Conselho Federal de Medicina veta terapia hormonal a jovens trans

Conselho Federal de Medicina veta terapia hormonal a jovens trans

Conselho Federal de Medicina proíbe terapia hormonal para adolescentes trans: saiba os motivos da decisão, seus impactos e as reações da sociedade e especialistas.

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* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu – Terapia hormonal

O Conselho Federal de Medicina publicou, no Diário Oficial da União, uma resolução que altera a idade mínima permitida para terapias hormonais e para cirurgias por pessoas que buscam mudança de gênero. Também proibiu o bloqueio da puberdade em crianças e adolescentes trans.

Em resumo, a resolução do CFM acaba dispondo de três pontos relevantes:

  1. Proíbe o bloqueio hormonal para a puberdade em crianças e adolescentes;
  2. Proíbe a terapia hormonal cruzada em menores de 18 anos;
  3. Aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para realização de cirurgias de transição com efeito esterilizador.

Essa resolução foi alvo de pesadas críticas entre profissionais de saúde e do movimento LGBTQIA+. Em resposta, o Ministério Público Federal anunciou a instauração de procedimento para apurar a legalidade da resolução.

Bloqueadores de puberdade: remédios que impedem a geração de hormônios que causam as mudanças físicas da puberdade; eles atrasam o crescimento dos órgãos sexuais e a produção de hormônios;

    Terapia hormonal cruzada: administração de hormônios sexuais para induzir características secundárias condizentes com a identidade de gênero do paciente.

      Raphael Câmara, que relatou a resolução, destacou:

      “A maioria dos riscos físicos associados aos bloqueadores da puberdade é devida ao seu efeito de suprimir a produção de hormônios sexuais. A exposição a hormônios sexuais é importante para a resistência óssea, para crescimento adequado e para o desenvolvimento de órgãos sexuais. Consequentemente, densidade óssea reduzida, altura alterada e fertilidade reduzida podem ocorrer como resultados do tratamento” 

      Os médicos que descumprirem a resolução do CFM serão punidos com medidas como advertência, censura, suspensão ou, até mesmo, cassação do registro.

      Como o assunto é tratado em outros países

      Em maio de 2024, o Reino Unido proibiu a prescrição de tratamentos bloqueadores da puberdade para menores de 18 anos, sob o argumento de que não havia evidências suficientes que atestassem a segurança do tratamento em pessoas com disforia de gênero.

      Em janeiro de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que bloqueia procedimentos médicos que envolvam intervenções químicas e cirúrgicas em crianças transgêneros, sob o argumento da falta de credibilidade científica.

      Em fevereiro de 2025, o gabinete presidencial da Argentina informou que o presidente Javier Milei tomou a decisão de proibir tratamentos e cirurgias de mudança de gênero para menores de idade, incluindo terapia hormonal.

      Em 2020, a Finlândia publicou diretrizes que afirmam que a psicoterapia deve ser o tratamento de primeira linha para jovens com disforia de gênero, em vez de bloqueadores da puberdade e hormônios de intersexo, sob o argumento de que o conjunto de evidências para a transição de gênero pediátrica é inconclusiva.

      Em 2022, a Suécia suspendeu a terapia hormonal em menores de idade. Porém, em abril de 2024, o parlamento sueco aprovou uma lei que reduz de 18 para 16 anos a idade mínima para mudar legalmente de gênero e facilita o acesso a intervenções cirúrgicas de mudança de sexo.

      O Conselho Federal de Medicina levou em consideração essa tendência mundial de restringir a terapia hormonal a jovens trans, ressaltando o aumento de arrependimento e a destransição (a descontinuação do tratamento ocorre em 2% a 25% dos casos).

      O CFM defende, ainda, que a decisão segue o previsto na portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, do Ministério da Saúde, que determina que os 21 anos sejam a idade mínima para cirurgias de transição.

      Reação Imediata

      Várias associações e especialistas reagiram negativamente à publicação da resolução pelo Conselho Federal de Medicina.

      A Associação Nacional de Travestis e Transexuais publicou uma nota pública de repúdio à mudança da resolução do CFM:

      uma ação coordenada que dialoga com a crescente agenda antitrans ao nível global, marcada por políticas e discursos que atacam diretamente a existência, a dignidade e os direitos básicos da nossa população.”.

      A Associação Mães Pela Diversidade também se posicionou publicamente contra a resolução e afirmou ter protocolado uma representação junto ao Ministério Público Federal.

      Tayane Muniz Fighera, coordenadora do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), chamou a atenção sobre o risco de a proibição aumentar a busca por tratamentos hormonais alternativos sem evidência científica adequada e sem acompanhamento médico.

      Emmanuel Nasser, ginecologista e obstetra especializado no atendimento à população LGBTQIAP+, afirmou que a resolução pode ter um impacto negativo significativo na saúde mental dos pacientes, aumentando as chances de suicídio, depressão e automutilação.

      O MPF informou que:

      “o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, expediu ofício ao Conselho Federal de Medicina para que, no prazo de 15 dias, preste informações sobre os fundamentos técnicos e jurídicos que fundamentaram tal decisão normativa. Ele aponta decisões do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário e a despatologização da transexualidade reconhecida pela Organização Mundial da Saúde”

      Análise Jurídica – Terapia hormonal

      O caso em questão demanda a reflexão sobre importantes direitos fundamentais, como o direito de liberdade de expressão, de autodeterminação, e a própria dignidade da pessoa humana.

      Os elementos essenciais à dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, incluem o respeito à integridade física e psicológica, liberdade de expressão, igualdade de direitos, acesso à educação, saúde e condições básicas de vida digna, além do reconhecimento da individualidade e da autonomia de cada pessoa.

      A Constituição Federal protege tanto a dignidade da pessoa humana quanto o direito à liberdade de expressão.

      CF/88

      Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

      I - a soberania;

      II - a cidadania;

      III - a dignidade da pessoa humana;

      IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

      V - o pluralismo político.

      ...

      Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...

      IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

      ...

      X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

      ...

      Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

      ...

      § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

      O Ministro Flávio Dino, no ARE 1513428, foi incisivo ao reforçar que qualquer tipo de discriminação atenta contra o Estado Democrático de Direito, inclusive a motivada pela orientação sexual das pessoas ou em sua identidade de gênero, revelando-se nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor.

      A Organização das Nações Unidas já adota o conceito de gênero neutro.

      terapia hormonal

      As pessoas transexuais são aquelas que têm uma identidade de gênero divergente do sexo biológico atribuído no nascimento

      Já as pessoas intersexuais nascem com características sexuais — incluindo genitais, padrões cromossômicos e glândulas, como testículos e ovários –, que não se encaixam nas noções binárias típicas de corpos masculinos ou femininos. Elas podem ser diagnosticadas no pré-natal, no nascimento, durante a puberdade e em outros momentos, como ao tentar conceber um filho. Exemplo: pessoa que possui os genitais e órgãos internos referentes ao sexo feminino, mas que não produz hormônios correspondentes, pessoa que possui pênis e ovários ou pessoa que nasceu com pênis e vagina. 

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      Jurisprudência sobre o tema:

      O STF tem uma jurisprudência farta quanto ao tema, senão vejamos.

      Pontos decididos pelo STF na ADI 4275
      O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero.
      A identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la.
      A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer por autoidentificação firmada em declaração escrita dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade.

      Já no TEMA 761, a Suprema Corte definiu a seguinte tese:

      “i) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa; 

      ii) Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo ‘transgênero’; 

      iii) Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial; 

      iv) Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos”

      Portanto, o tema é, de fato, polêmico, atual e demanda dos operadores do direito, em especial dos julgadores e aplicadores da norma, uma compreensão da questão à luz dos direitos fundamentais encartados na Constituição Federal, sempre com vistas à garantia da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República.

      Ótimo tema para provas de direitos humanos, direito constitucional e direito civil.

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      anulação do júri

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