A Lei Maria da Penha se aplica à mulher trans?

A Lei Maria da Penha se aplica à mulher trans?

Olá, pessoa!

Sou o professor Allan Joos, defensor público e professor no Estratégia Carreira Jurídica e trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre a aplicabilidade ou não da lei maria da penha às mulheres trans.

O tema é polêmico, mas extremamente atual e de suma importância para quem vem se preparando para as carreiras jurídicas em geral.

Em decisão relativamente recente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que sim, ou seja, que a Lei Maria da Penha é aplicável ás mulheres transsexuais.

Isso porque o elemento diferenciador da Lei nº 11.340/06 é o gênero feminino, o qual nem sempre coincide com o sexo biológico.

Segundo Rogério Schietti, a finalidade da lei é prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar que se pratica contra a mulher por causa do gênero, e não em virtude do sexo. Segundo o Ministro:

“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.

A decisão é importante a se considerar que o Brasil é um país que responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans do mundo. Como muito bem pontuado pelo citado Ministro, a violência de gênero é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem. A violência contra a mulher nasce na relação dominação/subordinação, de modo que ela sofre agressões por ser mulher. E isso independe, do sexo biológico ou da diferença física, mas sim de elementos sociais e culturais que acabam por vulnerabilizar as mulheres em geral, talvez com ainda mais vulnerabilidade quando a conduta é o reflexo da homotransfobia.

Vale ressaltar que mulher trans é uma pessoa cuja identidade de gênero é feminina, mas cujo sexo atribuído ao nascer foi masculino. Em outras palavras, uma mulher trans é alguém que nasceu com características físicas associadas ao sexo masculino, mas identifica-se e vive como uma mulher.

A identidade de gênero refere-se à profunda compreensão interna de ser homem, mulher, ou outra identidade de gênero, enquanto o sexo atribuído ao nascer é baseado em características biológicas observáveis, como genitais e cromossomos. Quando a identidade de gênero de uma pessoa difere do seu sexo atribuído, ela é considerada transgênero.

Neste ponto, em tema de concursos públicos que cobram a disciplina de direitos humanos, é imprescindível que se conheça os denominados “Princípios de Yogyakarta”. Os Princípios de Yogyakarta, manifestação internacional (soft law) que almeja a inclusão de grupos vulneráveis, procura efetivar a inclusão de toda a comunidade LGBTQIAPN+ como sujeitos dos direitos humanos. Trata-se de princípios que buscam a aplicação dos direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), concretizando a liberdade de identidade, de gênero e de orientação sexual. Destacamos dois conceitos importantes previstos nos Princípios de Yogyakarta:

1) Compreendemos orientação sexual como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.

2) Compreendemos identidade de gênero a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.

Vejamos os ensinamentos doutrinários envolvendo a inclusão desses grupos vulneráveis:

“Na década de 1990, GLS era a sigla que definia os espaços, os serviços e os eventos para a comunidade gay. Entretanto, por ser excludente e ignorar diversas outras orientações sexuais e identidades de gênero, a Associação Brasileira LGBT (ABGLT) atualizou a nomenclatura para LGBT, para representar lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Novas letras, como Q ,I e A, surgiram. A ONU, por exemplo, usa a sigla LGBTI. Porém, entendemos que a nomenclatura mais inclusiva seja LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexual). O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero. Aqui são incluídos os pansexuais, por exemplo, que sentem atração por outras pessoas, independente do gênero”[1].

Portanto, diante de todas essas considerações, em decisões históricas, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a aplicabilidade da Lei Maria da Penha às mulheres trans, sempre ressaltando, nas decisões, a distinção entre gênero feminino e sexo biológico.


[1] MAIA, Erick de Figueiredo. Execução Penal e Criminologia. Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto. Coordenador: Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. São Paulo: Editora Saraiva, 2021, página 255.

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