Guilherme Carneiro de Rezende
Explicação do caso
Na noite de 30 de julho, em Dourados (MS), um adolescente de 17 anos matou o padrasto com golpes de machado após presenciar sua mãe sendo agredida a pauladas pelo companheiro. Segundo relato do jovem à Polícia Militar, o agressor chegou em casa por volta das 22h, começou a fazer ameaças e, em seguida, atingiu a mãe com um golpe na cabeça utilizando um pedaço de pau.
Diante da cena, o adolescente reagiu com um machado, atingindo o padrasto pelas costas e, posteriormente, desferindo diversos golpes que resultaram na decapitação e esquartejamento do corpo da vítima. O adolescente permaneceu no local até a sua apreensão em flagrante. A arma do crime foi recolhida para perícia e o corpo encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML).
O jovem alegou ter agido para defender sua mãe das agressões. O caso chocou a opinião pública não apenas pela brutalidade dos fatos, mas também por envolver temas sensíveis como violência doméstica, legítima defesa e a responsabilização penal de crianças e adolescentes.
Aspectos jurídicos relevantes
Do ponto de vista jurídico, o adolescente não poderá ser responsabilizado penalmente nos moldes do Código Penal, conforme estabelece o art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990): “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.” Assim, a conduta será tratada como ato infracional, nos termos do art. 103 do ECA. O Ministério Público não oferecerá denúncia, mas representação. Eventual punição será por medida socioeducativa, e não pena.
No plano material, deve-se analisar a alegação de legítima defesa conforme o art. 23, II, do Código Penal, que exclui o crime quando o agente age em legítima defesa, e o art. 25 do mesmo diploma legal, que define a legítima defesa como o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro.
O relato indica agressão atual contra a mãe, o que caracteriza a presença da injusta agressão, elemento indispensável para a legítima defesa. Tudo indica que o adolescente presenciou efetivamente as agressões, inclusive uma delas teria sido um golpe de pau na cabeça da mãe, o que reforça que a situação se tratava de uma agressão efetivamente atual e não apenas iminente. Dessa forma, está presente o requisito da atualidade da agressão, previsto no art. 25 do Código Penal, que autoriza a reação para proteger a si ou a terceiros.
Como a defesa voltou-se à proteção de um terceiro — sua mãe —, trata-se de legítima defesa de terceiro, também contemplada no mesmo artigo.
No entanto, essa excludente de ilicitude não é irrestrita: exige que o agente use moderadamente dos meios necessários para repelir a agressão.
Excesso na legítima defesa

É nesse ponto que reside a controvérsia: a sequência de atos praticados após a primeira reação — decapitação e esquartejamento do agressor — pode constituir indicativo de excesso no exercício da legítima defesa. Caso se entenda que o primeiro golpe cessou ou neutralizou a agressão, os atos subsequentes superariam os limites da necessidade e da moderação exigidos pela lei.
Nessa hipótese, aplica-se o parágrafo único do art. 23 do Código Penal, que prevê a responsabilização apenas pelo excesso, seja este doloso (intencional) ou culposo (por imprudência, negligência ou imperícia). Se o excesso ocorrer com a vítima ainda em vida, caracterizando uma escalada na intensidade da violência após cessada a legítima defesa, o agente poderá responder por homicídio privilegiado, conforme o §1º do art. 121 do CP, caso esteja sob o domínio de violenta emoção logo após injusta provocação da vítima, o que permite ao juiz a redução da pena (ou, no caso do adolescente, ponderação na medida socioeducativa).
No entanto, se os atos extremos — como decapitação e esquartejamento — forem praticados após a morte da vítima, ou seja, quando o resultado morte já estiver consumado, o fato deixa de ter natureza homicida. Nessa situação, o adolescente poderá ser responsabilizado por ato infracional análogo ao crime de vilipêndio de cadáver, previsto no art. 212 do Código Penal, que pune quem “vilipendiar cadáver ou suas cinzas”.
Além disso, cabe avaliar se, naquele momento, era exigível do jovem conduta diversa, um dos elementos da culpabilidade. Sua vulnerabilidade emocional e a dramaticidade da situação são fatores a serem cuidadosamente ponderados.
Ainda que se reconheça um eventual excesso, sua responsabilização seguirá a sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente, com aplicação de medidas socioeducativas, jamais pena criminal.
Consequências
As consequências jurídicas e sociais do caso são múltiplas.
No campo jurídico, o adolescente poderá ser submetido a medida socioeducativa, mas não a uma pena, respeitando o sistema de proteção integral do ECA. A análise do excesso na legítima defesa será fundamental para determinar a gravidade da medida a ser aplicada.
Socialmente, o caso levanta o debate sobre a violência doméstica e os limites da reação à agressão. Muitas vezes, familiares de vítimas se tornam os únicos defensores diante da omissão estatal, o que potencializa tragédias como esta.
Como isso será cobrado na sua prova?
Questão objetiva:
Assinale a alternativa CORRETA sobre a legítima defesa e o excesso punível, conforme o Código Penal:
A) A legítima defesa exclui a ilicitude do fato, ainda que praticado contra agressão passada.
B) O excesso na legítima defesa torna o fato típico e ilícito, mas sempre isento de pena.
C) O agente que age em legítima defesa, mas utiliza meios desproporcionais, responde apenas pelo excesso, na forma dolosa ou culposa.
D) A legítima defesa de terceiro só é admitida quando o agressor estiver armado.
E) O excesso na legítima defesa não pode ser aplicado a menores de idade.
Resposta correta: C.
Fundamentação: segundo o art. 23, parágrafo único, do Código Penal, o agente que excede os limites da legítima defesa responde pelo excesso. Tal excesso pode ser doloso (intencional) ou culposo (por imprudência, negligência ou imperícia), e o agente responde apenas por esse excesso. A legítima defesa exige moderação nos meios utilizados, conforme previsto no art. 25 do CP.
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