Aborto parcial de Quíntuplos: Entenda o caso

Tribunal de Justiça de São Paulo concede ordem para aborto parcial de gravidez de quíntuplos.

Aborto parcial

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, concedeu ordem em habeas corpus para interrupção parcial de gravidez de quíntuplos[1] (redução gestacional). O fundamento para a concessão da ordem está relacionado ao risco de morte para a gestante, bem como em razão da alta probabilidade de inviabilidade dos embriões. 

Trata-se de caso em que uma mulher realizou uma fertilização in vitro e teve dois embriões implantados em seu útero. Ocorre que tal procedimento culminou na geração de cinco fetos, sendo três em um saco gestacional e outros dois em outro – situação absolutamente excepcional.

No caso, apresentou-se parecer médico no sentido de que a gestante não sobreviveria à gestação dos cinco fetos, somado ao risco de inviabilidade dos embriões. Vejamos a ementa da decisão:

"Habeas Corpus. Fato atípico. Pedido de interrupção de gravidez de quíntuplos. Direito de autonomia das mulheres. Gestante que corre risco de vida. Necessidade de alvará para a realização do procedimento cirúrgico.

1. Paciente submetida a procedimento de fertilização in vitro e teve dois embriões implantados em seu útero, os quais, por processo de subdivisão, resultaram em cinco fetos, suportando gravidez de quíntuplos. Situação absolutamente excepcional. Alegado risco de vida à gestante e inviabilidade de vida extrauterina de todos os cinco embriões.2. Panorama constitucional: precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre casos nos quais o abortamento, para além dos casos previstos em lei, é possível. Sobrevalorização dos direitos da mulher. Discussão acerca do status jurídico do embrião. Proteção do direito à vida do feto que diminui diante da necessidade de defesa e tutela dos direitos das mulheres, a depender do estágio de desenvolvimento biológico do embrião.3. Panorama internacional: ressignificação da autonomia da mulher e de todos os direitos inerentes a esta situação. Holofote para as decisões emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, também, da Corte Europeia de Direitos Humanos.4. Caso concreto: condição de saúde da paciente que é inédita. Fertilização de dois embriões mediante dois sacos gestacionais independentes que contêm, no entanto, gêmeos e trigêmeos, ambos univitelinos. Necessidade de se ponderar acerca das complicações inerentes à gravidez múltipla. Estudos científicos que apontam para a altíssima probabilidade de parto prematuro (eis que a gravidez não tem chance alguma de chegar a termo) aumentando o risco de morte fetal. Chance de vida extrauterina de todos os embriões de baixíssima expectativa. Redução da gestação que, excepcionalmente, apresenta-se como a solução mais adequada ao contexto e a resposta mais viável para se evitar resultados catastróficos e outros desdobramentos inimaginados, em detrimento da saúde da gestante e dos próprios fetos. Solução adotada que se aproxima daquela proposta quando do julgamento da ADPF 54/DF.5. Ordem concedida para se prestigiar, sobremodo, a igualdade de gênero e sobrevalorizar os direitos de todas as mulheres e meninas acerca da decisão com respeito a uma gravidez saudável e viável, com determinação para que seja expedido alvará, permitindo a realização do procedimento clínico cirúrgico o mais adequado para a situação em concreto”.

A doutrina propõe um duplo sentido do direito à vida, abrangendo não somente o direito de viver (não morrer), bem como o direito de viver dignamente (notadamente garantindo-se o mínimo existencial).

Importante destacar que nem mesmo o direito à vida possui caráter absoluto. Apenas de forma exemplificativa, podemos citar a ponderação do direito à vida nos casos de pena de morte em caso de guerra declarada, nos termos do art. 5º, XLVII, da Constituição Federal. Além disso, frise-se a flexibilização em casos de legítima defesa, estado de necessidade e em algumas situações envolvendo o aborto, tema que será analisado no presente artigo.

O tema inerente ao aborto está intimamente relacionado ao direito à vida. Vejamos a disciplina existente no Código Penal:

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena – detenção, de um a três anos.

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal
.

A seguir, destacaremos alguns dos principais argumentos contrários e favoráveis acerca da criminalização do aborto. Vejamos:

Argumentos Contrários ao aborto

  • Proibição da insuficiência de proteção, pois a vida humana começaria a partir da concepção.
  • O direito à vida possui um peso muito forte na colisão com outros direitos, uma vez que os demais direitos fundamentais pressupõem esse direito.
  • Na realidade, o que se faz necessário são políticas públicas adequadas para proteger a genitora e o feto.

Argumentos Favoráveis ao aborto

  • Direitos fundamentais da gestante, tal como a autonomia e o direito ao próprio corpo.
  • Diminuição da taxa de mortalidade materna. Como consequência, temos o argumento abaixo.
  • A proibição do aborto leva as gestantes para um mundo clandestino, colocando em risco a sua vida e saúde (o aborto deveria ser analisado como uma questão de saúde pública).

Sobre o tema imprescindível destacar que, no HC n. 124.306 (Primeira Turma), considerou atípica a interrupção voluntária da gravidez efetivada no primeiro trimestre. Trata-se de um caso individual, sem efeito erga omnes. Como se trata de ação individual, buscou-se o efeito erga omnes por meio de uma ação de controle concentrado de constitucionalidade.

Assim, posteriormente, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou a ADPF n. 442, solicitando que a Corte declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela Constituição Federal, fundamentando, em especial, na afronta aos direitos fundamentais das mulheres – à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à igualdade de gênero, à autonomia, à saúde e ao planejamento familiar.

Recentemente, a ministra Rosa Weber, antes de sua aposentadoria, em tintas de 129 páginas, votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto), nas primeiras 12 semanas de gestação. Após, o processo foi suspenso em virtude de um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso. Assim, o processo terá prosseguimento em sessão presencial do Plenário.

A situação apresentada possui peculiaridades, o que tornou o caso extremamente excepcional. Demonstrou-se, concretamente, o risco para a vida da mulher, bem como a altíssima probabilidade de ocorrer um parto prematuro, o que aumentaria o risco de morte fetal, com baixíssima chance de vida extrauterina dos fetos.

Assim, para o Tribunal, de maneira excepcional, a denominada redução gestacional seria a solução mais adequada ao caso concreto. Conforme o relator, o caso se aproxima do julgamento da ADPF n. 54 (interrupção da gravidez de feto anencéfalo), fundamentando-se no direito à vida, à saúde e à autonomia da mulher, ponderando-se os direitos fundamentais envolvidos, levando-se em consideração o risco de vida à gestante e inviabilidade de vida extrauterina de todos os cinco embriões.


* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.

[1] Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/408445/tj-sp-concede-ordem-para-interrupcao-parcial-de-gravidez-de-quintuplos. Acesso em 03 de junho de 2024.

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