Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução: o eterno retorno de uma questão já decidida
A aprovação do voto impresso pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em agosto de 2025 reacendeu um debate que muitos consideravam encerrado. Por 14 votos a 12, os senadores incluíram no projeto do novo Código Eleitoral a obrigatoriedade de impressão do registro de cada voto, ignorando duas decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal que declararam medidas similares inconstitucionais.
Para candidatos a concursos jurídicos, este tema representa uma oportunidade ímpar de compreender a tensão entre os Poderes, os limites da atividade legislativa em matéria eleitoral e os princípios constitucionais que regem o processo democrático. Mais que isso: trata-se de conteúdo frequente em provas de Direito Constitucional e Eleitoral, especialmente em questões sobre princípios eleitorais e controle de constitucionalidade.
O histórico jurisprudencial: duas derrotas no STF
A primeira declaração de inconstitucionalidade (2013)
Em 2013, o STF enfrentou pela primeira vez a questão do voto impresso, quando a Procuradoria-Geral da República questionou dispositivo legal de 2009 que previa a implementação do sistema a partir de 2014. A relatora, Ministra Cármen Lúcia, conduziu julgamento que resultou na declaração de inconstitucionalidade da medida.
O principal fundamento foi a vulnerabilidade ao sigilo do voto. Segundo a Corte, “a porta de conexão do módulo impressor, além de provocar problemas de conexão, abre-se a fraudes que podem comprometer o processo eleitoral”.
A segunda investida: ADI 5889 (2020)

Sete anos depois, nova tentativa legislativa enfrentou o crivo constitucional. Desta vez, a Lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral) incluiu o artigo 59-A na Lei das Eleições, estabelecendo a obrigatoriedade de impressão do registro de cada voto depositado eletronicamente.
O relator, Ministro Gilmar Mendes, desenvolveu fundamentação ainda mais robusta para declarar a inconstitucionalidade da norma. Em decisão unânime, o Plenário identificou múltiplas violações constitucionais:
1. Violação ao sigilo e liberdade do voto
As urnas eletrônicas atuais possuem impressoras internas destinadas exclusivamente à impressão da zerésima (relatório inicial) e do boletim de urna (relatório final). Para viabilizar a impressão de votos individuais, seria necessário adaptar equipamento “inexpugnável, à prova de intervenções humanas”. A ausência dessa garantia transformaria a medida em porta de entrada para fraudes, contrariando seu objetivo declarado.
2. Ausência de efetivo incremento de segurança
O TSE demonstrou que não há comprovação de que a impressão aumentaria decisivamente a integridade das apurações. Tratando-se de processo mecânico controlado por dispositivos eletrônicos, persistem riscos teóricos de manipulação, como cancelamento de votos ou impressão de registros fantasmas para acompanhar fraudes eletrônicas.
3. Violação ao princípio da eficiência administrativa
O Ministro Gilmar Mendes destacou que “o legislador não pode alterar procedimentos eleitorais sem que existam meios para tanto”. A norma impôs modificação substancial sem fornecer os instrumentos para sua execução, violando a máxima de que “o comando normativo deve vir acompanhado de normas de organização e procedimento que permitam sua colocação em prática”.
4. Desproporcionalidade dos custos
O custo estimado para aquisição do módulo impresso alcançaria R$ 2 bilhões, representando solução “longe do ideal” por constituir mero adicional às urnas existentes, não equipamento integrado. Para o STF, não é possível “fazer mudança tão abrupta no processo eleitoral, colocando em risco a segurança das eleições e gastando recursos de forma irresponsável”.
A nova proposta: mais do mesmo?
O projeto aprovado na CCJ estabelece que, após confirmação dos votos, a urna imprimirá automaticamente o registro, depositando-o em local lacrado sem contato manual do eleitor. Curiosamente, trata-se do “mesmíssimo texto” (nas palavras do relator Marcelo Castro) já declarado inconstitucional em 2015.
Esta identidade substancial entre as propostas levanta questão processual relevante: pode o Poder Legislativo insistir em norma já declarada inconstitucional pelo STF? A resposta envolve compreender os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e os limites da função legislativa.
Análise constitucional: por que o STF cecidiu contra?
Princípios constitucionais violados
Sigilo do voto (art. 14, CF/88)
O sigilo constitui garantia fundamental do processo democrático, protegendo o eleitor contra coações e permitindo manifestação livre da vontade popular. O voto impresso, ao criar registro físico, potencializa riscos de quebra dessa proteção, especialmente em municípios menores onde a identificação do voto torna-se mais provável.
Liberdade de Voto
Intimamente relacionada ao sigilo, a liberdade pressupõe ambiente em que o eleitor não tema represálias por suas escolhas. A existência de comprovante físico, mesmo depositado automaticamente, pode gerar insegurança e influenciar o comportamento eleitoral.
Eficiência da administração pública (art. 37, CF/88)
A Constituição exige que a Administração atue com eficiência, vedando desperdícios e priorizando resultados. A implementação do voto impresso, sem demonstração clara de benefícios e com custos bilionários, contraria frontalmente esse princípio.
O precedente e sua força normativa
As decisões do STF em controle concentrado possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante, conforme art. 102, §2º, CF/88. Isso significa que todos os órgãos do Poder Público ficam vinculados ao entendimento firmado. A insistência legislativa em aprovar texto substancialmente idêntico ao já declarado inconstitucional configura, em tese, desrespeito à autoridade das decisões judiciais.
Como isso poderia aparecer em seu concurso público?
BANCA CEBRASPE - A respeito do voto impresso no sistema eleitoral brasileiro, julgue o item:
Em 2020, o STF declarou inconstitucional, por unanimidade, dispositivo legal que previa a obrigatoriedade de impressão do registro de cada voto, fundamentando a decisão na violação ao sigilo e à liberdade do voto, bem como na ausência de demonstração de que a medida incrementaria efetivamente a segurança das eleições.
RESPOSTA: CORRETO.
A assertiva reproduz fielmente os fundamentos da ADI 5889, julgada pelo STF em 2020. O tribunal considerou que: (a) as urnas atuais não comportam impressão segura de votos individuais; (b) não há prova de que a impressão aumentaria a segurança; (c) existem riscos de fraude através do próprio sistema de impressão; (d) os custos são desproporcionais aos benefícios incertos.
Por que as demais alternativas estariam incorretas:
- Se afirmasse que o STF aprovou o voto impresso: falso, houve declaração de inconstitucionalidade
- Se dissesse que foi decisão por maioria: falso, foi unânime
- Se indicasse apenas questões de custo como fundamento: incompleto, foram múltiplos os fundamentos
O futuro da questão: manteria o STF o entendimento?
Considerando a força dos precedentes no sistema brasileiro e a identidade substancial entre a proposta atual e as já declaradas inconstitucionais, é altamente provável que o STF mantenha seu entendimento.
Ademais, dois fatores reforçam essa probabilidade:
- Ausência de mutação constitucional: não houve alteração no texto constitucional nem mudança significativa nas circunstâncias fáticas que justifique revisão do precedente
- Consolidação jurisprudencial: foram duas decisões unânimes, com intervalo de sete anos, demonstrando estabilidade do entendimento
E você, futuro aprovado?
Depois de analisar dois precedentes unânimes do STF, os fundamentos constitucionais envolvidos e a identidade substancial entre as propostas já rejeitadas e a atual, chegamos ao momento da reflexão pessoal. E você, futuro magistrado, promotor ou defensor? Sem partidarismo, sem “fla-flu” político: considera o voto impresso constitucional ou inconstitucional?
A pergunta não é retórica. Em suas futuras provas orais, bancas examinadoras podem questionar seu posicionamento sobre temas polêmicos, esperando fundamentação jurídica sólida, não opinião política. O voto impresso representa caso exemplar de tensão entre inovação legislativa e limites constitucionais – tema central para quem pretende interpretar e aplicar a Constituição profissionalmente.
Opine nos comentários com base jurídica, não política. Seu raciocínio de hoje pode ser sua resposta de amanhã numa banca examinadora!
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