Recorrer de uma decisão judicial é um direito fundamental. Contudo, quando o exercício desse direito ocorre de forma abusiva, com o propósito de postergar o cumprimento de uma obrigação, pode gerar sanções. Foi exatamente isso que ocorreu com uma renomada grife de luxo, multada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) por insistir em um agravo interno manifestamente protelatório.
O caso
Fundamentou-se a decisão no artigo 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil (CPC). O dispositivo prevê a aplicação de multa quando se observa que um agravo interno é manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime.

O caso teve origem em uma ação trabalhista ajuizada por um vendedor que alegou acúmulo de funções. Inicialmente contratado para atuar exclusivamente na venda de produtos, ele teria passado a desempenhar também atividades de visual merchandising – função estratégica que envolve a organização dos produtos na loja para atrair clientes -, após um curso realizado nos Estados Unidos.
Apesar da gravidade das alegações, a empresa não compareceu à audiência inicial, sendo declarada revel e confessa. Como estratégia defensiva, alegou que a citação não havia sido realizada no endereço indicado pelo reclamante na petição inicial. Contudo, conforme apurado pelo juízo de primeiro grau, a notificação foi enviada a dois endereços oficiais da empresa, constantes nos registros da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) e da Receita Federal.
Recurso ordinário
Diante da condenação, a empresa interpôs recurso ordinário, insistindo na tese de nulidade da citação. O argumento era de que não estava mais sediada em um dos endereços e que, no outro, a loja se encontrava em reforma.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) rechaçou essa alegação. Destacou que a própria empresa admitiu continuar recebendo correspondências no local, onde mantinha uma loja temporária (pop-up store) para dar continuidade às atividades.
Com base nesse contexto, o TRT-2 aplicou a Súmula 16 do TST, que estabelece a presunção relativa do recebimento da notificação postal:
Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem. O seu não recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constitui ônus de prova do destinatário.
Ou seja, cabia à empresa demonstrar que não recebera a citação corretamente – o que não ocorreu.
Após a decisão do TRT-2, a empresa interpôs recurso de revista, mas seu seguimento foi negado.
Diante disso, apresentou agravo de instrumento, que teve o seguimento denegado no TST, em decisão monocrática do relator, o ministro Ives Gandra Filho, fundada na ausência do requisito da transcendência – pressuposto necessário para que o TST analise um recurso de revista.
A transcendência, prevista no art. 896-A da CLT, permite ao TST filtrar os recursos, admitindo apenas aqueles que envolvem questões relevantes do ponto de vista econômico, social, jurídico ou político. No caso, o relator entendeu que o recurso não preenchia nenhum desses requisitos, o que justificou a negativa de seguimento.
Agravo interno
Inconformada, a empresa recorreu novamente, apresentando agravo interno contra a decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento.
No entanto, a 4ª Turma do TST rejeitou o agravo interno. Destacou que a argumentação apresentada não tinha a capacidade de infirmar os fundamentos da decisão agravada.
O voto do relator foi incisivo ao enfatizar que a sistemática da transcendência, introduzida pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), tem o objetivo de tornar a atuação do TST mais dinâmica, priorizando a uniformização de teses jurídicas relevantes. Considerou-se a insistência da empresa em recorrer sem fundamentos sólidos, apenas para questionar aspectos já pacificados, um abuso do direito de recorrer.
Deixar de aplicar a sanção legal, no caso, seria frustrar a vontade do legislador, esvaziar o comando legal e estimular a litigância irresponsável.
Diante disso, a 4ª Turma negou provimento ao agravo interno e aplicou a multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC, cujo teor dispõe:
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
§ 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.
Com base nesse dispositivo, a Turma fixou a multa em 1% sobre o valor corrigido da causa, totalizando R$ 6.675,76, a serem pagos ao reclamante.
Cabe transcrever a ementa do acórdão:
IGM/jf AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO INTRANSCENDENTE – DESPROVIMENTO – RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL E PROTELATÓRIO - MULTA. 1. O recurso de revista e o agravo de instrumento da Reclamada, que versavam, respectivamente, sobre nulidade de citação e negativa de prestação jurisdicional, cerceamento de defesa e prescrição quinquenal , foram julgados intranscendentes, por não atenderem a nenhum dos parâmetros do § 1º do art. 896-A da CLT, a par de os óbices do art. 896, §§ 1º-A, IV, e 7º, da CLT e das Súmulas 16, 126, 297 e 333 do TST contaminarem a transcendência da causa, cujo valor da condenação, de R$ 240.000,00 , não alcança o patamar mínimo de transcendência econômica reconhecido por esta Turma. 2. Não tendo a Agravante demovido os óbices erigidos pela decisão agravada nem suas razões de decidir, esta merece ser mantida, com aplicação de multa, por ser o agravo manifestamente inadmissível e protelatório (CPC, art. 1.021, § 4º). Agravo desprovido, com multa" (RRAg-1000618-30.2022.5.02.0048, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 19/12/2024).
Conclusão
Portanto, essa decisão deixa um recado claro: recorrer sem fundamentos sólidos pode sair caro! Compreender o funcionamento dos recursos e seus limites não é apenas essencial para a atuação jurídica, mas também um diferencial competitivo para quem se prepara para concursos na área trabalhista.
Temas como transcendência no recurso de revista (art. 896-A da CLT), penalidades por agravo interno (art. 1.021, §4º, do CPC) e presunção de recebimento de notificações (Súmula 16 do TST) são recorrentes em provas objetivas, discursivas e até orais.
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