Suzane von Richthofen faz concurso para TJ-SP:  Condenação criminal pode impedir a posse?

Suzane von Richthofen faz concurso para TJ-SP: Condenação criminal pode impedir a posse?

Efeitos da condenação criminal x Possibilidade de tomar posse em concurso púbico

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Suzane Von Richthofen presta concurso para o Tribunal de Justiça de São Paulo

Condenada pela morte dos próprios pais e atualmente cumprindo a pena no regime aberto, Suzane von Richthofen, de 41 anos, prestou concurso público para o cargo de escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), com salário de R$ 6.043,00.

Suzane ainda não é formada. Está cursando direito no campus Bragança Paulista da Universidade São Francisco.

Ocorre que, mesmo que ela seja aprovada no concurso, ela não poderá tomar posse, pois, segundo o próprio Tribunal de Justiça, um dos requisitos para a posse é a apresentação do atestado de antecedentes criminais.

Relembre o caso

Suzane foi condenada pelo assassinato dos pais, Marísia e Manfred Von Richthofen. Ela foi considerada a mentora de um dos crimes mais bárbaros que já assombrou o país. A execução do crime ficou a cargo dos irmãos Cravinhos (Daniel, seu namorado à época, e Cristian).

O crime aconteceu na noite de 31 de outubro de 2002, no quarto em que o casal dormia na casa da família, uma mansão no bairro Campo Belo, em São Paulo.

Suzane levou os irmãos Cravinho em seu carro e abriu a porta da residência para que eles matassem Manfred e Marísia com golpes de porrete na cabeça. Antes, Suzane subiu ao quarto e se certificou de que os pais dormiam. Em seguida, os três simularam um cenário de roubo. 

A motivação do crime também era clara: o relacionamento de Suzane com Daniel não era bem-visto pelos pais dela, especialmente Manfred. Ele teria usado de força física contra a filha e prometido deserdá-la, caso não desse fim ao namoro.

Suzane foi condenada a 39 anos e seis meses de prisão em regime fechado, mesma pena aplicada a Daniel Cravinho. Cristian Cravinho pegou 38 anos e seis meses de reclusão.

Vida de Suzane Von Richthofen hoje

Suzane von Richthofen

Depois que saiu da prisão para cumprir o restante da pena em liberdade, a vida de Suzane sofreu algumas reviravoltas. Ela começou abrindo uma pequena empresa de acessórios femininos feitos à mão em Angatuba.

Depois, com autorização judicial, começou a cursar biomedicina no Centro Universitário Sudoeste Paulista, em Itapetininga.

Posteriormente ela se inscreveu para um cargo público de telefonista na Câmara Municipal de Avaré. Conforme a assessoria da Câmara, o concurso aconteceu, mas Suzane não compareceu para fazer a prova.

Iniciou um relacionamento com o médico Felipe Zecchini Muniz, com quem teve o seu primeiro filho, e hoje vive em Bragança Paulista. Com sua nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), retomou os estudos em Direito na Universidade São Francisco.

Agora, Suzane Von Richthofen tenta ingressar no Tribunal de Justiça de São Paulo através do concurso para o cargo de escrevente.

Análise Jurídica

Questão que importa é saber se uma condenação criminal pode ou não impedir a nomeação e posse em um cargo público. O que diz o ordenamento jurídico? E o STF? Vejamos:

O artigo 15, III, da Constituição Federal, determina que em caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, os direitos políticos são suspensos.

CF/88

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II – incapacidade civil absoluta;

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

A interpretação predominante na doutrina e jurisprudência é no sentido de que, enquanto estiver sendo cumprida a pena imposta, o condenado criminalmente permanece com os direitos políticos suspensos.

Daí surge a pergunta: a suspensão dos direitos políticos pode ser invocada para impedir a nomeação e posse do condenado aprovado em concurso público? Muitos editais trazem esse requisito, tentando impedir a nomeação daquele que está cumprindo pena.

Impacto da Condenação Criminal na Nomeação e Posse

Em âmbito federal, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, exige como requisito básico para investidura em cargo público, dentre outros, o gozo dos direitos políticos.

Lei nº 8.112/90

Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público:

I – a nacionalidade brasileira;

II – o gozo dos direitos políticos;

III – a quitação com as obrigações militares e eleitorais;

 IV – o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;

V – a idade mínima de dezoito anos;

VI – aptidão física e mental.

Decisão do STF e Possibilidade de Posse em Cargo Público

Mas o Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacificado sobre a questão em sentido contrário. E essa pacificação se deu no julgamento do TEMA 1.190, onde foi fixada a seguinte tese:

TEMA 1.190: É inconstitucional, por violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (CF, artigo 1º, III e IV), a vedação a que candidato aprovado em concurso público venha a tomar posse no cargo, por não preencher os requisitos de gozo dos direitos políticos e quitação eleitoral, em razão de condenação criminal transitada em julgado (CF, artigo 15, III), quando este for o único fundamento para sua eliminação no certame, uma vez que é obrigatoriedade do Estado e da sociedade fornecer meios para que o egresso se reintegre à sociedade. O início do efetivo exercício do cargo ficará condicionado ao regime da pena ou à decisão judicial do juízo de execuções, que analisará a compatibilidade de horários.

Portanto, o STF decidiu que condenados aprovados em concursos públicos podem ser nomeados e empossados, desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido nem conflito de horários entre a jornada de trabalho e o regime de cumprimento da pena. 

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes explicou que a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal não alcança direitos civis e sociais.O que a Constituição Federal estabelece é a suspensão do direito de votar e de ser votado, e não do direito a trabalhar”, assinalou, ressaltando que a ressocialização dos presos no Brasil é um desafio que só pode ser enfrentado com estudo e trabalho.

Constou no acórdão que gerou o TEMA 1.190 que:

“o direito ao trabalho é um direito social (art. 6º da CF/1988) que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e IV, da CF/1988), sendo meio para se construir uma sociedade livre, justa e solidária; para se garantir o desenvolvimento nacional; bem como para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I, II, e III, da CF/1988); não se confundindo com os direitos políticos…

Não é razoável que o Poder Público, principal responsável pela reintegração do condenado ao meio social, obstaculize tal finalidade, impossibilitando a posse em cargo público de candidato que, a despeito de toda a dificuldade enfrentada pelo encarceramento, foi aprovado em diversos concursos, por mérito próprio.”

Em resumo, o STF, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, associado à ressocialização do condenado como uma das finalidades do cumprimento da pena, tem garantido a nomeação e posse de condenados aprovados em concurso público, desde que não haja incompatibilidade entre o cargo a ser exercido e o crime cometido nem conflito de horários entre a jornada de trabalho e o regime de cumprimento da pena.

Conclusão

No caso de Suzane von Richthofen, caso ela seja aprovada no concurso e o Tribunal de Justiça de São Paulo venha a negar-lhe o direito de nomeação e posse, nada a impede de buscar junto ao Poder Judiciário, inclusive no STF, o reconhecimento de seu direito à nomeação e posse, como garantido pela Suprema Corte.

Ótimo tema para provas de direito constitucional, direito administrativo e direito processual penal. Importante acompanhar o desenrolar desse caso.

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