* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o caso
Uma notícia trouxe perplexidade e tristeza para o Brasil e para o mundo: a morte da alpinista Juliana Marins, na Indonésia.
A brasileira Juliana Marins, de 24 anos, foi encontrada morta após quatro dias desaparecida no vulcão Rinjani, na Indonésia.
A alpinista, natural de Niterói, caiu durante uma trilha, sofrendo uma queda de aproximadamente 300 metros da trilha.
Juliana era dançarina de pole dance e publicitária formada pela UFRJ, e estava em um mochilão pela Ásia desde fevereiro, tendo passado por Filipinas, Tailândia e Vietnã.
A família da alpinista reclamou que a jovem ficou desamparada por quase 4 dias aguardando resgate, e culpou as autoridades responsáveis pela demora.
Após a divulgação da morte da jovem, uma questão acabou tomando conta da opinião pública: o traslado do corpo para o Brasil.
A princípio, o Itamaraty afirmou que o governo brasileiro não poderia custear o traslado do corpo, o que gerou revolta de parcela considerável da população.
Pato, ex-jogador da seleção brasileira, se comprometeu a realizar o traslado. O Município de Niterói também se propôs a trazer o corpo, e, finalmente, o presidente Lula disse que o governo federal iria realizar esse traslado.
Mas, afinal, qual a responsabilidade do governo brasileiro quanto ao traslado do corpo da alpinista?
É o que veremos agora.
Análise jurídica
Assistência consular
O decreto nº 9.199/2017, em seu artigo 257, trata da assistência consular, que compreende:
- I – O acompanhamento de casos de acidentes, hospitalização, falecimento e prisão no exterior;
- II – A localização e a repatriação de nacionais brasileiros; e
- III – O apoio em casos de conflitos armados e catástrofes naturais.
Contudo, o §1º do mesmo artigo 257, aduz que a assistência consular não compreende o custeio de despesas com sepultamento e traslado de corpos de nacionais que tenham falecido do exterior, nem despesas com hospitalização, excetuados os itens médicos e o atendimento emergencial em situações de caráter humanitário.
Essa parágrafo foi utilizado pelo Itamaraty para negar, inicialmente, o traslado do corpo de Juliana. Em nota:
"Informa-se que, em caso de falecimento de cidadão brasileiro no exterior, as Embaixadas e Consulados brasileiros podem prestar orientações gerais aos familiares, apoiar seus contatos com o governo local e cuidar da expedição de documentos, como o atestado consular de óbito, tão logo terminem os trâmites obrigatórios realizados pelas autoridades locais.
O atendimento consular prestado pelo estado brasileiro é feito a partir de contato do cidadão interessado ou, a depender do caso, de sua família. A atuação consular do Brasil pauta-se pela legislação internacional e nacional...
O traslado dos restos mortais de brasileiros falecidos no exterior é decisão da família e não pode ser custeado com recursos públicos, à luz do § 1º do artigo 257 do decreto 9.199/2017".
Assim, podemos citar algumas limitações na assistência consular:
- Tornar cidadãos brasileiros imunes à legislação migratória de outros países;
- Responsabilizar-se por contratos, dívidas ou despesas de qualquer natureza de brasileiros no exterior;
- Interferir em questões de direito privado, como direitos do consumidor ou questões familiares;
- Acelerar o trâmite de processos judiciais de brasileiros no exterior;
- Interferir em caso de denegação de entrada em outros países;
- Traduzir documentos ou atuar como intérprete;
- Remarcar voos ou recuperar bagagem extraviada;
- Custear despesas médicas ou advocatícias de nacionais no exterior;
- Oferecer empréstimos a brasileiros;
- Investigar, por conta própria, crimes ou desaparecimentos;
- Oferecer refúgio ou hospedagem gratuita no local da Repartição, a não ser em situação de comprovada calamidade;
- Organizar viagens de nacionais brasileiros a outros países;
- Interferir para libertar cidadãos brasileiros detidos.
Proibição do traslado

O presidente Lula, contrariando o Itamaraty, afirmou, por meio de suas redes sociais, que iria trazer o corpo da jovem de volta ao Brasil.
Pois bem. No dia 27 de junho de 2025, foi publicado, no Diário Oficial da União, o decreto nº 12.535/2025, que altera o decreto nº 9.199/2017 para acrescentar os §§1º-A e 1º-B, ao artigo 257.
As alterações foram as seguintes:
§ 1º-A Em caráter excepcional e motivado, a vedação a traslado de corpos de nacionais poderá ser afastada pelo Ministério das Relações Exteriores se:
I - a família comprovar incapacidade financeira para o custeio das despesas com o translado;
II - as despesas com o translado não estiverem cobertas por seguro contratado pelo de cujus ou em favor dele, ou previstas em contrato de trabalho se o deslocamento para exterior tiver ocorrido a serviço;
III - o falecimento ocorrer em circunstâncias que causem comoção; e
IV - houver disponibilidade orçamentária e financeira.
§1º-B Os critérios e procedimentos para a concessão e execução do translado serão regulamentados por meio de ato do Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Aliás, importante destacar que o decreto 9.199/2017 não foi revogado, e a regra continua sendo a proibição do traslado do corpo de brasileiros mortos no exterior.
A alteração apenas permite que, em caso excepcional e motivado, possa haver esse transporte do corpo para o território nacional, desde que cumpridos os requisitos legais.
Assim, a decisão pode ser vista como um avanço no amparo a brasileiros que enfrentam tragédias fora do país.
Um integrante do Planalto foi direto: “O governo tem o dever de acolher as famílias em momentos de dor, especialmente em situações que envolvam comoção pública ou em que a família esteja desamparada”.
Dignidade da pessoa humana
Os requisitos para se permitir o traslado do corpo de brasileiro morto no exterior estão relacionados à incapacidade financeira da família do morto, à não cobertura securitária ou do empregador, à geração de comoção com a morte e à disponibilidade financeira e orçamentária da União.
Cumpridos os quatros requisitos, portanto, admite-se, excepcionalmente, o custeio do traslado do corpo de brasileiro morto no exterior.
A medida acaba por concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal, já que os familiares, em território nacional, têm o direito prestar as últimas homenagens ao ente querido que acaba de falecer, o que inclui velório, sepultamento ou cremação.
CF
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Ótimo tema para provas de direito constitucional.
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