Prof. Gustavo Cordeiro
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu petição acusando o ministro Alexandre de Moraes de “violações sistemáticas de direitos humanos” no Brasil. O caso representa um marco importante para compreender como funciona o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e certamente será objeto de questões em concursos públicos, especialmente para carreiras jurídicas.
O caso Alexandre de Moraes
A petição enviada à CIDH aponta diversas condutas supostamente violadoras de direitos humanos praticadas por autoridades brasileiras, tendo como figura central o ministro Alexandre de Moraes. O documento, cujo autor solicitou sigilo alegando temer represálias, menciona episódios relacionados especialmente aos desdobramentos do 8 de Janeiro de 2023.
Entre as principais acusações estão “prisões preventivas em massa, sem fundamentação individualizada ou tempo razoável de detenção” e decisões judiciais tomadas “sem contraditório nem ampla defesa”. Além disso, o texto destaca as detenções ocorridas em 9 de janeiro de 2023, quando mais de 1,4 mil pessoas foram conduzidas a um ginásio da Polícia Federal, supostamente sob condições insalubres e com base apenas em geolocalização ou proximidade dos locais dos atos.
A denúncia não se limita ao ministro Moraes, estendendo-se a outras instituições. A Procuradoria-Geral da República é acusada de omissão diante de supostos abusos do Judiciário. O Executivo é criticado por uma postura “conivente e silenciosa”, enquanto o TSE é descrito como “agente ativo de censura prévia”. O Congresso Nacional aparece como “negligente na defesa do equilíbrio entre os Poderes”.
Ademais, parlamentares como Nikolas Ferreira, Gustavo Gayer, Bia Kicis, Damares Alves e Marco Feliciano são citados como alvos de “constrangimentos institucionais e perseguições judiciais”. Comunicadores como Allan dos Santos, Paula Schmitt e Rodrigo Constantino também são mencionados como vítimas de bloqueios e censura em redes sociais.
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos
Pois bem, para compreender a gravidade e as implicações desta denúncia, é fundamental entender como funciona o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, criado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Dois órgãos principais compõem este sistema: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ambos têm competência para conhecer de assuntos relacionados ao cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-partes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
O Brasil aderiu à Convenção Americana em 25 de setembro de 1992, por meio do Decreto 678/92, assumindo o compromisso de respeitar os direitos nela reconhecidos e garantir seu livre exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição. Importante destacar que o governo brasileiro fez uma declaração interpretativa específica sobre os artigos 43 e 48, esclarecendo que estes “não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado”.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos
A CIDH é composta por sete membros eleitos pela Assembleia Geral da OEA por quatro anos, podendo ser reeleitos uma vez. Sua principal função é promover a observância e defesa dos direitos humanos, estimulando a consciência desses direitos nos povos da América e formulando recomendações aos governos.
Dessa forma, qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não governamental pode apresentar petições à Comissão contendo denúncias de violação da Convenção por um Estado-parte. Este é exatamente o caso da denúncia contra Alexandre de Moraes – uma petição individual alegando violações de direitos humanos por autoridades brasileiras.
Tramitação na CIDH: requisitos de admissibilidade
Para que a CIDH admita uma petição, deve-se preencher requisitos específicos estabelecidos no artigo 46 da Convenção Americana. É necessário que tenham sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, que seja apresentada dentro do prazo de seis meses da decisão definitiva, que a matéria não esteja pendente de outro processo internacional, e que contenha identificação adequada do peticionário.
Inclusive, existem exceções importantes a esses requisitos. Quando não existir devido processo legal na legislação interna para proteção do direito violado, quando o presumido prejudicado não tiver acesso aos recursos internos ou quando houver demora injustificada na decisão, a CIDH pode aceitar a petição mesmo sem o esgotamento dos recursos internos.
No caso da denúncia contra Moraes, a petição sustenta que o sistema jurídico nacional estaria “disfuncional, parcial e ineficaz diante de abusos de autoridade”. Isso poderia justificar a não exigência do esgotamento prévio dos recursos internos.
Procedimento na Comissão
Uma vez recebida a petição, a CIDH analisa inicialmente sua admissibilidade. Se reconhecer que preenche os requisitos, solicitará informações ao governo brasileiro, que deve respondê-las dentro de prazo razoável fixado pela Comissão. A partir daí, a CIDH procederá ao exame do assunto, podendo realizar investigações se necessário e conveniente.
Durante todo o processo, a Comissão se põe à disposição das partes para buscar uma solução amistosa fundada no respeito aos direitos humanos. Se não houver acordo, a CIDH redige um relatório com suas conclusões e o encaminha aos Estados interessados. Neste relatório, pode formular proposições e recomendações que julgar adequadas.
Se no prazo de três meses o assunto não for solucionado ou submetido à Corte, a CIDH pode emitir sua opinião e conclusões, fixando prazo para que o Estado tome as medidas necessárias. Transcorrido esse prazo, a Comissão decide se publica ou não seu relatório, exercendo uma espécie de “pressão política” internacional sobre o Estado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos
Apenas os Estados-partes e a CIDH podem submeter casos à decisão da Corte Interamericana. Para que a Corte possa conhecer de qualquer caso, é necessário que se esgotem os processos previstos na Comissão. Além disso, o Estado deve ter reconhecido expressamente a competência da Corte.
O Brasil reconheceu a competência obrigatória da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998, por meio do Decreto Legislativo 89/98. Isso significa que, caso a CIDH decida submeter o caso à Corte após esgotar o procedimento na Comissão, o Brasil estará obrigado a aceitar a jurisdição do tribunal internacional.
Medidas cautelares e provisórias
Um aspecto importante do caso é que a petição solicita que a CIDH adote “medidas cautelares urgentes”. A Comissão pode solicitar ao Estado medidas cautelares quando houver situação de gravidade e urgência para evitar danos irreparáveis às pessoas. Da mesma forma, a Corte pode determinar medidas provisórias em casos de extrema gravidade e urgência.
Essas medidas têm caráter obrigatório e visam proteger direitos enquanto tramita o caso principal. No contexto da denúncia contra Moraes, tais medidas poderiam incluir a suspensão de determinadas práticas ou a garantia de que não haverá represálias contra denunciantes e opositores políticos.
Precedentes e contexto internacional
O Brasil já passou por diversas condenações pela Corte Interamericana em casos emblemáticos como Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde e Favela Nova Brasília. Essas condenações estabeleceram importantes precedentes sobre responsabilidade estatal por violações de direitos humanos.
A denúncia contra Alexandre de Moraes insere-se em um contexto internacional de crescente preocupação com o que se convencionou chamar de “erosão democrática” ou “autoritarismo judicial”. Diversos países da região têm enfrentado questionamentos sobre o uso do sistema de justiça para fins de perseguição política, fenômeno conhecido como “lawfare”.
Impactos e repercussões possíveis
Se a CIDH decidir pela admissibilidade da petição e prosseguir com o caso, o Brasil enfrentará escrutínio internacional sobre suas práticas de direitos humanos, especialmente em relação à liberdade de expressão, devido processo legal e separação de poderes. Assim, uma eventual condenação pela Corte Interamericana criaria obrigação internacional de reparar os danos e adequar as práticas às normas internacionais.
Do ponto de vista interno, o caso pode gerar importantes debates sobre os limites da atuação do Poder Judiciário, especialmente em contextos de polarização política. Dessa forma, a discussão sobre “ativismo judicial” versus “garantismo” ganha nova dimensão quando analisada sob a ótica do direito internacional dos direitos humanos.
Defesas possíveis do Estado brasileiro
O Brasil pode apresentar várias linhas de defesa caso o processo avance. Primeiro, pode questionar a admissibilidade da petição, alegando que não foram esgotados os recursos internos ou que as alegações são manifestamente infundadas. Segundo, pode sustentar que as medidas adotadas foram legítimas e proporcionais para proteger a ordem democrática e a segurança nacional.
Por conseguinte, o Estado também pode invocar a margem de apreciação nacional, argumentando que as decisões judiciais internas devem ser respeitadas pela jurisdição internacional, especialmente quando tomadas em contexto de crise institucional. A defesa da separação de poderes e da independência judicial são argumentos tradicionalmente invocados em casos dessa natureza.
Como o tema pode ser cobrado em concursos
O caso Alexandre de Moraes na CIDH oferece excelente oportunidade para questões de concurso sobre direito internacional dos direitos humanos, tema cada vez mais presente em provas para carreiras jurídicas.
QUESTÃO MODELO (Estilo CESPE/FGV)
João, cidadão brasileiro, pretende denunciar supostas violações de direitos humanos praticadas por autoridades nacionais perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Considerando as disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a jurisprudência consolidada, assinale a alternativa correta:
A) A petição só pode ser apresentada pelo próprio prejudicado, sendo vedada a representação por terceiros ou entidades não governamentais.
B) É obrigatório o esgotamento prévio de todos os recursos da jurisdição interna, não havendo exceções a esta regra.
C) A petição deve ser apresentada no prazo de seis meses a partir da violação, independentemente de ter havido decisão definitiva na jurisdição interna.
D) A CIDH pode dispensar o esgotamento dos recursos internos quando não existir devido processo legal para proteção do direito violado ou houver demora injustificada.
E) Somente Estados-partes podem apresentar petições à CIDH, sendo vedado o acesso direto de pessoas físicas ou jurídicas.
RESPOSTA: D
FUNDAMENTAÇÃO:
A resposta correta é a alternativa D, com base no artigo 46 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O parágrafo 2º deste artigo estabelece expressamente as exceções ao requisito de esgotamento dos recursos internos: quando não existir na legislação interna o devido processo legal para proteção do direito violado; quando não se houver permitido ao presumido prejudicado o acesso aos recursos internos; e quando houver demora injustificada na decisão sobre tais recursos.
Assim, as demais alternativas estão incorretas: a) qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não governamental pode apresentar petições (art. 44); b) há exceções expressas ao esgotamento dos recursos internos (art. 46, §2º); c) o prazo de seis meses conta da notificação da decisão definitiva, não da violação em si (art. 46, §1º, b); e) pessoas físicas e jurídicas têm acesso direto à CIDH (art. 44).
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