A Lei nº 14.987/2024 altera o ECA para garantir atendimento psicossocial a crianças e adolescentes cujos pais estejam presos em regime fechado ou sejam vítimas de violência grave, promovendo suporte emocional e social a jovens em situação de vulnerabilidade.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Sancionada a Lei nº 14.987/2024, que altera o ECA (Lei nº 8.069/90). A referida lei estende o direito ao atendimento psicossocial às crianças e aos adolescentes que tiverem qualquer dos pais ou responsáveis vitimado por grave violência ou preso em regime fechado.
Alteração do ECA: Ampliação do artigo 87
O artigo 87, do ECA, trazia, como linha de ação da política de atendimento à criança e ao adolescente, dentre outros, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.
Com a nova lei, o artigo 87, III, do ECA, passa a ter uma nova redação. Vejamos:
Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: ... III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão e às crianças e aos adolescentes que tiverem qualquer dos pais ou responsáveis vitimado por grave violência ou preso em regime fechado; (ECA)
A mudança traz uma proteção adicional a crianças e adolescentes que tiverem pai, mãe ou responsáveis vítimas de grave violência ou que estiverem presos em regime fechado, o que, infelizmente, é muito mais comum do que se imagina.
Além disso, essa proteção extra se dá através da disponibilização de um suporte social e psicológico aos jovens em situação de vulnerabilidade familiar.
O atendimento psicossocial oferecido a essas crianças e adolescentes consiste em uma assistência multidisciplinar integrada, com acompanhamento psicológico e apoio social, sempre visando diminuir ao máximo os efeitos negativos decorrentes de situações de grave violência ou de reclusão prisional dos pais ou responsáveis, e que acabam, no final das contas, por afetar diretamente o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
A Constituição Federal garante, em seu artigo 227, proteção integral à criança e ao adolescente:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. CF/88
A norma infraconstitucional por excelência para a tutela dos jovens é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90), cujo artigo 7º garante à criança e ao adolescente o direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
E a garantia do direito à saúde dos jovens passa, necessariamente, pela garantia da saúde mental. Ou seja, ao se conceber cuidados em saúde, devem ser consideradas as dimensões biológica, psíquica e social dos indivíduos.
Diferença entre criança e adolescente
Importante diferenciar, do ponto de vista legal, a figura da criança e do adolescente.
Dessa forma, de acordo com o artigo 2º, do ECA:
- Criança: A pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos.
- Adolescente: Aquela pessoa entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.
Por outro lado, o Ministério da Saúde segue a convenção elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que preleciona o seguinte:
- Criança: Do nascimento aos 9 anos;
- Adolescência: Dos 10 aos 19 anos, 11 meses e 29 dias;
- Juventude: Entre 15 e 24 anos.
Assim, isso significa que os últimos anos da adolescência se misturam com os primeiros anos da juventude.
O Ministério da Saúde adota ainda o termo “pessoas jovens” para se referir ao conjunto de adolescentes e jovens. Ou seja, à abrangente faixa compreendida entre 10 e 24 anos.
Diretrizes de uma política de saúde mental infantojuvenil
A doutrina especializada elenca, como diretrizes de uma política de saúde mental infantojuvenil:
- A criança e o adolescente são sujeitos e, como tal, são responsáveis por sua demanda e seu sintoma;
- Acolhimento universal;
- Encaminhamento implicado e corresponsável (direcionamento ao serviço de saúde mais adequado);
- Construção permanente da rede e da intersetorialidade (rede de profissionais, ações e serviços para a garantia do amplo acesso);
- Trabalho no território (o território é o lugar psicossocial do sujeito; é onde a vida acontece);
- Avaliação das demandas e construção compartilhada das necessidades de saúde mental.
Importância do acompanhamento psicológico
Portanto, a extensão, como dever do estado, do atendimento psicossocial às crianças e aos adolescentes de pais submetidos a grave violência ou presos em regime fechado se materializa como uma importante política pública voltada à saúde dos nossos jovens.
O relator do então projeto de lei, senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, defendeu a importância do acompanhamento psicológico para esses jovens:
“É fundamental o encaminhamento de crianças e adolescentes cujo os pais ou responsáveis foram vítimas de violência grave para serviços de atenção psicossocial a fim de abordar o problema antes mesmo que ele se torne mais grave e, potencialmente, irreversível.”
A submissão dos pais a situações de violência grave ou que estejam presos no regime fechado se constitui como um fator desestruturante para o desenvolvimento psicológico e social do menor, e é um dos fatores responsáveis por impedir ou dificultar que esse jovem tenha plenas condições de se tornar um adulto saudável, bem resolvido e capaz de passar pelos obstáculos da vida.
Conclusão – Alteração do ECA
Por fim, essa mudança legislativa vem em boa hora, tentando apoiar esses jovens em um momento tão crucial da vida para a estabilização de sua personalidade.
O crescimento de uma criança sem a presença dos pais, ou em um ambiente onde esses mesmos pais estão submetidos a uma violência grave, corre sérios riscos, sendo, de fato, necessária a intervenção do Estado na prestação de um atendimento psicológico e social humanizado e centrado no bem-estar do menor.
Dessa forma, o grande objetivo desse direito de atendimento psicossocial é melhorar a qualidade de vida das crianças, adolescentes e seus familiares. Restituindo aspectos emocionais e sociais com uma atuação mais próxima, promovendo a escuta técnica, o acolhimento e o cuidado necessários. Capacitando-os, assim, para uma vida adulta plena, saudável, responsável e reflexiva.
Tema interessante, e que pode ser cobrado em provas relacionadas à criança e ao adolescente, ou mesmo em provas de direito constitucional.
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