* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
O Tribunal de Justiça do Maranhão deu início a um Processo Administrativo (675422024) para a aquisição de 50 iPhones 16 Pro Max para os desembargadores.
Cada aparelho custaria R$ 11.467,99, totalizando R$ 573.399,50. Os smartphones seriam destinados aos 35 desembargadores do tribunal. Os demais ficariam reservados para futuras nomeações.
Comunicado do Tribunal
Assim, a notícia ganhou repercussão nacional, o que levou a Corte a emitir um comunicado, ressaltando os seguintes pontos:
Critérios técnicos
1º) Por se tratar de um Registro de Preços, a compra não é obrigatória e não é imediata. O Tribunal apenas assegura a possibilidade de aquisição futura pelo menor preço registrado, caso haja necessidade dentro do período de vigência da ATA.
2º) A escolha do modelo de referência baseou-se em critérios técnicos que garantem a continuidade e a padronização da infraestrutura tecnológica do Judiciário, visando compatibilidade, integração e suporte técnico unificado, possibilitando a participação on-line em reuniões, sessões e audiências e acesso rápido aos sistemas institucionais, especialmente o Processo Judicial Eletrônico (PJe).
Ferramenta de trabalho
3º) A previsão de aquisição dos dispositivos não se configura em benefício pessoal, mas uma ferramenta de trabalho avançada, essencial para necessidades de serviço no âmbito do Judiciário, como baixar e visualizar vídeos de audiências e memoriais com mais rapidez e qualidade, realizar sessões e audiências virtuais ou híbridas sem interrupções e com melhor desempenho de áudio e vídeo, acessar os sistemas processuais eletrônicos com mais fluidez, velocidade e maior visibilidade e garantir mobilidade e produtividade, permitindo que magistrados e servidores possam atuar de qualquer local com segurança e eficiência.
4º) A indicação iPhone 16 Pro Max baseou-se estritamente em critérios técnicos e operacionais. O aparelho é referência mundial em desempenho, confiabilidade e integração entre hardware e software, garantindo:
- Ausência de travamentos, assegurando fluidez e resposta rápida durante o uso intensivo dos sistemas judiciais;
- Segurança avançada, essencial para a proteção de dados sensíveis e sigilosos;
- Durabilidade e suporte prolongado, reduzindo a necessidade de reposição a curto prazo, o que representa economia para o erário;
- Alto desempenho para transmissões ao vivo e videoconferências, fundamentais na realização de audiências e sessões híbridas.
Previsão orçamentária
5º) A contratação está devidamente planejada e prevista no orçamento anual do Poder Judiciário, não representando impacto adicional às despesas já previstas. Os recursos são provenientes do Fundo do Judiciário (FERJ), destinados à modernização e suporte à infraestrutura do Tribunal.
6º) O procedimento de contratação segue rigorosamente os dispositivos da Lei nº 14.133/2021, que regula licitações e contratos administrativos, e prevê a modalidade de Pregão Eletrônico, assegurando ampla concorrência e obtenção da melhor proposta em termos de custo-benefício para a Administração Pública.
Mesmo diante de todos esses esclarecimentos, o Tribunal do Maranhão decidiu suspender o edital de registro de preços para a aquisição dos smartphones.
Análise jurídica
Os questionamentos à medida do Tribunal de Justiça são voltados tanto para o mérito da compra, ou seja, se é legítima e moralmente aceitável essa aquisição, quanto para eventual descumprimento da lei de licitações e contratos por envolver artigo de luxo, além de possível direcionamento de marca.
Vejamos então cada um deles em detalhes.
Moralidade administrativa
A grande questão é saber se esse pagamento, mesmo que previsto em regulamento próprio, afronta ou não o princípio da moralidade administrativa.
O artigo 37, da Constituição Federal, traz uma série de princípios que devem ser observados pela Administração Pública, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da moralidade administrativa exige que os agentes públicos atuem de maneira ética, proba, com boa-fé, sob pena de afronta à Constituição e cometimento de improbidade administrativa.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma brilhante, leciona:
“Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do Administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”.
Dessa forma, o princípio da moralidade administrativa pode ser entendido sob três aspectos distintos1:
a) Dever de atuação ética (princípio da probidade): o agente público deve ter um comportamento ético, transparente e honesto perante o administrado. Assim, o agente público não pode sonegar, violar nem prestar informações incompletas com o objetivo de enganar os administrados. Não pode um agente se utilizar do conhecimento limitado que as pessoas têm sobre a administração para obter benefícios pessoais ou prejudicar indevidamente o administrado;
b) Concretização dos valores consagrados na lei: o agente público não deve limitar-se à aplicação da lei, mas buscar alcançar os valores por ela consagrados. Assim, quando a Constituição institui o concurso público para possibilitar a isonomia na busca por um cargo público, o agente público que preparar um concurso dentro desses ditames (proporcionar a isonomia) estará também cumprindo o princípio da moralidade;
c) Observância dos costumes administrativos: a validade da conduta administrativa se vincula à observância dos costumes administrativos, ou seja, às regras que surgem informalmente no quotidiano administrativo a partir de determinado condutas da Administração. Assim, desde que não infrinja alguma lei, as práticas administrativas realizadas reiteradamente, devem vincular a Administração, uma vez que causam no administrado um aspecto de legalidade.
Portanto, conceder smartphones de luxo a desembargadores, que já possuem uma alta remuneração, em um estado que possui o pior Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do país (0,676), não parece ser a medida mais acertada.
O IDH é um indicador que avalia o progresso de uma região em relação a três dimensões básicas: renda, educação e saúde, e varia entre 0 e 1. Logo, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano da região.
Lei de Licitações e Contratos
Pois bem, a Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações, veda, em seu artigo 20, a aquisição de bens de luxo pela administração pública. Esta proibição aplica-se a bens de consumo, não se aplicando a bens permanentes ou a serviços.
Lei nº 14.133/2021
Art. 20. Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a aquisição de artigos de luxo.
O Decreto nº 10.818/2021 regulamenta o disposto no art. 20, da lei de licitações, estabelecendo o enquadramento dos bens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da administração pública federal nas categorias de qualidade comum e de luxo.
Não será enquadrado como bem de luxo aquele que:
I – For adquirido a preço equivalente ou inferior ao preço do bem de qualidade comum de mesma natureza; ou
II – Tenha as características superiores justificadas em face da estrita atividade do órgão ou da entidade.
Mas qual as principais diferenças entre um bem de luxo e um bem comum? Então vejamos:
- Bem de luxo: bem de consumo com alta elasticidade-renda da demanda, identificável por meio de características tais como:
a) ostentação;
b) opulência;
c) forte apelo estético; ou
d) requinte.
- Bem de qualidade comum: bem de consumo com baixa ou moderada elasticidade-renda da demanda.

O conceito de elasticidade-renda da demanda é importante porque:
- Permite classificar os bens em inferiores, normais e superiores (luxo).
- Ajuda a entender o comportamento do consumidor em relação aos preços.
- Permite identificar a relação entre a renda dos consumidores e a quantidade demandada de um bem.
Ótimo tema, portanto, para provas de direito administrativo.
- PATRIOTA, Caio César Soares Ribeiro Borges. O princípio da moralidade administrativa. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-da-moralidade-administrativa/433140195>. ↩︎
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