STF confirma a legalidade da busca e apreensão extrajudicial de bens. Entenda os impactos e fundamentos dessa decisão no direito brasileiro.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal, por ampla maioria (10 x 1), validou dispositivos do marco legal das garantias (lei 14.711/23) que autorizam a consolidação extrajudicial da propriedade e a busca e apreensão de bens móveis e imóveis em contratos com garantia fiduciária e hipoteca.
O julgamento se deu no âmbito das ADIns 7.600, 7.601 e 7.608, com relatoria do ministro Dias Toffoli, e contou com apenas um voto contrário, o da ministra Cármen Lúcia.
Para a Ministra Cármen Lúcia, voto vencido, os procedimentos extrajudiciais previstos na lei violam garantias fundamentais como o devido processo legal, a inviolabilidade do domicílio e a cláusula de reserva de jurisdição.
As ADIns foram ajuizadas pela União dos Oficiais de Justiça do Brasil, pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pela Associação Nacional dos Oficiais de Justiça, Avaliadores Federais e Associação Federal dos Oficiais de Justiça do Brasil.
As ações questionaram os arts. 8º-B a 8º-E do decreto-lei 911/69, com a redação dada pela lei 14.711/23, que preveem:
- Consolidação extrajudicial da propriedade fiduciária por meio de cartório;
- Procedimento de busca e apreensão administrativa;
- Regras para execução extrajudicial de hipotecas e garantias em concurso de credores;
- Possibilidade de realização de leilões extrajudiciais e alienação direta.
As autoras das ADIns sustentaram que, ao permitirem constrição de bens sem autorização judicial, as medidas acabam violando:
- A reserva de jurisdição;
- O devido processo legal;
- A inviolabilidade de domicílio;
- O princípio da dignidade da pessoa humana;
- O direito de propriedade;
- O direito à vida e à segurança;
- A inviolabilidade de dados;
- A inviolabilidade da intimidade;
- A função social da propriedade;
- O direito ao contraditório e ampla defesa.
A Procuradoria-Geral da República, em 2024, emitiu parecer defendendo a constitucionalidade das medidas, haja vista que elas garantem o devido processo legal e respeitam o direito de propriedade, sem impedir o acesso ao Judiciário.
O relator das ADIns, o ministro Dias Toffoli, utilizou os seguintes argumentos para justificar seu voto:
- A atuação de cartórios e instituições administrativas não exclui o controle judicial posterior, conforme assegurado pela CF;
- A execução extrajudicial é facultativa e depende de cláusula expressa no contrato;
- O procedimento, além de assegurar notificação do devedor e oportunidade para impugnar a cobrança, não elimina o direito de recorrer ao Judiciário (não há ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF, que garante a inafastabilidade da jurisdição);
- Quanto à busca e apreensão, os dispositivos não autorizam o ingresso forçado em domicílios, nem uso de força por particulares. A apreensão pode ocorrer apenas por meios administrativos, como o bloqueio eletrônico de circulação de veículos, ou por entrega voluntária do bem;
- A execução extrajudicial moderniza o sistema de crédito, reduz a judicialização e estimula a eficiência econômica, ao conferir mais celeridade na recuperação de garantias sem sacrificar os direitos dos devedores;
- Os atos extrajudiciais devem respeitar direitos fundamentais do devedor, como a vida privada, honra, imagem, inviolabilidade do domicílio e proibição do uso privado da violência.
Desjudicialização de procedimentos executivos
A desjudicialização de procedimentos executivos é uma tendência mundial, e traz, como principal vantagem, a redução da sobrecarga do Poder Judiciário. Seus principais fundamentos são:
- A razoabilidade de se atribuir a prática de determinados atos de execução a autoridades ou agentes privados;
- A necessidade de ampliação do acesso à justiça e de garantia da celeridade na prestação jurisdicional; e
- A estruturação de um sistema de justiça multiportas no ordenamento brasileiro.
Neste mesmo sentido temos a lição do professor Márcio Carvalho Faria:
“Em outras palavras, as orientações internacionais – que, posteriormente, reverberaram, em maior ou menor escala, nos ordenamentos jurídicos internos – caminhavam no sentido de se desjudicializar as execuções, assim entendida, ao menos inicialmente, como a necessidade de reduzir a presença do juiz nessas demandas, conjugada com a ampliação da atuação de agentes executivos que pudessem se mostrar mais preparados, menos custosos, mais próximos às partes e, sobretudo, mais eficientes”.
(FARIA, Márcio Carvalho. Reformar e racionalizar a execução civil: um caminho necessário. Suprema – Revista de Estudos Constitucionais. v. 3, n. 1. p. 244-45 – grifo nosso).
A Lei nº 14.711/23 decorre daquilo que o Ministro Luiz Fux chamou, no julgamento do RE nº 860.631, de “tendência do direito moderno de transferir para o âmbito administrativo atos que antes demandavam intervenção obrigatória do Judiciário”
Precedentes do STF
O STF possui jurisprudência no sentido de validar a execução extrajudicial em garantias hipotecárias (tema 249) e em contratos com alienação fiduciária de imóveis (tema 982).
TEMA 249: É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial, previsto no Decreto-lei nº 70/66.
TEMA 982: É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal.
Voto Divergente – Cármen Lúcia
Como apontado mais acima, para a ministra Cármen Lúcia, os procedimentos extrajudiciais de consolidação da propriedade, busca e apreensão de bens móveis, e execução de hipotecas e garantias imobiliárias violam direitos e garantias fundamentais assegurados pela constituição Federal, em especial:
- O devido processo legal (art. 5º, LIV);
- A inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI); e
- A reserva de jurisdição – cláusula que exige ordem judicial para atos como a busca e apreensão de bens.
A ministra criticou a possibilidade de diligências realizadas por empresas privadas sem controle judicial, o que caracterizaria uma verdadeira “desjudicialização indevida de garantias constitucionais”.
Cármen, inclusive, deixou claro que também restou vencida no julgamento dos temas 249 e 982 da Corte, o que corrobora sua posição contrária ao tema.
A ministra, vencida, votou pela procedência total das ações, declarando inconstitucionais os arts. 6º, 9º e 10 da lei 14.711/23 – que introduzem os arts. 8º-B a 8º-E no decreto-lei 911/69 e regulam as execuções extrajudiciais.
Tese aprovada
Ao final, as ADIns foram julgadas improcedentes, com a fixação da seguinte tese de julgamento:
“1. São constitucionais os procedimentos extrajudiciais instituídos pela Lei nº 14.711/23 de consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em concurso de credores.
2. Nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, previstas nos §§ 4º, 5º e 7º do art. 8º-C do Decreto-Lei nº 911/69 (redação da Lei nº 14.711/23), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade.”
Ótimo tema para provas de direito processual civil e direito constitucional.
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!