Hoje, vamos entender como a legislação e a jurisprudência tratam a questão da repetição do indébito de tributos indiretos.
Pagamento indevido e repetição do indébito
Se houver pagamento indevido de tributo, o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo (art. 165 do CTN). A isso se dá o nome de repetição de indébito.
Nos tributos diretos, a regra relativa às restituições é simples: quem pagou um valor indevido ou maior que o devido tem direito à restituição.
Na repetição do indébito de tributos indiretos a questão é um pouco mais complexa:
Repetição do Indébito de Tributos Indiretos
Tributos Indiretos
Do ponto de vista econômico todos os tributos comportam o repasse do seu ônus financeiro, porque sempre será possível incluir no preço do produto ou serviço os valores pagos a título de tributos.
A classificação econômica, entretanto, não é relevante para classificar um tributo como direto ou indireto (utilizam-se critérios jurídicos), conforme Jurisprudência do STJ (Resp. 118.488).
Segundo a classificação jurídica, tributos indiretos (a exemplo do ICMS e do IPI) são aqueles em que há um contribuinte de fato e um contribuinte de direito.
a) Contribuinte de direito: é a pessoa que realiza o fato gerador.
b) Contribuinte de fato: aquele sobre o qual recai o ônus financeiro do tributo, considerando que o contribuinte de direito transferiu para ele este encargo.
Há, como se vê, uma transferência do encargo do contribuinte de direito para o contribuinte de fato.
Essa transferência é chamada de repercussão tributária (ou translação ou transladação), entretanto, o STF considera que o responsável paga preço e não tributo, já que esse está embutido no produto.
Contribuinte | Responsável por substituição |
Quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; | Quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei |
CONTRIBUINTE DE DIREITO | CONTRIBUINTE DE FATO |
é quem realizaria o fato gerador. | é quem efetivamente arca com o custo da tributação. |
Legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito de tributos indiretos
Se o contribuinte de direito repassou oficialmente o encargo econômico do tributo a um terceiro e, mais tarde, percebeu-se que tal ônus não correspondia ao previsto na lei, havendo direito à restituição, a legitimidade para pleitear a restituição é do CONTRIBUINTE DE DIREITO, uma vez que o contribuinte de fato não integra a relação jurídica tributária, pagando o preço do bem.
Dessa forma, mesmo que quem tenha arcado com o ônus econômico seja o contribuinte de fato, cabe o pleito ao contribuinte de direito.
Essa foi a interpretação dada art. 166 do Código Tributário Nacional (CTN), que diz o seguinte:
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
A interpretação dada a esse dispositivo pelo STJ é que legitimidade é do sujeito passivo da legislação tributária, ou seja, do contribuinte de direito:
4. Em se tratando dos denominados “tributos indiretos” (aqueles que comportam, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro), a norma tributária (artigo 166, do CTN) impõe que a restituição do indébito somente se faça ao contribuinte (de direito) que comprovar haver arcado com o referido encargo ou, caso contrário, que tenha sido autorizado expressamente pelo terceiro a quem o ônus foi transferido.
5. A exegese do referido dispositivo indica que: (…) o condicionamento do exercício do direito subjetivo do contribuinte que pagou tributo indevido (contribuinte de direito) à comprovação de que não procedera à repercussão econômica do tributo ou à apresentação de autorização do “contribuinte de fato” (pessoa que sofreu a incidência econômica do tributo), à luz do disposto no artigo 166, do CTN, não possui o condão de transformar sujeito alheio à relação jurídica tributária em parte legítima na ação de restituição de indébito.
7. À luz da própria interpretação histórica do artigo 166, do CTN, dessume-se que somente o contribuinte de direito tem legitimidade para integrar o pólo ativo da ação judicial que objetiva a restituição do “tributo indireto” indevidamente recolhido.
8. É que, na hipótese em que a repercussão econômica decorre da natureza da exação, “o terceiro que suporta com o ônus econômico do tributo não participa da relação jurídica tributária, razão suficiente para que se verifique a impossibilidade desse terceiro vir a integrar a relação consubstanciada na prerrogativa da repetição do indébito, não tendo, portanto, legitimidade processual “
14. Conseqüentemente, revela-se escorreito o entendimento exarado pelo acórdão regional no sentido de que “as empresas distribuidoras de bebidas, que se apresentam como contribuintes de fato do IPI, não detém legitimidade ativa para postular em juízo o creditamento relativo ao IPI pago pelos fabricantes, haja vista que somente os produtores industriais, como contribuintes de direito do imposto, possuem legitimidade ativa” .
15. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.”
Na contramão do julgado acima, a Sumula 546 do STF:
Súmula 546 do STF Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte “de jure/direito” não recuperou do contribuinte “de facto” o “quantum” respectivo.
Ocorre que o art. 166 e a Súmula 546 partem de uma concepção juridicamente inadequada, pois, (1) além de subordinarem a devolução dos tributos cobrados indevidamente à lógica do direito civil, próprio das relações privadas, (2) introduziram um critério econômico em sua análise, pois partiram da incorreta distinção teórica entre tributos diretos e indiretos, visto que todos os tributos repercutem economicamente na formação dos preços.
Dessa forma, prevalece o entendimento de que, em regra, a legitimidade para pleitear a restituição é do CONTRIBUINTE DE DIREITO, uma vez que o contribuinte de fato não integra a relação jurídica tributária, pagando o preço do bem.
Entretanto, existe uma exceção no caso de tributos pagos indevidamente por concessionária de energia elétrica:
Tributos pagos indevidamente por concessionária de energia elétrica:
Nesse caso a legitimidade para pleitear a restituição é do contribuinte de fato, ou seja, do consumidor final:
No Tema 752, o STF considerou a “Legitimidade do consumidor final (contribuinte de fato) para propor ação de repetição de indébito tributário relativo a valores do ICMS incidente sobre a demanda contratada de energia elétrica.”.
Ainda, o Tema Repetitivo 537 do STJ trouxe que “Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada.
O STJ concluiu que não haveria interesse das concessionárias em pleitear a restituição do indébito em caso de terem sido tributadas indevidamente, uma vez que em caso de aumento de tributos, estas poderão repassar esse valor nas tarifas, evitando conflitos entre as concessionárias e o poder público.
Desse modo, o consumidor iria arcar com a repercussão econômica do tributo pago a maior e, como a concessionária não iria pleitear a repetição do indébito, essa situação de abusividade na cobrança iria se perpetuar, em prejuízo ao usuário dos serviços públicos (já que as tarifas serão aumentadas e haverá a perpetuação de uma situação de injustiça tributária).
O STJ entende que em casos como o presente, inexiste conflito de interesses entre a Fazenda Pública, titular do tributo, e as concessionárias, que apenas repassam o custo tributário à tarifa.
Situação diversa é a da fabricação e do comércio de bebidas, objeto do REsp 903.394/AL (repetitivo), não aplicável ao caso em debate. Se o fabricante simplesmente repassar ao preço do seu produto de venda o valor do ICMS cobrado indevidamente, as suas vendas poderão cair.
Em virtude da concorrência no setor privado – o que dificilmente ocorre no fornecimento de energia elétrica –, o distribuidor (adquirente da bebida) poderá buscar outro fabricante, com produtos inferiores ou importados, com preços menores.
Para compensar o ICMS pago a mais e a fim de não reduzir as vendas, terá o fabricante que reduzir custos e lucros, ao menos até que volte a dominar o mercado. Sem dúvida, portanto, nessa situação, há conflitos de interesses entre o credor do tributo e o fabricante.
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Repetição do indébito de tributos indiretos.