Legitimidade recursal em redirecionamento da execução fiscal

Legitimidade recursal em redirecionamento da execução fiscal

Caros alunos,

Hoje vamos examinar uma decisão extremamente relevante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabelece importantes limites à legitimidade recursal em casos de redirecionamento de execuções fiscais. O caso concreto traz nuances processuais que devem ser compreendidas por qualquer jurista que atue no contencioso tributário.

O caso concreto: contexto fático e processual

O processo originou-se de uma execução fiscal de valor expressivo (aproximadamente R$ 300 milhões) movida pela Fazenda Nacional contra o Grupo OK Construções e Incorporações Ltda. No curso do processo, após a desconsideração da personalidade jurídica, a execução foi redirecionada para incluir no polo passivo duas outras empresas do mesmo grupo econômico: Opus Construções e Incorporações S/A e Magnum Construções e Incorporações S/A.

Curiosamente, quem se insurgiu contra este redirecionamento não foram as empresas incluídas, mas sim a própria pessoa jurídica originalmente executada (Grupo OK). Esta interpôs agravo de instrumento contra a decisão de redirecionamento, o qual foi acolhido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

O TRF-1, ao julgar o recurso, adotou duas posições fundamentais:

  1. Reconheceu a legitimidade do Grupo OK para impugnar o redirecionamento;
  2. No mérito, entendeu que o redirecionamento era prematuro, pois não havia sido realizada a avaliação dos bens já oferecidos à penhora pelo Grupo OK.

O voto condutor do acórdão do TRF-1 chegou a afirmar expressamente:

"há um direito de ver examinada a pretensão dos bens, que foram oferecidos à penhora, e que há dois anos, e não foi até hoje avaliado para que siga o processamento normal, sem quebra da personalidade jurídica".

A posição do STJ: análise técnico-jurídica

Ao analisar o recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, o relator Ministro Teodoro Silva Santos enfrentou duas questões primordiais: (i) possível violação aos arts. 535 e 458 do CPC/73, por suposta omissão ou deficiência de fundamentação; e (ii) alegada violação ao art. 499 do CPC/73, referente à legitimidade recursal.

Quanto à primeira questão, o STJ afastou os vícios apontados. A Corte entendeu que o TRF-1 enfrentou adequadamente as questões suscitadas pela Fazenda Nacional, ainda que de forma concisa. Lembrem-se, queridos alunos, do princípio da fundamentação suficiente, segundo o qual “o julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão”.

Legitimidade recursal

No tocante à legitimidade recursal, questão central da controvérsia, o STJ adotou posicionamento técnico rigoroso, observando os pressupostos processuais subjetivos que autorizam a impugnação de decisões judiciais.

O Ministro Teodoro destacou que, conforme o art. 499 do CPC/73, apenas possuem legitimidade recursal:

  • A parte vencida;
  • O Ministério Público;
  • O terceiro prejudicado.

No caso concreto, a decisão de redirecionamento:

  1. Não prejudicou a empresa originalmente executada (Grupo OK);
  2. Ao contrário, a beneficiou, ao permitir que outras empresas também respondessem pela dívida;
  3. Não interferiu negativamente na sua esfera jurídica.

Como bem pontuou o relator: “a decisão contra a qual se insurgiu a empresa executada, na verdade, lhe beneficia, visto que permite a corresponsabilidade pela satisfação da dívida executada”.

A ratio decidendi do STJ: aplicação analógica do Tema 649

Em síntese, no cerne da fundamentação jurídica do REsp 1.985.112/DF, o Ministro Teodoro Silva Santos recorreu a uma construção hermenêutica sólida, ancorada no precedente vinculante estabelecido pelo próprio STJ no julgamento do REsp 1.347.627/SP, que originou o Tema 649 dos recursos repetitivos.

A delimitação deste tema é precisa: “a pessoa jurídica não tem legitimidade para interpor recurso no interesse do sócio”.

Conforme extraído do voto do relator: “Mutatis mutandis, aplica-se à espécie o quanto decidido por este Tribunal da Cidadania nos autos do Recurso Especial n. 1.347.627/SP, apreciado à luz da sistemática dos recursos repetitivos. Na ocasião, firmou-se a tese de que a pessoa jurídica executada não tem legitimidade para interpor recurso no interesse do sócio (Tema n. 649).”

Ora, essa transposição analógica representa um raciocínio jurídico rigoroso: se o ordenamento jurídico não admite que uma pessoa jurídica defenda interesses exclusivos de seus sócios, por extensão lógica também não pode permitir que uma empresa se insurja contra decisão que afeta exclusivamente outras pessoas jurídicas, ainda que pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Perceba que o voto destaca explicitamente o art. 499 do CPC/73 (correspondente ao atual art. 996 do CPC/2015), que dispõe: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”.

Desta norma derivam os requisitos subjetivos de admissibilidade recursal, condicionando o acesso à via impugnativa à demonstração de prejuízo jurídico concreto.

Inclusive, na construção de sua argumentação, o relator invocou precedentes para corroborar sua posição, como o AgInt no REsp 1.959.776/RS (Rel. Min. Gurgel de Faria), que sublinha:

"Consoante o entendimento desta Corte, caso o exame da questão não traga nenhum resultado prático à parte recorrente, fica afastado o binômio utilidade/necessidade, com a configuração da ausência de interesse recursal."

Teoria geral dos recursos

Portanto, este trecho evidencia uma aplicação cuidadosa da teoria geral dos recursos. Demonstra que a legitimidade recursal transcende aspectos meramente formais, exigindo a demonstração material do que a doutrina consagrou como “utilidade × necessidade“, binômio estruturante do interesse processual.

Particularmente relevante é a observação contida no acórdão de que "a decisão contra a qual se insurgiu a empresa executada, na verdade, lhe beneficia, visto que permite a corresponsabilidade pela satisfação da dívida executada".

Veja, esta constatação demonstra a aplicação concreta da teoria do interesse jurídico, evidenciando que o Grupo OK não só não foi prejudicado pela decisão de redirecionamento, como potencialmente se beneficiou dela, ao diluir sua responsabilidade pelo pagamento da dívida tributária.

Conclusões importantes

A decisão da Segunda Turma do STJ induz que:

  1. Reafirmação do princípio da autonomia processual: em consonância com o art. 8º do CPC/2015, reconheceu-se que, mesmo em situações de grupo econômico, cada entidade mantém sua independência processual e legitimidade própria para defesa de seus interesses em juízo.
  2. Aplicação da teoria da causa petendi no âmbito recursal: ao analisar o pedido recursal do Grupo OK, o STJ perquiriu a causa de pedir remota do recurso, identificando que, materialmente, a empresa originária pleiteava direito alheio em nome próprio, em violação ao art. 18 do CPC/2015.
  3. Mecanismo de proteção à efetividade da execução fiscal: ao vedar recursos promovidos por quem não possui legítimo interesse jurídico, o STJ fortaleceu o microssistema das execuções fiscais (Lei 6.830/80). Reafirmou, assim, seu caráter instrumental e finalístico, orientado à satisfação do crédito público.

Por fim, vale dizer que o Ministro Teodoro Silva Santos delimitou com precisão técnica as situações excepcionais em que poderia haver interesse comum entre empresas do mesmo grupo, afirmando que “se houver um tema ‘comum’ que afete a execução em face tanto da empresa original quanto das novas incluídas (por exemplo, a prescrição da dívida), não haverá ilegitimidade”.


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