Tribunal do Júri condena bolsonarista por matar tesoureiro do PT em festa de aniversário

Tribunal do Júri condena bolsonarista por matar tesoureiro do PT em festa de aniversário

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Condenação

O Tribunal do Júri, em Curitiba, acaba de condenar o ex-policial penal Jorge Guaranho a 20 anos de prisão pelo assassinato do ex-tesoureiro do PT, Marcelo Arruda. O crime, que ocorreu em julho de 2022, em Foz do Iguaçu, meses antes das eleições presidenciais, aconteceu em plena festa de aniversário do petista, que tinha como tema o presidente Lula.

O réu, que é bolsonarista, foi condenado por homicídio duplamente qualificado:

1º) Motivo fútil, por divergências políticas; e

2º) Perigo comum, porque expôs a outras pessoas a risco.

A juíza do Tribunal do Júri de Curitiba foi incisiva:

“Deve o acusado ser recolhido a um estabelecimento prisional respectivo para início imediato do cumprimento da pena”.

O promotor de Justiça Lucas Cavini Leonardi, que atuou no caso, concluiu:

“Essa decisão reafirma o Estado Democrático de Direito, um Estado que não admite que alguém seja agredido, que alguém seja assassinado unicamente por divergências ideológicas, sejam elas quais forem”.

Defesa

O crime ocorreu em Foz do Iguaçu, onde se deveria julgar o réu. Ocorre que a própria defesa de Jorge Guaranho alegou que, em Foz, os jurados poderiam decidir com parcialidade. O Judiciário acatou, e transferiu o julgamento para Curitiba.

A defesa do ex-policial penal reforçou, em pronunciamento, que ele teria agido em legítima defesa e que o assassinato não teve motivação política.

Mas a juíza do caso ressaltou que o réu utilizou uma arma da União para cometer o crime e que as ações desencadeadas por ele demonstraram intolerância política.

Bolsonarista

O julgamento, que se arrastou por alguns anos, acontece após três adiamentos.

O ex-policial penal estava em prisão preventiva domiciliar, e, após a leitura da sentença, foi direto para o Complexo Médico Penal. A defesa afirmou que vai recorrer e pedir que ele volte a cumprir a pena em casa porque Guaranho ficou com sequelas.

O advogado de Guaranho, Ercio Quaresma, argumentou que: “O estado de saúde dele, a ausência de condições do Depen de permitir o tratamento das patologias dele, no fluir do cumprimento da cautelar, persiste até hoje”.

A família da vítima comemorou a condenação do ex-policial: “Hoje, nós vamos sair daqui sem o Marcelo, mas com a justiça e sabendo que a justiça existe, e a verdade prevaleceu”, diz Pâmela Silva, ex-companheira de Marcelo Arruda.

Relembre o caso

O ano era 2022. Julho. O Brasil estava vivendo um clima hostil de polarização política em torno dos dois candidatos à presidência: Lula x Bolsonaro.

Bolsonaro já era presidente, e tentava a reeleição. Lula havia saído da cadeia, teve sua condenação anulada pelo STF, e estava apto a concorrer ao cargo mais alto do Executivo.

O então tesoureiro do Diretório Municipal do PT de Foz do Iguaçu, no Paraná, Marcelo Aloizio de Arruda, estava em uma associação comemorando seu aniversário de 50 anos, cujo tema era o presidente Lula, quando chegou Guaranho gritando: “Aqui é Bolsonaro”.

A investigação concluiu que, após saber da festa, o réu deixou o churrasco do qual participava, acompanhado da esposa e do filho bebê de três meses. Em seguida, foi para o local onde ocorria a comemoração do aniversário.

Chegando no local ouvindo música alta em alusão ao bolsonarismo, ele e Arruda tiveram uma discussão. O aniversariante o expulsou do local, atirando um punhado de terra contra o carro do bolsonarista.

Cerca de 10 minutos depois, o policial penal voltou ao local. Armado, ele disparou três vezes contra Marcelo, que revidou usando a arma que portava (Marcelo era guarda municipal).

Guaranho foi atingido, mas conseguiu escapar. Marcelo Arruda foi socorrido, mas não teve a mesma sorte. Acabou morrendo, e deixou 4 filhos, inclusive um bebê com pouco mais de 40 dias de vida à época do crime.

Análise jurídica

Homicídio duplamente qualificado

Jorge Guaranho foi denunciado e condenado pelo crime de homicídio duplamente qualificado, previsto no art. 121, do código penal.

CP

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

...

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

...

II - por motivo futil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O crime cometido por Guaranho é considerado crime hediondo, haja vista a previsão do artigo 1º, I, da Lei nº 8.072/90.

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por 1 (um) só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VII, VIII e IX);

Legítima defesa

Guaranho, que prestou depoimento de muletas, se defendeu dizendo que disparou porque Marcelo, segundo ele, atiraria antes.

Disse, ainda, que não tinha intuito de matar ninguém e que, antes de disparar, mandou Marcelo abaixar a arma, alegando ser policial.

O réu teria entrado no salão onde a festa ocorria porque queria desarmar Marcelo, mas foi impedido após ser atingido por tiros da vítima: “Se eu quisesse matar o Marcelo, eu tinha matado desde antes“.

Ao perguntarem por que voltou para brigar com Marcelo, Guaranho afirmou que a vítima teria atingido o olho do filho ao jogar areia no carro, por isso voltou para tirar satisfação.

Portanto, a defesa do réu alegou legítima defesa, que é uma excludente de ilicitude, prevista no artigo 25, do código penal, segundo a qual aquele que, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, não comete crime, conforme artigo 23, II, do código penal.

CP

Exclusão de ilicitude        

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:        

I - em estado de necessidade;        

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

...

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Importante destacar que o STF julgou parcialmente procedente a ADPF 779, declarando inconstitucional a tese da legítima defesa da honra, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção da vida e da igualdade de gênero.

Nesse mesmo julgamento, a Suprema Corte proibiu que a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

Constou no acórdão da referida ADPF:

A “legítima defesa da honra” é recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões. Constitui-se em ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988.

Referido recurso viola a dignidade da pessoa humana e os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 1º, inciso III, e art. 5º,caput e inciso I, da CF/88), pilares da ordem constitucional brasileira. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação do feminicídio e da violência contra a mulher. O acolhimento da tese teria o potencial de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção.

Intolerância política

Uma discussão que dominou a opinião pública, e acabou sendo utilizada como fundamento da sentença, foi a questão da intolerância política, ou seja, o crime teria ocorrido pelo ódio à ideologia política do adversário.

O assassino, bolsonarista, não teria gostado do petista ter feito uma festa de aniversário com o tema acerca de Lula. Isso gerou o ataque brutal.

Tramita no Senado Federal um Projeto de Lei (PL nº 2.885/2022) que torna crime a intolerância política, prevendo punições para diversos tipos de condutas.

A proposta classifica como homicídio qualificado aquele praticado por motivação de intolerância política, podendo dar até 30 anos de reclusão. Nessa condição, passa a ser também um crime hediondo, o que o torna inafiançável e insuscetível de graça, indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória.

Conclusão

Necessitamos de ações, posturas e exemplos, tanto do poder público quanto da sociedade, menos intolerantes e menos polarizadas, onde a pluralidade de ideias, pensamentos e ideologias, seja não só permitida, mas principalmente fomentada, incentivada.

O fato, infeliz e trágico, reflete um tema que pode ser cobrado em provas de direito constitucional, direito penal e processo penal.


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