Suspensão do Bloco 4 do CNU: entenda o que aconteceu

Suspensão do Bloco 4 do CNU: entenda o que aconteceu

Saiba por que o Bloco 4 do CNU foi suspenso e entenda os fatores que levaram a essa decisão. Descubra as implicações dessa medida.

O cenário dos concursos foi recentemente pego de surpresa por uma decisão que coloca em xeque a integridade do Concurso Nacional Unificado (CNU), popularmente conhecido como “Enem dos Concursos”. 

Em 3 de outubro de 2024, o juiz da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal no processo 1072606-86.2024.4.01.3400, determinou a suspensão dos efeitos da prova do Bloco 4 do CNU, que abrange os temas de trabalho e saúde do trabalhador. 

Esta decisão, de caráter liminar, suspende a divulgação das notas desse bloco específico, prevista para 8 de outubro, mas, vamos entender o porquê.

Caso concreto – Bloco 4 do CNU

O cerne da controvérsia reside em um incidente ocorrido em Recife, Pernambuco, durante a aplicação das provas. 

Na Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Jornalista Trajano Chacon, um grupo de candidatos recebeu, por engano, no período da manhã, o caderno de provas destinado ao turno da tarde. 

Segundo relatos, os candidatos tiveram acesso ao conteúdo por aproximadamente 11 minutos antes que o erro fosse detectado e corrigido.

O que aconteceu?

Um candidato entrou com uma ação popular e iniciou sua fundamentação citando o artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal:

“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo à moralidade administrativa”.

E cabe ação popular para falar de concurso público?

Cabe sim.

E ele ingressa contra quem, por qual razão?

Contra a CESGRANGRIO e a União. Veja:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Além disso, de acordo com o STJ (REsp 1095370 / SP) “doutrina e jurisprudência consideram ser impositiva, em sede de ação popular, a formação de litisconsórcio necessário entre a autoridade que tenha provocado a suposta lesão ao patrimônio público e a pessoa jurídica que pertence o respectivo órgão”. 

E quem pode ingressar?

Qualquer cidadão, veja a lei de ação popular:

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua , de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

Ademais, veja outro caso recente de ação popular que tenta denunciar contratação temporária de maneira ilegal subvertendo o concurso público, julgado pelo TJMG:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. EXPECTATIVA DE DIREITO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. ALEGAÇÃO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS E DE PRETERIÇÃO ARBITRÁRIA. PROVA. AUSÊNCIA. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. A Ação Popular é um mecanismo constitucional posto à disposição de qualquer cidadão que pretenda anular ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, histórico e cultural, à moralidade administrativa e ao meio ambiente. O candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital tem mera expectativa de direito à nomeação para o cargo a que concorreu, que se convola em direito subjetivo à nomeação quando demonstrado o surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame e a sua preterição arbitrária e imotivada por parte da Administração Público (RE 837311). Na hipótese, inexiste comprovação da alegada preterição em razão da contratação de servidores em substituição ao provimento efetivo de cargos públicos vagos suficientes para alcançar a classificação da parte autora no certame, tampouco dos demais candidatos aprovados no concurso público em questão. Forçoso concluir, portanto, que ausente lesão à moralidade administrativa, deve ser mantida a sentença de improcedência. (TJMG; APCV 5000392-65.2022.8.13.0511; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Edilson Olímpio Fernandes; Julg. 17/09/2024; DJEMG 25/09/2024)

Assim, de início, perceba que há permissão para que qualquer cidadão (eleitor) questione atos que possam ferir a moralidade administrativa.

No caso, o cerne do debate é: houve ferimento da isonomia?

A União, em sua defesa, argumentou que o equívoco foi prontamente sanado e que “a troca das provas não foi capaz de afetar a aplicação, nem o sigilo das informações”. 

No entanto, o juiz considerou que as evidências apresentadas pelo autor da ação popular contradiziam essa afirmação.

Um dos elementos cruciais para a decisão do magistrado foi um e-mail enviado por uma candidata às 12h51, portanto antes do início das provas da tarde, no qual ela demonstrava já ter conhecimento do conteúdo de uma das questões. 

Dessa forma, a candidata afirmou: 

“eu já vi as questões da prova da tarde e, inclusive, a primeira delas é sobre Motivação”. 

Bloco 4 do CNU

Dessa forma, ela teve acesso a questões que seriam feitas à tarde, e ela viu a prova pela manhã.

A veracidade desta informação foi posteriormente confirmada pela análise do caderno de questões do turno da tarde.

Além disso, o juiz analisou que há uma gravação de um telefonema entre uma candidata e a banca examinadora, corroborando a informação do e-mail. 

Diante desses fatos, o juiz concluiu que “os fatos não se limitaram à violação do malote com os cadernos de questões, mas avançaram para o vazamento do conteúdo das próprias questões, o que, ao tempo em que viola a isonomia entre os candidatos, contamina o prosseguimento do concurso com a pecha da imoralidade”.

Princípios jurídicos violados – Bloco 4 do CNU

Embora não tenha citado expressamente, a decisão do juiz baseou-se em três  princípios fundamentais do Direito Administrativo, notadamente:

  • Princípio da Isonomia: em outras palavras, o vazamento das questões viola a igualdade de condições entre os candidatos. 
  • Princípio da Moralidade Administrativa: obviamente, a situação compromete a lisura e integridade do concurso público.
  • Princípio da Impessoalidade: em razão de os atos administrativos devem ser praticados visando o interesse público, não deve haver favorecimentos ou discriminações.

Isto é, a decisão liminar do juiz federal busca salvaguardar esses princípios, ao considerar que o vazamento, mesmo que parcial e limitado, das questões da prova poderia comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a integridade do processo seletivo.

Assim, o juiz citou um precedente relevante para fundamentar sua decisão:

"AÇÃO POPULAR. CONCURSO PÚBLICO. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DO CERTAME VOLTADAS AO FAVORECIMENTO DE DETERMINADOS CANDIDATOS. VÍCIO COMPROVADOS. OFENSA À MORALIDADE ADMINISTRATIVA E LESIVIDADE POTENCIAL AO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. ANULAÇÃO DO CONCURSO. RECURSOS DESPROVIDOS.

A ofensa à moralidade administrativa autoriza o exercício da ação popular. Sem embargo disso, a fraude em concurso público encerra lesividade potencial porque, ao comprometer o objetivo de selecionar as pessoas mais capacitadas para o serviço público, atenta contra o princípio constitucional da eficiência. A quebra do tratamento isonômico, revelada pelo manifesto favorecimento a determinados candidatos, é motivo suficiente para a invalidação de concurso público. (TJ-SC - AC: 20090333748 Rio do Oeste 2009.033374-8, Relator: Newton Janke, Data de Julgamento: 27/09/2011, Segunda Câmara de Direito Público)"

Dispositivo e próximos passos – Bloco 4 do CNU

Com base nesses elementos, o juiz concluiu:

“Sendo assim, em que pese a União alegar que o equívoco teria sido sanado a tempo de não causar prejuízo à lisura do certame, as provas dos autos indicam que os fatos não se limitaram à violação do malote com os cadernos de questões, mas avançaram para o vazamento do conteúdo das próprias questões, o que, ao tempo em que viola a isonomia entre os candidatos, contamina o prosseguimento do concurso com a pecha da imoralidade, exigindo-se, assim, a pronta atuação do Judiciário no caso concreto”.

Em suma, a decisão de suspender a divulgação dos resultados do Bloco 4 do CNU baseou-se na evidência de um possível vazamento de conteúdo das provas, o que violaria princípios fundamentais dos concursos públicos, notadamente a isonomia entre os candidatos e a moralidade administrativa. 

Assim, o juiz entendeu que, diante das provas apresentadas, era necessária uma medida cautelar para preservar a integridade do concurso até que o caso possa ser julgado em seu mérito.

Por fim, a decisão liminar determina que:

  1. As partes e o Ministério Público Federal sejam intimados, com intimação imediata das rés para cumprimento da decisão.
  2. Os réus sejam citados para apresentar resposta no prazo legal.
  3. O autor popular seja intimado para réplica.
  4. O Ministério Público Federal apresente parecer.

No entanto, é importante notar que esta é uma decisão liminar, sujeita a recurso. A Advocacia-Geral da União (AGU) já anunciou que irá recorrer da decisão. O Ministério da Gestão, por sua vez, afirmou que ainda não foi notificado oficialmente, mas reiterou seu compromisso em garantir a continuidade regular do certame.

Como o tema já caiu em concursos:

IBADE – 2023 – RBPREV – AC – Procurador Jurídico Previdenciário

O cidadão tem a legitimidade para pleitear pela via da Ação Popular a anulação ou declaração de nulidade de determinados atos. Sobre a referida ação, é correto afirmar que: 

A)não é adequada para anular atos lesivos ao patrimônio de sociedades de economia mista que exerçam concorrência no mercado, considerando a paridade necessária a manutenção da livre concorrência.  

B)qualquer cidadão e o Ministério Público poderão recorrer das sentenças e decisões proferidas em desfavor do Autor.

C)a desistência da ação pelo Autor independe da concordância do Réu, sendo realizado a sua imediata extinção mediante a homologação da desistência. 

D)o Autor poderá requer às entidades cuja proteção é objeto da ação o fornecimento de certidões e documentos que julgue necessário para instruir a petição inicial, de forma e devidamente justificada com a indicação completa da causa de pedir e pedido da ação popular.  

E)em razão do seu caráter de interesse público, em nenhuma hipótese tramitará a ação popular em segredo de justiça.

Gabarito: Letra B


Comentários:

Lei 4.717/65. Art. 15, § 2º Das sentenças e decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de recurso, poderá recorrer qualquer cidadão e também o Ministério Público.

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