Decreto nº 12.154/2024 – Alistamento Militar Feminino Voluntário no Brasil – Análise Jurídica

Decreto nº 12.154/2024 – Alistamento Militar Feminino Voluntário no Brasil – Análise Jurídica

Introdução 

O governo federal brasileiro publicou no Diário Oficial da União de 28 de agosto de 2024 o Decreto nº 12.154, de 27 de agosto de 2024, que estabelece as normas para o alistamento militar feminino voluntário no país. 

Esta medida representa um marco significativo na história das Forças Armadas brasileiras, abrindo novas possibilidades para a participação feminina em todos os níveis da carreira militar, e vamos analisar cuidadosamente para você entender. 

Historicamente, a participação feminina nas Forças Armadas brasileiras era limitada a cargos de nível superior, como médicas, engenheiras e coordenadoras de tráfego aéreo, acessíveis apenas através dos cursos de formação de suboficiais e oficiais. 

O alistamento aos 18 anos, até então, era restrito aos homens, seja por convocação obrigatória ou de forma voluntária. 

Ademais, o novo decreto fundamenta-se no art. 5º, § 2º, da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar), e no art. 5º, § 2º e § 3º, do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966, que regulamenta a Lei do Serviço Militar. 

Principais disposições do Decreto nº 12.154/2024 

O decreto em sua íntegra pode ser conferido aqui.

Voluntariedade do alistamento 

O decreto estabelece que o serviço militar feminino será inicialmente voluntário

Assim, as mulheres interessadas deverão se apresentar para o recrutamento, que compreende as etapas de alistamento, seleção e incorporação.

Art. 1º Este Decreto estabelece os procedimentos necessários para o recrutamento, a incorporação e a prestação do serviço militar inicial por mulheres voluntárias no âmbito das Forças Armadas.

Art. 2º Fica definida como serviço militar inicial feminino a prestação do serviço militar inicial por mulheres que se apresentem, voluntariamente, para o recrutamento, nos termos do disposto no art. 5º, § 2º, do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966.

Art. 3º O recrutamento para o serviço militar inicial feminino compreende as seguintes etapas: 

I - alistamento;
II - seleção; e
III - incorporação.

Período de alistamento 

O alistamento ocorrerá no período de janeiro a junho do ano em que a mulher voluntária completar 18 anos de idade. 

Dessa maneira, a disposição alinha o processo de alistamento feminino ao masculino em termos de faixa etária.

Art. 5º O alistamento ocorrerá no período de janeiro a junho do ano em que a mulher voluntária completar dezoito anos de idade.

Processo de seleção 

A seleção atenderá aos critérios específicos definidos pelas Forças Armadas e observará o correspondente plano geral de convocação, aprovado pelo Ministro de Estado da Defesa. 

Esse processo poderá compreender múltiplas etapas, incluindo uma inspeção de saúde composta por exames clínicos e laboratoriais.

Art. 6º A seleção atenderá aos critérios específicos definidos pelas Forças Armadas e observará o correspondente plano geral de convocação, aprovado pelo Ministro de Estado da Defesa.

Art. 7º A seleção será realizada conforme o disposto no art. 39 do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966, e poderá compreender mais de uma etapa, inclusive a que trata da inspeção de saúde.

Parágrafo único. A inspeção de saúde será constituída de exames clínicos e laboratoriais que atestem que a alistada não tem limitações à prestação do serviço militar inicial.

Natureza mista do serviço militar feminino

O decreto estabelece uma natureza mista para o serviço militar feminino:

  1. Fase inicial facultativa: o alistamento e a seleção são voluntários para as mulheres. O Art. 9º estabelece que “As alistadas selecionadas poderão desistir do serviço militar inicial feminino até o ato oficial de incorporação”.
  2. Fase obrigatória após incorporação: conforme o Art. 10, “A partir do ato oficial de incorporação, o serviço militar inicial feminino se tornará de cumprimento obrigatório, e a militar ficará sujeita aos direitos, aos deveres e às penalidades, nos termos do disposto na Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964, e no Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966”.

É importante notar que, de acordo com o Art. 8º, “As alistadas selecionadas serão incorporadas de acordo com as necessidades das Forças Armadas”, indicando que nem todas as voluntárias serão necessariamente incorporadas.

Estabilidade e reserva

Em seguida, o decreto estabelece que as mulheres voluntárias não adquirirão estabilidade no serviço militar e passarão a compor a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligadas do serviço ativo.

Art. 14. As mulheres voluntárias não adquirirão estabilidade no serviço militar e passarão a compor a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligadas do serviço ativo.

O decreto fundamenta-se em legislações anteriores, adaptando-as para incluir as mulheres no serviço militar inicial:

  1. Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), Art. 5º § 2º: “Poderão ser aceitos como voluntários os brasileiros a que se refere o art. 13 desta Lei, bem como os brasileiros natos ou naturalizados que concluírem ou estiverem cursando o ensino de grau superior.”
  2. Decreto nº 57.654/1966 (Regulamento da Lei do Serviço Militar):
    • Art. 5º § 2º: Repete o texto da Lei nº 4.375/1964.
    • Art. 5º § 3º: “Os voluntários de que trata o parágrafo anterior serão alistados mediante apresentação do Certificado de Alistamento Militar (CAM) e, se considerados aptos em inspeção de saúde, serão incorporados às Forças Armadas.”
    • Art. 39: Define o processo de seleção, que compreende uma seleção inicial e uma seleção complementar.

Análise crítica

Avanços na igualdade de gênero

A abertura do alistamento militar para mulheres representa um avanço significativo na promoção da igualdade de gênero nas Forças Armadas brasileiras.

Esta medida alinha-se com tendências internacionais de ampliar a participação feminina em todas as esferas militares.

Caráter misto: voluntário e obrigatório

Alistamento

A natureza mista do serviço militar feminino – inicialmente voluntário e posteriormente obrigatório após a incorporação – representa uma abordagem única.

Esta estrutura permite às mulheres a escolha inicial de se alistar, mas também garante o compromisso e a disciplina necessários uma vez incorporadas às Forças Armadas.

Isso difere do serviço militar masculino, que é obrigatório desde o início, levantando questões sobre a equidade de tratamento entre os gêneros no contexto militar.

Implementação e impacto na carreira militar feminina

A implementação deste novo sistema de alistamento feminino pode enfrentar desafios culturais. Isto é, as Forças Armadas precisarão adaptar suas infraestruturas e procedimentos para acomodar um afluxo potencial de recrutas femininas, além de trabalhar na mudança de cultura institucional para garantir um ambiente inclusivo e livre de discriminação.

Por outro lado, a abertura do alistamento aos 18 anos para mulheres pode potencialmente aumentar a representação feminina em todos os níveis da hierarquia militar a longo prazo, oferecendo mais oportunidades de carreira e progressão.

Direito comparado: alistamento feminino em outros países

Estados Unidos1

Nos EUA, o alistamento militar é voluntário tanto para homens quanto para mulheres desde 1973. Em 2015, todas as posições de combate foram abertas para mulheres.

Israel2

Israel é um dos poucos países onde o serviço militar é obrigatório tanto para homens quanto para mulheres, com algumas exceções baseadas em motivos religiosos ou familiares.

Noruega3

Em 2015, a Noruega tornou-se o primeiro país da OTAN a introduzir o serviço militar obrigatório para ambos os sexos.

Suécia4

A Suécia reintroduziu o serviço militar obrigatório em 2017, aplicável tanto a homens quanto a mulheres.

Reino Unido5

O Reino Unido permite o alistamento voluntário de mulheres desde a década de 1990, e em 2018 abriu todas as funções de combate para mulheres.

Conclusão

Por fim, o Decreto nº 12.154/2024 marca um momento histórico para as Forças Armadas brasileiras e para a igualdade de gênero no país.

Ao permitir o alistamento voluntário de mulheres aos 18 anos, o Brasil alinha-se a uma tendência global de maior inclusão feminina nas forças militares.

A natureza mista do serviço militar feminino – voluntário no início e obrigatório após a incorporação – representa uma abordagem inovadora que busca equilibrar a liberdade de escolha com as necessidades disciplinares das Forças Armadas. No entanto, esta diferença em relação ao serviço militar masculino pode ser fonte de debates futuros sobre igualdade de tratamento.

A implementação bem-sucedida desta nova política dependerá de mudanças significativas na infraestrutura e na cultura das Forças Armadas. Será crucial monitorar de perto os impactos desta política, tanto em termos de igualdade de gênero quanto de eficácia operacional das Forças Armadas.

À medida que o Brasil avança nesta nova era de participação militar feminina, futuros ajustes na legislação podem ser necessários para abordar quaisquer desafios ou disparidades que surjam durante a implementação desta importante mudança.

O Decreto nº 12.154/2024 representa não apenas uma mudança legal, mas um passo significativo na evolução das Forças Armadas brasileiras e na busca por uma sociedade mais igualitária.


  1. Disponível em: <https://www.pewresearch.org/short-reads/2019/04/23/fewer-than-a-third-of-countries-currently-have-a-military-draft-most-exclude-women/>. ↩︎
  2. Disponível em: <https://247wallst.com/special-report/2023/07/04/13-countries-with-required-military-service-for-men-and-women/>. ↩︎
  3. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Women_in_the_military_by_country>. ↩︎
  4. Disponível em: <https://theweek.com/defence/the-issue-of-women-and-conscription>. ↩︎
  5. Disponível em: <https://www.theweek.co.uk/>. ↩︎

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