O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu em 13 de fevereiro de 2025, que compete ao empregado terceirizado o ônus de provar eventuais falhas na fiscalização dos contratos pela administração pública.
Esta decisão, proferida no âmbito do Tema 1.118 da repercussão geral, representa o desfecho de uma longa trajetória jurisprudencial que merece uma compreensão em sua totalidade.
Vamos fazer uma análise jurídica das implicações dessa decisão. É um tema MUITO cara de prova!
Terceirização
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A terceirização no âmbito público em geral realiza-se por meio de contratos administrativos de prestação de serviços, celebrados entre o ente público e o prestador privado.
A regra geral, de sede constitucional, é de que tais contratos sejam resultantes de um procedimento licitatório.
E, uma vez celebrado o contrato, como vocês sabem, a Lei 8.666 atribuiu à Administração Pública o dever de fiscalizar os contratos administrativos que vier a celebrar (no mesmo sentido a Lei 14.133/2021):
A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
Quem desempenha esta atribuição é um servidor, muitas vezes chamado de “fiscal de contrato” ou “gestor de contrato”.
Considerando esta atribuição, o TST vinha entendendo que, caso esta fiscalização não fosse realizada de forma adequada, a Administração Pública poderia ser chamada a responder pelos créditos trabalhistas não pagos aos terceirizados.
Exemplo: o Tribunal 234 contratou a empresa XYZ para prestar serviços de vigilância. Pois bem, tal empresa decretou sua falência e deixou de pagar uma série de direitos aos seus empregados que prestavam serviços àquele Tribunal.
Nesse cenário, o TST vinha entendendo que, caso o Tribunal não houvesse fiscalizado de forma adequada a prestação dos serviços, o próprio Tribunal 234 poderia ser chamado a responder pelos direitos dos empregados da empresa XYZ.
Neste aspecto convém mencionar as culpas in eligendo e in vigilando.
O conceito de culpa in eligendo decorre do tomador de serviços ter elegido mal seu prestador de serviços, que não cumpriu suas obrigações perante os empregados.
A culpa in vigilando se relaciona à fiscalização deficiente da tomadora, que permitiu a prática de irregularidades trabalhistas por parte da prestadora. Isso implica em sua responsabilidade subsidiária.
Responsabilidade subsidiária
Para que o tomador de serviços seja responsabilizado subsidiariamente EM face de obrigações trabalhista oriundas da terceirização, este deve ter participado da relação processual e deve constar também do título executivo judicial.
Tendo em vista evolução jurisprudencial com relação à responsabilização da Administração Pública em terceirizações, em 2011 o TST inseriu o item V na Súmula 331. O dispositivo trata especificamente da responsabilidade subsidiária de órgão e entidades públicos:
SUM-331, V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
Esta alteração decorreu de ação judicial (Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC) envolvendo a Lei 8.666/93, também chamada de Lei de Licitações e Contratos (LLC), que em seu art. 71 dispõe:
Lei 8.666/93, art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Além disso, a LLC estabelece que a Administração contratante fiscalizará a execução do contrato e o cumprimento das obrigações contratuais da empresa contratada.
Deste modo, o item V deixa claro que a responsabilização do ente público “não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”, mas terá lugar quando se verifique que o ente público contratante aja de forma culposa no cumprimento (descumprimento, no caso) de sua obrigação de fiscalizar o contato – configurar-se-ão, neste caso, as culpas in eligendo e in vigilando.
Em outro giro, no julgamento do RE nº 760.931/DF, com repercussão geral reconhecida, o STF firmou a tese de que:
o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 (RE 760.931)
Isto porque o STF entendeu que a responsabilização do ente público apenas está autorizada quando comprovada a ausência de fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora.
Fiscalização
E quem detém o ônus de comprovar a realização da fiscalização? Ou de provar a inexistência de fiscalização sistemática?
Perceba, no julgamento do RE 760.931, o Supremo fixou tese reafirmando que o mero inadimplemento não transfere automaticamente a responsabilidade ao poder público.
Contudo, a decisão não esclareceu definitivamente a quem competiria o ônus de provar a falha na fiscalização, gerando interpretações divergentes nos tribunais trabalhistas.
Foi justamente isso que o STF decidiu agora.
Até pouco tempo atrás, vinha se entendendo que a definição do ônus da prova caberia ao TST, diante de sua natureza eminentemente infraconstitucional. E, nesse sentido, vinha defendendo o TST que a Administração Pública é quem detinha o ônus de provar que fiscalizou diligentemente os contratos por ela firmados.
Não havendo tal comprovação, o poder público seria chamado a responder em caráter subsidiário.
Na prática, tal entendimento acabava apequenando o entendimento do STF no sentido de que a Administração não responderia automaticamente. Isto porque, caso não houvesse provas de fiscalização adequada, haveria a responsabilização subsidiária do poder público “automaticamente”.
Ocorre que, a partir de setembro de 2020, interpretando-se julgados do STF, o TST curvou-se à tese de que é do empregado (e não da Administração Pública) o ônus de se comprovar a culpa in vigilando da Administração:
3. Ademais, ambas as Turmas do STF, apreciando reclamações contra decisões do TST, vencidos os Min. Marco Aurélio e Rosa Webrer, deixaram claro que, de acordo com o figurino dos precedentes vinculantes do STF quanto ao Tema 246, é do reclamante o ônus da prova da culpa in vigilando da administração pública (cfr. AgRg-ED-Rcl 36.836-MA, 1ª Turma, Red. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/2/2020; AgRg-Rcl 37.035-MA, 2ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2019). 4. Assim, a regra é a não responsabilização da administração pública pelos créditos judiciais trabalhistas de empregados terceirizados, e a contemporização do STF, abrindo exceção à regra, fica limitada e balizada pelas decisões da própria Suprema Corte, que, portanto, não comportam elastecimento por parte da Justiça do Trabalho. TST-RR-83- 97.2018.5.20.0003, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 29/9/2020. Informativo TST 226.
E, agora, o que decidiu o STF?
1)De início, o trabalhador precisa provar que a administração pública falhou na fiscalização.
Isto é, não basta presumir essa falha - é necessário demonstrar que o poder público agiu de forma negligente ou que sua conduta causou prejuízo ao empregado.
2)Como isso pode ser feito?
Nessa linha, a negligência se comprova quando a administração pública não age após receber aviso formal de que a empresa não está cumprindo suas obrigações trabalhistas.
O aviso pode vir do próprio trabalhador, do sindicato, do Ministério do Trabalho, do Ministério Público, da Defensoria Pública ou de outra fonte válida.
Vale lembrar que, o poder público continua responsável pelas condições de trabalho quando o serviço acontece em suas instalações, incluindo segurança, higiene e salubridade.
Além disso, a administração deve verificar se a empresa terceirizada tem capital social compatível com o número de funcionários. Ela também deve criar mecanismos para garantir o pagamento das verbas trabalhistas, como condicionar seus pagamentos à comprovação dessas obrigações.
Por fim, vale ressaltar que os Ministros Zanin e Dino concordaram com o resultado. Porém, lembraram que o juiz pode, em casos específicos, determinar que a administração pública apresente as provas, conforme prevê o art. 373 do Código de Processo Civil.
Cairá não, DESPENCARÁ.
Um abraço!
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