afirmou que Agesner busca, na verdade, enriquecer de forma indevida às suas custas.
Portanto, o ponto central da discussão jurídica levantada por Ana Castela é o vício de vontade na celebração do contrato.
Ela defende que o contrato assinado com Agesner é nulo por vício de vontade, e que o contrato válido é o celebrado com seus atuais empresários, Rodolfo e Raphael, que acabou redundando na criação de uma sociedade, que é a atual responsável pelo agenciamento de sua carreira.
Vamos entender melhor esse imbróglio referente ao contrato.
Ana Castela ajuizou uma ação judicial pedindo a declaração de nulidade do contrato celebrado com Monteiro. Nesse contrato, Rodolfo e Raphael aparecem como intervenientes.
A cantora levanta os seguintes argumentos para rebater a acusação de fraude:
- O contrato não tem validade jurídica, pois foi assinado com vício de consentimento, às pressas, sem chances de lê-lo por completo ou revisá-lo, sendo ela menor de idade à época;
- Monteiro teria se comprometido, no contrato, a investir R$100.000,00 na carreira da Boiadeira, mas ele teria investido apenas R$20.000,00;
- O contrato é desequilibrado e abusivo, beneficiando o empresário, que receberia parte dos lucros sem precisar fazer nada.
Requisitos de validade do negócio jurídico
A doutrina, com amparo no artigo 104 do código civil, elenca os requisitos de validade do negócio jurídico, gênero do qual o contrato é espécie.
- agente capaz
- objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
- forma prescrita ou não defesa em lei.
- livre manifestação de vontade.
Nulidade do Negócio Jurídico
É nulo o negócio jurídico quando:
- celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
- for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
- o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
- não revestir a forma prescrita em lei;
- for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
- tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
- a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Princípio da livre manifestação de vontade
Os contratos são regidos pelo princípio da livre manifestação de vontade, que pode ser entendido sob duas perspectivas, a saber:
- Livre escolha de contratar, ou seja, ninguém será obrigado a contratar com outrem contra sua vontade; e
- Liberdade contratual, que trata sobre a capacidade de regular, livremente, os termos do contrato realizado.
A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato, como dispõe o artigo 421 e 2.035, ambos do código civil, mesmo aplicando o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual nas relações privadas.
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Código Civil)
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. (Código Civil)
O código civil, em seus artigos 3º e 4º, considera:
- Absolutamente incapazes: Menores de 16 anos.
- Relativamente incapazes: Maiores de 16 anos e menores de 18 anos.
Importante pontuar que o simples fato de a cantora Ana Castela ainda não ter atingido a maioridade à época da assinatura do contrato não é causa de nulidade, já que os relativamente incapazes podem ser assistidos (geralmente pelos pais).
O que decidirá se houve ou não nulidade do contrato será, de fato, a comprovação ou não do vício de vontade, o que dependerá de instrução probatória.
Vício de vontade é um defeito que ocorre quando a vontade do agente não é expressa de forma livre e consciente, seja por erro, dolo, coação, estado de perigo, ignorância, lesão ou fraude.
Ótimo tema para ser cobrado em provas de direito civil, por isso, muita atenção!
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