O Ministro Alexandre de Moraes autoriza investigar, por incitação ao crime, prefeito que sugeriu colocá-lo em guilhotina.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
O prefeito de Farroupilha/RS, Fabiano Feltrin, afirmou, em transmissão ao vivo pelo Instagram, que se fosse fazer uma homenagem ao Ministro Alexandre de Moraes, esta seria colocá-lo na guilhotina.
“É só botar ele aqui na guilhotina, ó. Tá aqui a homenagem pra ele“, disse o prefeito, enquanto encenava uma decapitação na réplica de uma guilhotina. O ato ocorreu durante visita a Farroupilha do ex-presidente Jair Bolsonaro, que estava próximo ao prefeito.
Em decorrência desse fato, Paulo Gonet, atual Procurador-Geral da República, acionou a Suprema Corte, solicitando a investigação contra o prefeito “diante da gravidade da conduta“. No pedido, o PGR mencionou investigações sobre a existência de uma organização criminosa responsável por ataques sistemáticos a seus adversários, ao sistema eleitoral e às instituições públicas, por meio da propagação de notícias falsas e estímulo à violência contra autoridades da República.
O ministro Alexandre de Moraes, então, autorizou a abertura de investigação por incitação ao crime (crime do artigo 286 do Código Penal), concedendo prazo de 60 dias para a Polícia Federal concluir as investigações, e retirou qualquer sigilo sobre o caso.
“Acolho a manifestação da Procuradoria-Geral da República e determino o encaminhamento dos autos à Polícia Federal, para adoção das providências cabíveis, apresentando relatório a esta Suprema Corte, no prazo de 60 (sessenta) dias”, afirmou o Ministro na decisão.
Após o caso ganhar repercussão o prefeito divulgou nota negando qualquer incitação, alegando tratar-se de “uma brincadeira” com o nome do Ministro.
Prossegue o prefeito:
Análise jurídica
Agora que já sabemos o que aconteceu, e o contexto que envolve o fato, vamos à análise jurídica do episódio.
Incitação ao crime x apologia de crime
O Código Penal prevê, em seu artigo 286, o crime de incitação ao crime, que não se confunde com apologia de crime (artigo 287). Ambos são crimes contra a paz pública, e têm como sujeito passivo a coletividade, mas são fatos típicos distintos.
Importante lembrar que, para a configuração de ambos os delitos (incitação ao crime e apologia ao crime), é essencial que o estímulo (no caso da incitação) e o elogio (no caso da apologia) sejam públicos. Não sendo punidas, portanto, as conversas havidas em ocasiões mais reservadas, como numa reunião familiar, por exemplo.
A doutrina elenca como elementos necessários para a configuração do crime de incitação ao crime:
- Incitação pública: a incitação deve ocorrer publicamente, de modo que seja acessível a um número considerável de pessoas;
- Prática de crime: a incitação deve ser direcionada à prática de um crime específico;
- Consciência de que o ato é um crime: o agente ativo deve estar ciente de que o que está fazendo é um crime;
- Vontade de que o crime seja cometido: o agente ativo deve querer de fato que o crime que está incitando seja feito.
Código Penal Incitação ao crime Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. Apologia de crime ou criminoso Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
A grande discussão aqui é saber se a fala do prefeito se insere dentro da categoria jocosa, como mera piada ou brincadeira contra o Ministro, ou se, de fato, o discurso consistiu em estímulo direito e público ao cometimento de violência dirigida a Alexandre de Moraes. Neste último caso, o fato se enquadraria como crime de incitação ao crime.
Liberdade de expressão
Importante lembrar que a nossa Constituição garante o direito à liberdade de expressão:
CF/88 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; ... Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. ... § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Mas não existem direitos absolutos. Qualquer direito deve observar as balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea, mas não pode ser exercida de maneira a caluniar, difamar, injuriar, humilhar o destinatário da mensagem, ou mesmo para incitar a coletividade ao cometimento de crimes.
Investigação e punição
Caberá à Polícia Federal realizar as investigações necessárias, e ao Judiciário fazer esse controle e essa ponderação no caso concreto, devendo afastar, de forma contundente, tanto a censura prévia quanto a punição por mera fala infeliz, sem o dolo específico e necessário para o cometimento do crime.
Tema sempre instigante, polêmico, e adequado para ser cobrado em provas de direito constitucional, direito penal e direitos humanos. Portanto, ficar atento.
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