De início, vamos comentar o seguinte julgado do STF:

O inteiro teor está aqui: https://digital.stf.jus.br/decisoes-monocraticas/api/public/votos/399742/conteudo.pdf
Perceba, o Plenário do STF analisou na ADI 6888 uma situação que se repete em muitos órgãos públicos brasileiros.
O Estado de Goiás havia criado 96 cargos em comissão de Assistente de Secretaria no quadro de pessoal do Tribunal de Justiça estadual.
A Procuradoria-Geral da República questionou essa criação, alegando que violava o princípio constitucional do concurso público.
Acontece que o Ministro Cristiano Zanin, relator do caso, analisou detalhadamente as atribuições desses cargos e chegou a uma conclusão importante.
Por unanimidade, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei goiana, reconhecendo que aqueles cargos deveriam ser preenchidos por servidores concursados, não por livre nomeação.
Assim, essa decisão reafirma limites importantes para a criação de cargos em comissão e fortalece a proteção do princípio do concurso público. Vamos entender por que isso aconteceu e o que significa para todos nós.
A regra constitucional sobre cargos em comissão
Ora, a Constituição Federal estabelece no artigo 37, inciso II, que o ingresso no serviço público depende de aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos.
Essa é a regra geral, válida para praticamente todos os cargos e empregos públicos.
Logo, o concurso público garante isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência na formação dos quadros da administração pública.
Qualquer pessoa que preencha os requisitos pode participar da seleção, competindo em igualdade de condições com os demais candidatos.
Nesse sentido, a Constituição prevê apenas uma exceção a essa regra: os cargos em comissão.
O artigo 37, inciso V, estabelece que cargos em comissão destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Isto porque essas funções específicas exigem relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado.
Dessa forma, não é qualquer cargo que pode ser criado como comissionado. A própria Constituição delimita claramente as hipóteses: direção, chefia e assessoramento. Fora dessas situações, o provimento deve ocorrer obrigatoriamente por concurso público.
O Tema 1.010 de Repercussão Geral
Ademais, o Supremo Tribunal Federal consolidou os requisitos para criação de cargos em comissão ao julgar o RE 1.041.210/SP, que virou o Tema 1.010 de Repercussão Geral.
Naquele julgamento, o Ministro Dias Toffoli fixou tese muito importante sobre o assunto.
Assim, a jurisprudência do STF estabeleceu quatro requisitos cumulativos para que se possa criar cargo em comissão.
| Primeiro, que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais. Segundo, deve haver necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Terceiro, o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores efetivos. Por fim, quarto requisito, as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os institui. Veja bem, não pode ser descrição genérica ou vaga. Precisa ficar claro exatamente o que aquele cargo faz. |
As atribuições dos cargos declarados inconstitucionais
Ora, no caso de Goiás, o que faziam exatamente esses Assistentes de Secretaria? O Decreto Judiciário 2.162/2018 do TJ-GO descrevia suas atribuições.
Vamos analisar cada uma delas.
Primeiro, assessorar o chefe imediato na preparação e execução das atividades de secretaria. Segundo, proporcionar apoio operacional à administração a que estiver subordinado. Terceiro, digitar pareceres, decretos, apostilas e demais atos de apoio administrativo.
Quarto, executar outras atividades que lhe forem cometidas pela autoridade superior. Perceba que essa última atribuição é extremamente genérica, permitindo praticamente qualquer tipo de tarefa.
Nesse sentido, o Ministro Cristiano Zanin foi detalhista na análise. Essas atribuições caracterizam-se inequivocamente como tarefas de índole técnica, operacional e de execução rotineira, destituídas de qualquer conteúdo decisório, estratégico ou de formulação de políticas administrativas.
Logo, não se vislumbra nessas funções o exercício de direção de órgãos administrativos, chefia de equipes com responsabilidade por planejamento, ou assessoramento técnico-especializado que demande elevado grau de confiança e expertise diferenciada.
Por que a criação desses cargos viola a Constituição?
Assim, a criação desses cargos comissionados para atividades meramente burocráticas representa grave violação constitucional. Ora, se a Constituição exige concurso público como regra, admitindo exceção apenas para cargos de direção, chefia e assessoramento, não se pode usar essa exceção para fugir da regra geral.
Dessa maneira, criar cargo em comissão para atividades técnicas e operacionais significa burlar o princípio do concurso público. Isto porque essas atividades são exatamente aquelas que devem ser desempenhadas por servidores efetivos, aprovados em seleção pública e isonômica.
Ademais, esse tipo de prática prejudica a profissionalização da administração pública. Veja bem, quando cargos técnicos são preenchidos por indicação política ao invés de mérito, a qualidade do serviço público tende a cair.
Inclusive, aceitar essa flexibilização da regra constitucional abriria precedente perigoso. Se Estados e Municípios pudessem criar livremente cargos comissionados para atividades técnicas, o princípio do concurso público viraria letra morta na prática.
A manifestação da Advocacia-Geral da União
Nesse sentido, é importante destacar que a própria Advocacia-Geral da União, que normalmente defende a constitucionalidade das leis, manifestou-se pela procedência do pedido neste caso.
Logo, a AGU reconheceu que as atribuições dos cargos de Assistente de Secretaria não possuem qualquer pertinência com as responsabilidades típicas de direção, assessoramento ou chefia, limitando-se a atividades operacionais e burocráticas.
Precedentes do STF sobre o tema
Ademais, essa não é a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal enfrenta situações semelhantes. Recentemente, na sessão de maio de 2025, o Plenário julgou conjuntamente a ADI 6.918/GO e a ADI 6.887/SP.
Na ADI 6.918, o STF declarou a inconstitucionalidade de diversos cargos em comissão criados no Tribunal de Contas do Estado de Goiás. Isto porque aqueles cargos ou tinham evidente natureza técnica e operacional, ou eram suficientemente genéricos para permitir o desempenho de quaisquer atividades.
Por outro lado, na ADI 6.887, o STF reconheceu a constitucionalidade do cargo de Assessor de Transporte e Segurança no Tribunal de Contas de São Paulo. Nesse caso específico, as atribuições revelavam necessária relação de confiança, por se referirem à delicada atividade de segurança pessoal dos Conselheiros.
Logo, esses precedentes deixam claro que o STF analisa caso a caso, verificando concretamente se as atribuições do cargo justificam ou não a livre nomeação. Não é análise automática ou superficial.
Relevância
Cuidado, o tema de cargos em comissão aparece frequentemente em provas de concursos públicos, especialmente para Magistratura, Ministério Público…
Logo, é fundamental conhecer os quatro requisitos do Tema 1.010 de Repercussão Geral. Saber que cargos em comissão só se justificam para direção, chefia e assessoramento. Entender que deve haver relação de confiança, proporcionalidade e descrição clara das atribuições na lei….
Estamos de olho!
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