Reserva de Vagas para Pessoas Trans no Concurso de Analista da DPE-SP: uma atitude corajosa

Reserva de Vagas para Pessoas Trans no Concurso de Analista da DPE-SP: uma atitude corajosa

Saiba mais sobre a reserva de vagas para pessoas trans no concurso de Analista da DPE-SP.

Vagas para Pessoas Trans

Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e hoje vou comentar um tema bastante importante, a partir de notícia de um edital recentemente publicado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Na última sexta-feira, dia 24/01, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo publicou o edital para concurso para o cargo de Analista de Defensoria que trouxe uma previsão de 8 vagas reservadas exclusivamente para pessoas trans, o que simboliza uma tendência em concursos públicos da defensoria pública.

Assim, porque a temática é importante não apenas para quem vai participar do referido certame, mas também para aqueles que prestam concursos de carreiras jurídicas de um modo geral, na medida em que a temática é bastante debatida no mundo jurídico, trataremos dos fundamentos jurídicos e convencionais da medida.

Da importância das políticas de cotas

As políticas de cotas são verdadeiras ações afirmativas que surgem como instrumentos indispensáveis para a correção de desigualdades históricas e estruturais enfrentadas por grupos vulnerabilizados. 

E você pode questionar: Pessoas trans são vulneráveis? Por qual motivo necessitaríamos de um concurso com cotas específicas? Explico!

No caso específico da população trans, a exclusão social se reflete nos altos índices de desemprego, falta de acesso à educação e marginalização econômica.

De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das mulheres trans no Brasil dependem da prostituição como principal fonte de renda, devido à dificuldade de inserção no mercado formal.

Além disso, nos últimos anos foi crescente o número de assassinatos de pessoas trans, com estatísticas bastante alarmantes. A nível mundial, as estatísticas brasileiras são bastante significativas:

O Brasil é o primeiro colocado, mundial, responsável por 37,5% de todas as mortes de pessoas trans no mundo. Para se ter uma ideia da desproporção brasileira, nos últimos cinco anos foram assassinadas apenas 12 pessoas ao todo em cinco países: Itália, Portugal, França, Espanha e Bélgica.
(Dados de pesquisa realizada pelo projeto internacional “Trans Murder Monitoring – TMM”)

Nesse contexto, políticas como a reserva de vagas para pessoas trans em concursos públicos não apenas ampliam o acesso ao serviço público, mas também combatem o preconceito, a discriminação e garantem igualdade de oportunidades.

Dessa forma, a postura da DPE-SP é particularmente relevante porque reforça o compromisso das instituições públicas com os direitos humanos e a justiça social.

Nos últimos anos, outras defensorias públicas como a DPE-PR, a DPU e a própria DPE-SP já instituíram a política de cotas para concursos de ingresso de defensoras e defensores públicos.

Fundamento jurídico e normativo

Inicialmente, é importante destacar que, a nosso ver, a reserva de vagas para pessoas trans no concurso para o cargo de analista da DPE-SP encontra respaldo em uma robusta base jurídica e normativa, que inclui tanto instrumentos internacionais quanto legislações nacionais para adoção de políticas afirmativas e que também podem compreender a reserva de vagas para pessoas trans.

Dentre os principais documentos internacionais, podemos citar:

  1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Estabelece a igualdade em dignidade e direitos, sem discriminação de qualquer natureza.
  2. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966): Prevê a igualdade de todos perante a lei e a proibição de discriminações.
  3. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969): Reforça o dever estatal de garantir a proteção igualitária da lei, sem discriminação, sendo aplicável também a questões de identidade de gênero.

Além disso, internamente podemos citar diversos argumentos normativos que amparam a medida, dentre eles aqueles ligados às próprias atribuições da Defensoria Pública (lei orgânica). Dentre os fundamentos legais, podemos citar:

  • Lei Complementar nº 80/94: Atribui à Defensoria Pública o papel de promover a igualdade e a defesa dos direitos humanos, especialmente dos grupos vulneráveis.
  • Lei nº 14.382/22: Garante o direito à identidade de gênero autodeclarada, facilitando a alteração de nome e gênero nos documentos civis.
  • Lei nº 12.990/14: Estabelece cotas para pessoas negras em concursos públicos, criando um precedente normativo importante para a adoção de medidas similares para outros grupos.

Os Tribunais Superiores também vêm trazendo respaldo significativo para as políticas afirmativas voltadas à população LGBTQIA +. Destacam-se:

  • Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26: Decisão histórica do STF que equiparou a homofobia e a transfobia aos crimes de racismo, reconhecendo a vulnerabilidade das pessoas trans.
  • Mandado de Injunção (MI) 4733: Reforçou a necessidade de proteção jurídica contra discriminações baseadas na identidade de gênero.
  • Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41: Validou a reserva de vagas para negros em concursos públicos, estabelecendo um precedente para ações afirmativas voltadas a outros grupos.

Casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem proferido decisões importantes que reforçam a proteção dos direitos das pessoas LGBTQIA+:

Caso Atala Riffo e Filhas vs. Chile – A Corte destacou que a orientação sexual e a identidade de gênero são categorias protegidas contra discriminação.

Caso Azul Rojas Marín y otra vs. Peru – Reforçou a proteção contra discriminação e violência baseada na identidade de gênero, reconhecendo a necessidade de medidas específicas para proteger os direitos das pessoas trans.

Efetivação da política pública para concursos de analistas

Dessa forma, especificamente no que tange ao concurso para cargo de analista da DPE-SP, verifica-se que a reserva de 8 vagas para pessoas trans no concurso da DPE-SP é mais do que uma ação afirmativa: é uma medida concreta de combate à desigualdade. A implementação dessa política segue critérios bem definidos para assegurar sua eficácia e transparência.

Das críticas e dos desafios da política adotada

Ao nosso sentir, são evidentes os benefícios sociais da medida. Porém, apesar de sua eficácia aparentemente relevante, a reserva de vagas para pessoas trans em concursos públicos não está isenta de críticas. Podemos citar os seguintes questionamentos:

  • Suspeitas de Fraudes: A possibilidade de autodeclaração pode gerar receios de falsidade ideológica. Para mitigar esse risco, é essencial garantir que os processos de verificação sejam claros, objetivos e respeitem a dignidade das pessoas candidatas.
  • Questionamentos Jurídicos: essas políticas afirmativas frequentemente enfrentam resistência, com alegações de violação ao princípio da igualdade. 
  • Limitação do Impacto: O número reduzido de vagas reservadas pode limitar o impacto imediato da medida, trazendo efeitos que podem não ser concretos, mas apenas políticos. Ainda assim, trata-se de um passo inicial importante, que pode servir de exemplo para outras instituições.

Considerações finais – Vagas para Pessoas Trans

Mesmo que objeto de críticas e muitas vezes nem sempre efetiva, a política de cotas acende uma discussão importante no cenário jurídico brasileiro, em especial no que toca à discriminação das pessoas trans.

Não há dúvidas de que se trata de um grupo extremamente vulnerabilizado e que merece atenção especial do Poder Público. 

A reserva de cotas para pessoas trans no concurso de analista da DPE-SP é uma medida inovadora e corajosa, que reafirma o compromisso do Estado com a promoção dos direitos humanos e a inclusão social. 

Assim é que, mais do que uma política afirmativa, a iniciativa da DPE-SP é um símbolo de transformação social, demonstrando e evidenciando o papel da Defensoria Pública brasileira que é a abertura de espaço e a garantida de diversidade, em todos os aspectos, inclusive na participação democrática de seus processos seletivos internos. 

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

0 Shares:
Você pode gostar também