Análise jurídica – Sessão de júri em que promotor chamou advogado de “palhaço” é anulada

Análise jurídica – Sessão de júri em que promotor chamou advogado de “palhaço” é anulada

Introdução

No dia 31 de julho de 2024, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) anulou uma sessão de julgamento do Tribunal do Júri, na qual o promotor de Justiça chamou o advogado do réu de “palhaço” reiteradas vezes.

A decisão unânime teve como relator o desembargador Gamaliel Seme Scaff, que destacou a necessidade de manter a seriedade e a urbanidade no Tribunal do Júri para garantir a imparcialidade do julgamento.

Contexto do caso

O caso envolvia a ré Débora Norcia, condenada por homicídio qualificado com pena de 16 anos e 7 meses de reclusão.

O crime ocorreu em 21 de agosto de 2016, quando Débora matou Daniel José Arcanjo com um tiro enquanto ele dormia, motivada pelo recebimento de um benefício de previdência privada.

Insatisfeita com a condenação, a defesa de Débora apelou, alegando várias nulidades na sessão de julgamento, incluindo a quebra de decoro pelo promotor de Justiça​​.

Decisão da 1ª Câmara Criminal do TJPR

A 1ª Câmara Criminal do TJPR, ao julgar o recurso, enfatizou que o Tribunal do Júri deve ser um ambiente de respeito e seriedade.

Advogado

Segundo o relator, desembargador Gamaliel Seme Scaff, a atuação teatral no júri é aceitável até certo ponto, mas não pode descambar para ofensas pessoais, que podem influenciar negativamente o Conselho de Sentença e prejudicar a defesa (advogados) do réu.

Fundamentação Jurídica

Fundamentou-se a decisão em diversos dispositivos legais e princípios constitucionais que asseguram a urbanidade e o devido processo legal:

  1. Princípio da Plenitude de Defesa:
    • Art. 5º, XXXVIII, ‘a’ da Constituição Federal: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a plenitude de defesa”.
    • A plenitude de defesa garante ao réu não apenas o direito de ser defendido, mas de ter uma defesa respeitada e sem ser desqualificada por ofensas pessoais.
  2. Princípio do Devido Processo Legal:
    • Art. 5º, LIV da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
    • O devido processo legal implica que todas as partes envolvidas no julgamento sejam tratadas com respeito e dignidade, sem que ocorram abusos ou ofensas que possam prejudicar a defesa.
  3. Princípio da Ampla Defesa e Contraditório:
    • Art. 5º, LV da Constituição Federal: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
    • A ampla defesa abrange não só a possibilidade de apresentar argumentos e provas, mas também a garantia de que se faça a defesa de forma respeitosa e sem interferências indevidas.
  4. Respeito à Dignidade da Pessoa Humana:
    • Art. 1º, III da Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana”.
    • Deve-se observar a dignidade da pessoa humana em todas as etapas do processo, incluindo o respeito aos advogados que atuam na defesa dos réus.
  5. Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993):
    • Art. 42, XI: “assegura ao membro do Ministério Público assento ao lado direito da autoridade judicial”.
    • Embora garanta prerrogativas ao Ministério Público, essa lei não autoriza comportamentos desrespeitosos que comprometam a dignidade do processo.

Citações dos Desembargadores

Desembargador Gamaliel Seme Scaff:

“Quando essa atuação descamba para ofensas de caráter personalíssimo à pessoa do defensor do acusado ou acusada, encerra-se nessa prática um efeito deletério e subliminar terrível, a saber, o da contaminação à pessoa que está sendo submetida a julgamento.”

Desembargador Xisto Pereira:

“É preciso que se respeite isso. Porque nós não sabemos o dia de amanhã. Hoje estamos aqui julgando, mas pode ocorrer que precisemos de um advogado no futuro. E se isso acontecer, queremos que nosso advogado seja respeitado.”

Casos relacionados de excesso de linguagem e nulidade no Júri

1. Excesso de linguagem em sentença de pronúncia

  • Caso adaptado:
    • O juiz, na sentença de pronúncia, afirmou que “pela dinâmica dos fatos, conforme relatado pelas testemunhas, demonstrou-se que o réu, agindo com ânimo homicida, por motivo fútil e empregando recurso que dificultou a defesa da vítima, matou Pedro da Silva. Não há que se falar em desclassificação já que o dolo de matar é evidente nos autos”.
    • Decisão do STJ (AgRg no HC 673.891-SP, 2022): anulou-se a sentença de pronúncia por excesso de linguagem, pois o magistrado não deve fazer juízo de certeza acerca da culpabilidade do réu na fase de pronúncia, apenas juízo de admissibilidade.

2. Indeferimento de pedido de uso de roupas civis pelo réu

  • Caso concreto:
    • O réu pediu para se apresentar no julgamento do júri com roupas civis. Porém, o juiz indeferiu sem fundamentação adequada, e o réu foi julgado com uniforme prisional.
    • Decisão do STJ (HC 778.503-MG, 2024): anulação de condenação, pois o uso de uniforme prisional poderia influenciar negativamente os jurados, violando o princípio da ampla defesa.

3. Falta de intimação de testemunha imprescindível

  • Caso concreto:
    • O Ministério Público não conseguiu intimar uma testemunha imprescindível para o julgamento, e o juiz não adiou a sessão do júri.
    • Decisão do STJ (AgRg no REsp 1.989.459-MG, 2023): anulação de sessão por violação ao princípio do contraditório, pois o MP deveria ter tido a oportunidade de localizar a testemunha.

Impacto da Decisão

A anulação da sessão do Tribunal do Júri e a determinação de um novo julgamento com observância das normas de respeito e urbanidade são formas de buscar restaurar a integridade do processo judicial.

Essa decisão serve como um alerta para que os atores do processo, incluindo promotores de Justiça e advogados, mantenham a devida conduta. Dessa forma, garante-se que o julgamento se concentre nos fatos e nas teses jurídicas, e não em disputas pessoais.

Como o tema já caiu em concursos

(MPE-SP - 2022 - MPE-SP - Promotor de Justiça Substituto)

Constatado o excesso de linguagem na decisão de pronúncia do magistrado, incide nulidade. (Certo)

Conclusão

A decisão da 1ª Câmara Criminal do TJPR ao anular a sessão do Tribunal do Júri por ofensas do promotor ao advogado do réu sublinha a importância de manter a seriedade e o respeito nas sessões de julgamento.

Essa medida visa assegurar que a condução dos julgamentos ocorra de maneira justa e imparcial, protegendo os direitos do réu e a integridade do processo judicial.


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