TJMG inovou ao publicar um acórdão utilizando inteligência artificial e linguagem simples
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), publicou o primeiro acórdão feito por inteligência artificial e com linguagem simples (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 1.0000.22.157099-7/002 – TEMA 91).
O TEMA 91 do IRDR trata das ações consumeristas e discute a necessidade de o consumidor tentar resolver o problema de forma extrajudicial antes de ajuizar a ação.
Ferramentas utilizadas para elaborar o acórdão em Linguagem Simples
A equipe da Diretoria Executiva de Gestão da Informação Documental (Dirged), da EJEF, usou a ferramenta Chat GPT, de IA generativa (que cria conteúdos novos com base em treinamento prévio), e a de pesquisa e anotações NotebookLM, do Google, para auxiliar na elaboração do resumo, em Linguagem Simples, da decisão que possui 44 páginas.
Veja só esse trecho do acórdão elaborado com inteligência artificial e linguagem simples:
“O Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu, por maioria, que é necessário tentar resolver o problema diretamente com o fornecedor antes de ajuizar uma ação. Essa tentativa pode ser feita por diversos meios, como SAC, Procon, agências reguladoras, plataformas on-line ou notificação extrajudicial. Se o fornecedor não responder em 10 dias úteis, o consumidor pode acionar a Justiça”
Um dos grandes objetivos dessa iniciativa, de acordo com o 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da EJEF, Desembargador Saulo Versiani Penna, é oferecer à população uma versão clara e concisa de uma decisão originalmente complexa e extensa.
“A iniciativa reflete nosso compromisso com o Pacto Nacional pela Linguagem Simples, promovido pelo CNJ, facilitando a compreensão de temas jurídicos relevantes, especialmente aqueles que afetam diretamente os direitos do consumidor. Por isso a Ejef adotará esse modelo como rotina a partir de novas decisões divulgadas no Diário do Judiciário Eletrônico”
O movimento pela utilização da linguagem simples busca o que podemos chamar de “A morte do juridiquês”.
O termo “juridiquês” é utilizado, no Brasil, para designar o uso excessivo do jargão jurídico e de termos técnicos usados pelos operadores do Direito, como expressões complexas, de escrita difícil e o uso do latim. Quem nunca ouviu expressões como: “data maxima venia”, prericulum in mora, “mutatis mutandis”, “conditio sine qua non”, “entranhas meritórias”, “é evidente o malogro do intento”, e por aí vai.
De fato, há uma enorme pressão social para que haja uma simplificação da linguagem jurídica, ou seja, para que haja o abandono, dentro do possível, do chamado “juridiquês” em prol de uma comunicação mais clara e direta com o jurisdicionado, com os veículos de comunicação, e com o público em geral.
O Superior Tribunal de Justiça instituiu um grupo de trabalho (GT) para promover o uso da linguagem simples na Corte. A medida marca a adesão do órgão ao Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, lançado em novembro de 2023 pelo Conselho Nacional de Justiça.
Todos os tribunais envolvidos assumem o compromisso de, sem negligenciar a boa técnica jurídica, estimular os juízes e setores técnicos a:
- Eliminar termos excessivamente formais e dispensáveis à compreensão do conteúdo a ser transmitido;
- Adotar linguagem direta e concisa nos documentos, comunicados públicos, despachos, decisões, sentenças, votos e acórdãos;
- Explicar, sempre que possível, o impacto da decisão ou julgamento na vida do cidadão;
- Utilizar versão resumida dos votos nas sessões de julgamento, sem prejuízo da juntada de versão ampliada nos processos judiciais;
- Fomentar pronunciamentos objetivos e breves nos eventos organizados pelo Poder Judiciário;
- Reformular protocolos de eventos, dispensando, sempre que possível, formalidades excessivas;
- Utilizar linguagem acessível à pessoa com deficiência (Libras, audiodescrição e outras) e respeitosa à dignidade de toda a sociedade.
O objetivo final, portanto, é fazer com que cada cidadão saiba ler e entender uma decisão judicial sem maiores dificuldades.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, entre os direitos e as garantias fundamentais, o acesso à justiça, à informação e à razoável duração do processo, os quais apenas podem se concretizar por meio do uso de linguagem acessível e compreensível a todas as pessoas.
A simplificação da linguagem pode ser utilizada, também, como instrumento de combate ao racismo e à discriminação, na medida em que facilita a compreensão do ordenamento jurídico e dos direitos ali insculpidos por parte das camadas mais vulneráveis da população, que são em sua grande maioria pobres, pretos, favelados. Democratizar o acesso à linguagem jurídica é incluir toda uma camada da população que hoje vive à margem do sistema de justiça, com amplas restrições aos seus direitos mais básicos.
Opiniões contrárias à simplificação da linguagem jurídica
Mas existem aqueles que são contra a simplificação da linguagem jurídica. Para estes, a riqueza e a especificidade da linguagem, ao contrário de complicar e atrapalhar a comunicação, a torna mais clara, mais objetiva e mais precisa, o que é essencial para qualquer ciência. Uma única expressão técnica, por exemplo, poderia substituir toda uma ideia.
O vernáculo técnico serve, também, para conferir segurança jurídica. Quando se utiliza uma expressão técnica eu sei exatamente o que ela quer dizer, diminuindo o risco de dubiedades ou interpretações inadequadas. Diminui, portanto, a fluidez semântica.
Outro ponto é a beleza em si da linguagem rebuscada, mais atraente do que a linguagem simplista e bruta do vernáculo comum. Para o festejado jurista Miguel Reale, ao defender o uso da linguagem técnica do Direito estaria se prestigiando “os valores da beleza e da elegância”.
Enfim, deve haver a harmonização no uso da linguagem jurídica, de modo que preserve o Direito como ciência, com boa técnica, e garanta, também, uma compreensão fácil por parte do cidadão comum, concretizando assim o postulado do amplo acesso à justiça. Esse é o grande desafio que se apresenta nos dias de hoje.
E o TJMG contou com o auxílio da inteligência artificial, inclusive a IA generativa, para a confecção do acórdão ora tratado.
Mas você sabe o que significa essa IA generativa? De forma simples, podemos dizer que:
O grande traço que torna a IA generativa tão poderosa é que ela vai “aprendendo”, evoluindo à medida que ela vai interagindo com o usuário, sem necessidade de uma programação humana específica nesse sentido.
No âmbito do Tribunal mineiro temos a SOFIA (Sistema de Orientação e Facilitação de Informações e Acessibilidade), sistema de inteligência artificial em linguagem simples, que visa apresentar ao cidadão, de forma didática e acessível, informações relacionadas a processos judiciais.
O sistema acaba democratizando o acesso à informação jurídica e aumentando a transparência no processo judicial, concretizando a dignidade da pessoa humana na prestação jurisdicional.
Ótimo tema para provas de magistratura e defensoria pública.
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